Imagem: Colca Canyon - créditos: Joana Firmino Ribeiro

Acredito que nenhum de nós vá para os Andes a achar que a dificuldade se equipara à de escalar o Monte Everest, mas temos que estar preparados para tudo, especialmente para os efeitos de uma altitude que desconhecemos. À exceção de alguns pontos específicos (como a Serra da Estrela), em Portugal estamos ao nível do mar e não temos o hábito muito alemão, austríaco ou suíço de percorrer quilómetros em percursos aptos para trekking logo ali ao lado de casa. E talvez seja por isso que o número de turistas desses países por cá seja consideravelmente superior ao de portugueses.

E é sobre isso que venho aqui hoje. Ainda não o disse, mas escrevo a partir de terras peruanas e hoje era o dia em que ia à Montanha das Sete Cores. No entanto, a minha preparação física atual, aliada a uma recuperação lenta de uma infeção por COVID-19 e à diferença de altitude (encontra-se a 5200m de altitude) não me deixam ir acima dos 3800m nesta fase da minha vida. Existiu a muito necessária aclimatização (estou há três semanas em Cusco porque vim a trabalho) e já me aventurei antes por Arequipa, pelo Colca Canyon, por Machu Picchu e pelo Lago Humantay, mas neste último a passagem dos 3800m enquanto caminhava tornou-se complicada, com uma respiração pesada e turbulenta a dizer para parar. O corpo aguenta sempre mais um bocadinho, mas também nos vai alertando quando algo está mal, quando ultrapassamos a fronteira dos nossos limites. E o meu falou comigo mesmo a tempo de parar, acalmar-me, e de apanhar boleia de um cavalo até ao topo.

Lago Humantay
Lago Humantay Lago Humantay créditos: Joana Firmino Ribeiro

Vim para o Peru por dois meses, com o objetivo de me pôr à prova, para passar a dar importância só às esferas da vida que realmente o merecem, e para crescer um bocadinho. E se nestes últimos dois pontos fui notando mudanças graduais com o passar dos dias, no primeiro foi preciso chegar à última grande prova física para o perceber. Mas já lá vamos.

Antes da viagem, aconselhei-me com quem está habituado a estas andanças e só trouxe comigo o estritamente necessário, dos quais destaco as botas de cano alto (são realmente úteis na hora de prevenir entorses), umas leggings confortáveis e quentes (apesar de ser verão, é época de chuvas no Peru e maiores altitudes trazem consigo menor pressão atmosférica e mais frio) e muitas camadas de roupa para o tronco superior, da t-shirt ao casaco de penas que corta o vento até ao impermeável uns tamanhos acima para que também se consiga tapar a mochila caso a chuva comece a cair de repente. Só não trouxe uma vara porque para ser verdadeiramente estável tem de ser maior que a pessoa que a carrega e podia causar aborrecimento no aeroporto. Também li muito sobre como prevenir o mal de altitude, estratégias de aclimatização, conteúdos de quem por cá já tinha andado para poder traçar a melhor rota no que à altitude diz respeito, e quando cheguei o chá de coca tornou-se um aliado. Mas não vale tudo e há que respeitar o nosso corpo, afinal muito já fez ele desde que cheguei.

A chegar ao topo da montanha Machu Picchu
A chegar ao topo da montanha Machu Picchu A chegar ao topo da montanha Machu Picchu créditos: Joana Firmino Ribeiro

Aguentou horas e horas a percorrer o país em autocarros, comer alimentos aos quais não está habituado, descer o Colca Canyon por caminhos estreitos e íngremes carregados de pedras e obstáculos pouco estáveis, caminhou pela selva no meio de vegetação alta, sem saber o que se escondia por detrás e num stress constante, andou em cima de uma mula e de um cavalo sem nunca ter montado qualquer um destes animais na vida, teve um ataque de pânico, palmilhou quilómetros à chuva em Machu Picchu de mochila às costas, ombros sensíveis e bolhas nos pés, teve fome e teve dores. Mas levou-me sempre ao destino. Por isso não lhe podia dizer que não desta vez. Juntos superamos muito mais do que pensei ser possível quando embarquei nesta viagem e tomamos a decisão de nos tratarmos melhor um ao outro. No regresso, vou levá-lo a umas aulas de natação para que estes pulmões vão ao sítio e não tenho dúvidas de que me ficará muito grato. Porque um gap year (independentemente da sua duração) também é isto - percebermos as nossas dores, o que está menos bem, quais as nossas dificuldades e tomarmos a decisão de mudar os pequenos hábitos que, geralmente, se prolongam.

Este não foi um texto com um roteiro em específico, mas está carregado de conselhos para quem se quiser aventurar por estas paragens. Se estás a pensar numa viagem de superação, o Peru pode ser o destino de que tanto precisas. Basta incluíres no planeamento do teu gap year, uma rotina de preparação tanto física como mental. Para saberes mais, descobre aqui de que forma a Associação Gap Year Portugal e a sua plataforma de mentoria Gap Up! te podem ajudar.

Vou para o Peru. E agora?

1. Tem sempre noção dos teus limites e de quanto o teu corpo aguenta. Põe em prática alguns exercícios de respiração antes de vires para o Peru (há vários exemplos no YouTube).

2. Define a tua rota consoante as várias altitudes que vais encontrar pelo caminho. Da menor para a maior e tendo sempre em consideração de que vais precisar de tempo para aclimatização aos locais.

3. Não menosprezes os sinais que o teu corpo te vai dando durante a viagem.

4. Bebe muitos líquidos durante toda a viagem, especialmente água e chá. Mascar folhas de coca, beber o seu chá ou comer os seus rebuçados podem também ajudar-te a ter mais energia durante os vários percursos.

5. Evita fazer trekking pela natureza sozinho. Machu Picchu é possível, mas em tudo o resto uma tour com um guia pode ser vantajosa na hora de escolher o caminho menos perigoso.

Texto por Joana Firmino Ribeiro, voluntária na Associação Gap Year Portugal