O comboio avança rombo desde Ollantaytambo até Aguas Calientes. Primeiro, penhascos imensos, áridos, que depois começam progressivamente a ficar mais verdejantes. Quando damos por nós, estamos completamente embrenhados na selva, as copas das árvores e o cume das montanhas a verem-se desde as janelas panorâmicas. Do lado de dentro só se vêem olhos, escondidos por detrás de uma mascara (ou duas!) e uma viseira. As regras são apertadas e aqui não facilitam - seja no comboio, na rua ou em toda a área de Machu Picchu. Afinal, a percentagem de pessoas totalmente vacinadas ainda nem chegou aos 30%.
Aguas Calientes é uma cidade desinteressante, estrategicamente posicionada, que tem tudo o que o turista precisa: hotéis, hostels ou hospedarias, restaurantes com comida local ou internacional e ainda muito comércio tradicional, de uma variedade como ainda não tinha encontrado antes. É óbvio que este é o último local para comprar aquela peça para aquela fotografia especial que ficará na moldura lá de casa. E a verdade é que aqui toda a cultura, pelo menos a nível de indumentária, é levada a sério, seja por turistas, seja por residentes.
A primeira imagem de Aguas Calientes é rapidamente substituída por longas filas de pessoas que esperam pelo autocarro que as levará até à "entrada" de Machu Picchu. Igualmente longa é a fila para comprar bilhetes, quando sou interceptada por um dos guias a sugerir que faça a compra dos mesmos online. Bingo! Para uma viajante experiente com 70 países em cima, confesso que esta me apanhou desprevenida, fruto ainda do cansaço, do jet lag, de algum mal de altitude à mistura dos dois dias anteriores e de uma fraca preparação para estes dias. Às vezes, não preparar sai caro. Aqui, pude contar uma vez mais com a boa vontade de um peruano, não sem antes de entrar para o autocarro e lhe deixar 10 soles (o equivalente a dois euros).
De passo acelerado, cruzo as cancelas às 11h em ponto. Não sou das primeiras, mas apanho o complexo ainda aceitavelmente vazio. Não há, praticamente, turistas estrangeiros. Estou entre peruanos. O país esteve fechado até há relativamente pouco tempo, abrindo apenas agora ao Brasil, por exemplo.
Subo um lance de escadas em direcção a uma plataforma superior, e daí tenho o primeiro vislumbre e consciência de onde estou. A magia de Machu Picchu não é apenas a parte estrutural. É tudo, nomeadamente a envolvência. Estamos no meio da selva e no meio de gigantes rochosos. E, algures no tempo, alguém pensou em edificar aqui uma cidade. À semelhança das Pirâmides do Egipto, de Chichen Itza no México, de Angkor Wat no Cambodja ou de outras cidades perdidas, nunca o nosso imaginário irá compreender a autêntica superação destas gentes.
Machu Picchu não se explica. Sente-se.
São três horas que passam a correr, por entre estruturas incas que acreditamos serem residências, templos, zonas de cultivo, de resguardo de gado ou alimentos e até algumas alpacas que passeavam tranquilamente, alheias (ou conformadas...) à presença de humanos.
Opto por fazer o percurso de regresso a pé, pois a promessa de ser a descer era tentadora face a gastar novamente 12 dólares. Arrependo-me rápido: de olhos sempre postos no chão com medo de cair (sem esquecer uma lesão no joelho feita há uns anos atrás em Edimburgo) e uma chuva que começa fininha mas que logo se intensifica não dá tréguas até chegar à cidade.
Entrar no comboio e ficar, completamente por acaso, em primeira classe foi uma sorte que se me deu. Casa de banho mesmo ao lado (garanto que nunca tinha ficado mal da barriga tão cedo numa viagem), ar quente e sofás bem confortáveis. Melhor de tudo: são comboios portugueses! Vendidos pela CP já vai para 15 anos, previamente circulantes nas linhas do Tua e Vouga. Segue-se alguma animação inesperada, por entre desfiles de peças tradicionais feitas com pêlo de alpaca a uma pequena dança típica de um "monstro" que baila ao som de um violoncelo, uma flauta e um saxofone.
O comboio pára novamente em Ollantayambo e é hora de sair. Regresso ao albergue, onde estou alojada. Após um banho rejuvenescedor, sento-me no restaurante e peço um chá de coca. Pela janela, mais comboios repletos de turistas vão chegando. E eu garanto que lhes vejo os sorrisos por debaixo das máscaras e viseiras.
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