Luiz Pedreira caminha com outros caminhantes sob a densa cobertura vegetal da Mata Atlântica, onde um super trilho de 8.000 km entre o Oiapoque (Amapá) e o Chuí (Rio Grande do Sul) começa a ser explorado.

"Você não valoriza o que não conhece", diz Pedreira, com a esperança de que a criação de um dos mais longos percursos pedestres do mundo gere consciência sobre a fragilidade da floresta, que tem sido devastada ao longo dos séculos e agora enfrenta novas ameaças com a política do governo de Jair Bolsonaro.

Inspirada noutros trilhos de longa distância, como a Great Trail, que se estende por 24.000 km no Canadá, o projeto é apoiado pelos Ministérios do Meio Ambiente e do Turismo. Ligará a cidade de Chuí, no extremo sul do Rio Grande do Sul, na fronteira com o Uruguai, ao Oiapoque, na fronteira norte com a Guiana Francesa.

O resultado será um corredor costeiro contínuo para animais e seres humanos. Os trabalhos já estão em andamento, mas podem levar anos até serem concluídos.

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Parte do trilho passa pela Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro créditos: AFP

O trilho "permite às pessoas conectarem-se com a floresta", diz Pedreira à AFP, ao lado de um penhasco que oferece uma vista de 180 graus das montanhas com densa cobertura vegetal e os monólitos de granito que dividem os bairros do Rio de Janeiro.

"Se você está sempre na floresta, vai valorizá-la mais", continua.

Atrativo turístico

Considerada pela ONG Fundo Mundial para a Natureza (WWF) o segundo ecossistema mais diverso do planeta, atrás apenas da Amazónia, a Mata Atlântica abriga milhares de plantas e espécies animais.

Quando os portugueses chegaram ao Brasil, em 1500, a floresta cobria mais de 1,3 milhão de quilómetros quadrados do território, uma área correspondente a quase o dobro da França.

Desde então, no entanto, quase 90% da mata desapareceu, destruída ao longo dos séculos para abrir caminho para cultivos de café, cana-de-açúcar, criação de gado, ou cidades.

Embora a taxa de desmatamento tenha diminuído nos últimos anos, segundo a Fundação SOS Mata Atlântica, teme-se que a retórica antiambientalista do governo Bolsonaro reveja esta tendência.

O desmatamento da Amazónia - uma floresta tropical crucial para manter o aquecimento sob controlo - disparou 278% em julho em comparação com o mesmo mês do ano passado, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Este número segue-se ao aumento de 90% do desmatamento em junho em comparação com o mesmo mês no ano anterior.

Mas a história mostra que a floresta pode ser restaurada. Grande parte da Mata Atlântica, que recobre o Rio de Janeiro, havia sido substituída por plantações de café no século XIX, conta Horacio Ragucci, presidente do Centro Excursionista Brasileiro, enquanto conduz um grupo pela trilha de terra aberta por escravos.

Uma crise hídrica forçou o então imperador Dom Pedro II a confiscar a terra e reflorestá-la, criando o que hoje é o Parque Nacional da Tijuca.

Ragucci diz que o número de visitantes na floresta aumentou nos últimos dez anos, muitos motivados por encontrar um cenário bonito para tirar uma selfie.

"Hoje têm grupos que se reúnem pelo Facebook e juntam 50 pessoas para fazer uma trilha", conta Ragucci à AFP.

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Trilho pela Floresta da Tijuca créditos: AFP

As autoridades brasileiras esperam que o trilho de longa distância atraia mais turistas estrangeiros ao país - que já tem um forte apelo turístico -, gerando renda e trabalho, necessários para a retomada do crescimento.

O percurso do trilho ainda precisa ser concluído, e as autoridades tentam convencer donos de terrenos particulares na floresta a permitir que caminhantes, corredores e praticantes de "mountain bike" passem por suas propriedades.

"Um deleite"

"Se eu puder, faço toda semana", diz Andreza Albuquerque, enquanto ela e um grupo de caminhantes descansam da caminhada, encostados em árvores, enquanto observam a paisagem da cidade e do mar logo abaixo.

"Quando chega a segunda-feira, você começa a trabalhar com uma energia totalmente diferente", continua.

Cerca de 200 anos atrás, o naturalista Charles Darwin expressou sentimentos similares, após visitar a Mata Atlântica pela primeira vez.

"Deleite, no entanto, é um termo sutil para expressar os sentimentos de um naturalista que, pela primeira vez, perambulou pela floresta brasileira", escreveu Darwin em seu diário em 1832.

Lahure diz apoiar a ideia de uma trilha transbrasileira, embora se preocupe que a floresta possa, um dia, atrair amantes da natureza em excesso.

"Vivemos numa cidade de seis milhões de habitantes", diz Lahure, em alusão à população do Rio. "Se todo mundo vier, a Floresta da Tijuca vai acabar", completou.

Reportagem: Allison JACKSON / AFP

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