Mas vamos começar mais perto, na aldeia de Sistelo, em Arcos de Valdevez. É ao contar uma história que ali viveu recentemente que Rui começa por mostrar a sua forma de viajar: livre, mas comprometida com cada detalhe dos lugares por onde passa, a começar pelas pessoas e pelas suas histórias. Enquanto a maioria dos turistas passava de forma superficial pela aldeia, que recebeu a alcunha (infeliz) de “Tibete português”, Rui aproveitou a viagem para sentar-se com três habitantes locais que o convidaram para dois dedos de conversa, partilhando também azeitonas, broa e vinho. Convite que ia sendo recusado por quem passava por ali só de visita.
“Gosto muito de descobrir os destinos através das pessoas que encontro ocasionalmente”, diz Rui ao SAPO Viagens, enquanto mostra algumas das páginas do livro “Bornfreee – O mundo é uma aventura”. Um projeto que estava na gaveta há alguns anos e que foi concluído durante a pandemia. “Tive, finalmente, tempo para parar, sentar e acabar de escrever as histórias que já há muito tempo tinha na cabeça”.
Histórias de 20 anos de viagens e 113 países visitados, alguns várias vezes. Números que fazem de Rui um viajante com “v” maiúsculo, embora o próprio jornalista e blogger tenha ganho uma certa alergia ao termo nos últimos tempos devido à massificação das viagens e ao estilo de viagem voltado para instantaneidade das redes sociais. Ainda assim, Rui escreve na introdução do livro, editado pela Idioteque, “que não existe um formato ideal de viajar, contudo há atitudes mais ou menos conscientes”.
“Tenho um gosto especial pelos destinos B”
Ao longo de mais de 300 páginas, sendo que as últimas são dedicadas à fotografia, o viajante conta as mais variadas histórias, que refletem experiências e vivências. São 53 crónicas numa verdadeira volta ao mundo, com foco em destinos pouco convencionais.
“Tenho um gosto especial pelos destinos B, ou seja, os menos desejados, menos turísticos, os mais desafiantes logisticamente. Gosto desta dificuldade pois acho também que são os mais genuínos. É aí que encontramos estas boas histórias. E que nos fazem crescer. Vou com uma atitude mais de aprender do que propriamente de ensinar”, afirma.
E nós também ficamos a aprender ao seguir nestes relatos. Conhecemos as mulheres de branco de Ghardaia (Argélia) e o zoroatrismo em Abianeh (Irão), surpreendemo-nos com a menina que não sabia nadar em Zanzibar (Tanzânia), levamos um choque de realidade em Kibera (Quénia), ficamos com o coração nas mãos ao imaginar o que poderia ter acontecido em Laos, após uma queda num caiaque, e celebramos a subida ao ponto mais alto de Portugal, a montanha do Pico, nos Açores.
Não foi tarefa fácil escolher entre tantas viagens, algumas já contadas no blogue Bornfreee, embora tenham sido mais desenvolvidas, especialmente, para o livro. A “diversidade” foi a máxima seguida na escolha das crónicas.
“Histórias caricatas, lugares inspiradores, confusões que se dão em viagem, travessias de fronteiras, o inesperado (como conhecer o Muammar Kadhafi), ir ao maior campo de refugiados do mundo, estar na maior favela de África, ir a países que se autointitulam países e não o são, como Nagorno-Karabakh”, indica.
“Histórias de quem viaja sem ir com tudo meticulosamente programado. Gosto de ter essa liberdade a cada momento, todas as opções são válidas, de comer, de dormir, de roteiro. Quando nos guiamos ao sabor do vento, sem ter qualquer tipo de amarras, estão sempre a acontecer-nos coisas”, acredita.
Encontrar a beleza no caos
Num bairro piscatório do Senegal, Rui encontrou um quadro fora do comum. Ali convivem pacificamente, entre os moradores, cordeiros, porcos e pelicanos, “que são como animais domésticos”. A cena ficou registada numa das fotografias apresentadas no livro. É essa fotografia que o viajante usa como exemplo para ilustrar a sua busca pela “beleza no caos ou a beleza do quotidiano”.
O facto de ser jornalista dá-lhe um olhar mais curioso e uma vontade de mergulhar a fundo nos lugares por onde passa. Além de procurar sempre o contexto histórico e político, “o facto de ser jornalista enriquece-me mais e a forma como viajo acho que me torna um melhor jornalista”, refere.
“Gostava que toda a gente na nossa classe tivesse essa possibilidade de viajar mais porque muitas vezes escrevemos sobre coisas que não entendemos tão bem, só porque temos a ideia do que vimos na televisão ou que fomos vendo ao longo dos anos pelos media. Muitas vezes o que vemos no terreno é bem diferente”, salienta.
Viajar é a melhor forma de desfazer ideias pré-concebidas. “Temos demasiados preconceitos físicos, religiosos, políticos, culturais e sociais. Temos demasiadas ideias pré-concebidas, mas o mundo não é assim”.
“Alguns dos sítios que as pessoas mais temem foram sítios em que me senti mais seguro. Muita gente ainda é preconceituosa em relação ao Irão, um dos países mais estimulantes, não há igual a receber. Sudão, sim, é desafiante, mas as pessoas são de uma amabilidade incrível. Colômbia, um dos países mais importantes na minha vida. Ruanda, muitos ainda ficam presos à questão do genocídio que foi há mais de 20 anos, as pessoas evoluíram, aprenderam e perdoaram”, enumera.
Ao partilhar as suas experiências, Rui pretende inspirar mais pessoas a mudarem um pouco o seu estilo de viagem. “De forma mais consciente e talvez com outro olhar. Viajar menos para as redes sociais e viajar mais para nós, para nos enriquecermos como seres humanos, como profissionais e entendermos melhor o mundo”.
É por isso que os dois últimos capítulos do livro são dedicados à possibilidade de se fazer um ano sabático ou um gap year. Porque cada vez mais são as experiências que contam. “Somos do tamanho do mundo que conhecemos. Das experiências que vamos acumulando. Nunca se esqueçam disso”, conclui.
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