Por: Manuel Carvalho
Pouco passava das 20 horas locais quando terminou uma das viagens de comboio mais memoráveis das nossas vidas.
Estava já noite cerrada e, por isso, os nossos organismos estranharam quando sentiram os 28°C e a humidade acima de 80% no ar de Mombaça. Poucos minutos depois, já fora da estação e sem nada o fazer prever, começa a cair uma chuva grossa e quente, que não durou mais de dez minutos. Era oficial: pela primeira vez na viagem estávamos a sentir o verdadeiro clima tropical.
Sem qualquer vontade de vestir as camisolas quentes que nos iriam proteger da chuva, e sem tempo para retirar do fundo da mala os finos kispos ainda por estrear, dedicámo-nos à procura de um táxi que nos levasse para o pequeno apartamento que tínhamos alugado.
Mombaça é a segunda maior cidade do Quénia e um dos maiores e historicamente mais importantes portos do Oceano Índico. Tem mais de um milhão de pessoas, numa área duas vezes maior que a cidade de Lisboa, por isso os 35 minutos de viagem sugeridos pelo GPS não foram uma grande surpresa.
Contando com desvios por obras e cerca de 20 minutos em que estivemos perdidos numa favela, de onde nem o condutor sabia sair, a viagem acabou por demorar bastante mais do que os 35 minutos planeados.
Felizmente, conseguimos aproveitar o tempo para ter uma boa primeira perspetiva do “novo” Quénia onde tínhamos entrado. O nosso condutor rapidamente nos informou que pela costa iríamos encontrar uma população e cultura maioritariamente muçulmanas, em contraste com o cristianismo de até então, tornando a área particularmente diferente do que já conhecíamos.
No dia seguinte, começámos a viver nós próprios esta realidade, acordando bem cedo para conhecer o centro da cidade.
Para os mais esquecidos, Mombaça foi uma das paragens de Vasco da Gama no caminho marítimo para a Índia, dando início, uns anos mais tarde, a uma ocupação portuguesa que durou cerca de 100 anos, aproveitando a posição estratégica do seu porto para o comércio de especiarias. Essa ocupação deixou algumas marcas por esta costa que sobreviveram até aos dias de hoje, como pequenas capelas e edifícios, um pilar, em Melinde, onde Vasco da Gama terá desembarcado e até palavras que ficaram na língua local (kiswahili), como “meza” (mesa) e “bandera” (bandeira). Outra marca, e talvez a maior, foi o Fort Jesus, aqui mesmo em Mombaça, um forte do século XVI, construído para proteger a cidade, e foi precisamente por lá que começámos o dia.
De seguida, abastecemo-nos de água, para combater a desidratação provocada pela combinação de clima tropical e backpacking, e seguimos para a old town. Composta por ruas estreitas e sem passeio, prédios baixos, antigos e de cores claras e edifícios (ou ruínas) históricos, é muito diferente do centro da capital, que tem ruas extensas e edifícios modernos. Um membro do governo queniano disse recentemente que queria tornar Mombaça a cidade mais fotografada de África e, de facto, potencial não falta nestas ruas.
Chegada a hora do almoço, trocámos as especialidades a que estávamos habituados em Nairobi por um chicken shawarma, prato semelhante ao kebab nosso conhecido, e comum em países muçulmanos.
Umas horas mais tarde, dissemos, por fim, adeus à metrópole para conhecer as tão afamadas praias do Oceano Índico. Dois tuktuks, um ferry, um matatu e uma hora e meia depois, tínhamos chegado à conceituada zona costeira de Diani beach, encontrada regularmente nos “tops” das melhores praias continentais e até mundiais.
Por isso, é natural que Diani seja mais conhecida pelos inúmeros resorts e hotéis de luxo em cima da praia. Evidentemente que o nosso destino não era esse.
Um pouco mais longe, mas a uma distância aceitável da costa, encontrava-se o nosso hostel, o mais barato da zona e o indicado para “backpackers” como nós.
Passados os habituais e demorados procedimentos de check-in, rapidamente percebemos que o baixo custo não afugentou clientes, nem a boa disposição, uma vez que, em alguns minutos, tínhamos já amizades feitas e convites para uma festa mais tarde.
Apesar da enorme simpatia dos hóspedes, do staff e até de um maasai (uma das principais tribos do Quénia), cuja função era guardar o hostel, víamos o sol cada vez mais baixo e, assim sendo, o nosso único foco era o Oceano Índico. Assim que pudemos, partimos em direção à praia, com um passo que misturava pressa e entusiasmo.
Cerca de 20 minutos depois, começámos a distinguir um tom de azul turquesa inconfundível, e o entusiasmo cresceu ainda mais. Esperavam-nos, uns metros à frente, centenas de palmeiras enormes, seguidas de um extenso areal, branco como a cal e quase só para nós, ao qual se seguia um mar transparente e cristalino.
Apesar de já estar a escurecer, o calor ainda se sentia e imediatamente corremos em direção ao mar para nos refrescarmos. A surpresa foi enorme quando chegámos à água e sentimos uma temperatura ainda maior do que a do ar (mais tarde vimos que rondava os 29°C).
Durante os minutos seguintes, divertimo-nos com pedras de corais calcificados que encontrávamos na areia e boiando, enquanto víamos o aparecer das primeiras estrelas e imaginávamos o mapa-mundo com a nossa localização, em pleno Oceano Índico. Quando acordámos deste sonho, estava de noite e mal nos conseguíamos ver. Era hora de voltar a casa.
Passámos outros três dias nestas praias de mar paradisíaco. Bebemos água de coco, fizemos snorkeling na companhia de peixes coloridos, estrelas do mar e moreias, vimos um maravilhoso nascer do sol no Índico, e bronzeámos (em demasia) em dezembro pela primeira vez na vida. Tudo isto combinado, claro, com refeições de comida local a menos de 2€ por pessoa e várias viagens de tuktuk ao dia, igualmente baratas. Foram, sem dúvida, dias que não iremos esquecer na costa queniana.
No entanto, aquela sensação de entrar no Oceano Índico pela primeira vez e sentir um autêntico jacuzzi de água salgada, a 7000 quilómetros de casa e em plena época natalícia foi única e estou seguro que não será fácil de superar durante a viagem, mesmo com seis meses pela frente.
Projeto Prá frente
O Projeto Prá Frente foi criado por dois jovens engenheiros, com a intenção de conhecer (e partilhar) uma perspetiva completa do Sudeste Africano, focando-se não só no seu património deslumbrante, mas também nas suas pessoas e naquilo que tem para oferecer para o futuro.
Para saber mais siga o Instagram: @projeto_prafrente
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