Quis o destino que os caminhos de Joana e André se cruzassem em Moçambique, país onde a educadora de infância e o enfermeiro se conheceram. Apesar de gostarem muito da "pérola do Índico", também adoram Portugal e o desejo de estar mais perto da família e dos amigos fez com que decidissem regressar.
Poderiam ter marcado um voo e terminaria aqui este artigo, mas o caminho de regresso ficou mais longo porque decidiram fazê-lo de carro, movidos pela vontade de contar histórias e mostrar o lado bom de África.
Compraram uma "chapa", nome dado às Toyota Hiaces popularmente usadas para transporte de passageiros em Moçambique, que transformaram em casa numa autocaravana, com várias peripécias pelo meio.
Agora, já na estrada, querem tirar boas "chapas" (fotografias) durante uma viagem que vai passar por vários países africanos. Está explicado o nome da aventura "De chapa em chapa", sobre a qual fomos saber mais.
Quanto tempo viveram em Moçambique e o que faziam no país?
A primeira experiência em Moçambique foi, para ambos, em missões de voluntariado ligados à organizações católicas em tempos, lugares e missões diferentes: a Joana em 2016 no sul do país, o André em 2017 no norte do país - não nos conhecíamos.
Em 2018, quando a Joana regressava a Moçambique desta vez para trabalhar e o André ainda se encontrava em voluntariado, cruzámo-nos pela primeira vez, longe imaginar que nos iríamos cruzar muitas mais, até nos encruzilharmos por completo.
Um ano volvido, também o André começou a trabalhar como coordenador de emergência numa empresa da área da saúde, enquanto a Joana continuava como gestora de projetos de cooperação para o desenvolvimento ligados à educação e direitos da criança numa organização não governamental.
O sentido de missão, de partilhar e de dádiva trouxe-nos até à pérola do Índico e aqui que nos conhecemos e vivemos cerca de seis anos.
Porque é que decidiram voltar para Portugal?
Os nossos trabalhos obrigavam a que vivêssemos em províncias diferentes: Nampula e Niassa; a cerca de 700 km de distância.
Por estrada, era um percurso que demorava, pelo menos, 10 horas a ser percorrido, graças às recentes melhorias no troço Nampula, Cuamba e Lichinga; o que é uma incrível melhoria face ao que encontrámos em 2017, pois com facilidade se demoravam 12 horas entre Cuamba e Lichinga, pois não havia alcatrão. Por muito exótica que a ideia de andar em estradas de terra possa parecer, não é tão agradável quando se depende dessa estrada para a vida quotidiana.
Se quiséssemos fazer a viagem de avião, eram 45 minutos, mas 45 minutos muito dispendiosos, porém, nalgumas vezes a única opção “saudável”.
Nas nossas viagens de trabalho tínhamos facilidade em encontrar-nos porque alguns contextos eram os mesmos, mas com o tempo decidimos que não nos fazia mais sentido essa gestão e que embora gostássemos (e gostamos) muito de Moçambique, da vida aqui e dos nossos empregos, queríamos estar perto da nossa família e amigos.
A verdade é que gostamos muito de Moçambique, mas nunca deixámos de gostar de Portugal.
Não sabemos o que vamos fazer na nossa chegada, mas por agora essa é uma realidade ainda distante. Um problema de cada vez e muitos teremos de resolver até chegar ao destino.
Como surgiu a ideia de fazerem esta road trip?
Precisamente por gostarmos muito de Moçambique, era muito dura a ideia da despedida “definitiva”, rápida e apressada. Há cerca de um ano e meio atrás, engendrávamos o plano de alugar um carro para visitar alguns locais nos países vizinhos, como as Victoria Falls no Zimbabwe, portanto a ideia de viajar existia.
Assim, depois de várias semanas a sonhar com o tema, cheguei ao aeroporto de Nampula (eu, Joana) para ir ter com o André e descansarmos um fim de semana e antes sequer de nos cumprimentarmos, ele, no seu momento ‘Eureka’, pergunta entusiasticamente: “e se fôssemos para Portugal de carro?”.
No estacionamento do aeroporto estava um “chapa” - nome dado às Toyota Hiaces em Moçambique que fazem transporte público de passageiros - à venda e foi assim que nasceu a ideia.
Toda esta informação ecoou brevemente em mim e prontamente surgir a resposta: “Bora!”.
E qual é o objetivo da viagem?
No fundo, é regressar, tranquilamente, com todo o caminho, contratempos e crescimento que isso acarreta.
O processo de seleção e compra do carro estava já em andamento, quando surgiu a ideia de partilhar a viagem com os outros, e assim nasceu o “De Chapa Em Chapa”: chapa - vulgo de fotografia e chapa - vulgo nome dado ao transporte público que normalmente é uma Toyota Hiace (como a nossa).
Ambos, gostamos da beleza da fotografia, sendo André particularmente entusiasta, bem como e de contar histórias. Temos dezenas de estórias em nós que talvez nem os nossos amigos mais próximos conhecem e, para agravar, não somos muito de redes sociais. Porém, sentimos que nos devíamos desafiar por termos muito para contar, a partir da nossa limitada perspetiva, claro!
Por outro lado, depois de várias experiências espalhadas pelo continente africano, temos também o desejo de mostrar um pouco mais de uma perspetiva menos conhecida sobre África.
Depois de vários dias que se tornaram em semanas, em meses e em anos, carinhosamente acolhidos e partilhados em boa parte com comunidades rurais, damos conta que muitas vezes o mundo só retrata e retém o “lado negativo”, pois facilmente aparecem notícias diárias sobre secas, guerras, inundações, fome e corrupção. Porém, a nós fica-nos a pergunta: “mas e toda a vida?” E o outro lado?
Onde estão as pessoas que fazem as suas vidas normais? Os professores, os médicos, os enfermeiros, os camponeses… Aqueles que se levantam de manhã para ir trabalhar e anseiam pelo regresso a casa para junto dos seus. Aqueles que, por vezes no pouco que têm, não têm medo de partilhar. Por que se fala tão pouco destes?
Sabemos que o lado menos bom é uma realidade, mas está longe de ser toda e a única realidade. Por tudo isto, sentimos que estando deste lado, depois do tanto que experimentámos, estamos em posição privilegiada para partilhar algumas destas realidades.
Assim, a viagem ganhou também este objetivo: o de partilhar a nossa experiência e as reflexões em que acreditamos – mostrar o lado bom.
Como foi o processo de compra e conversão da Caracunda?
Assustadoramente simples. Clicámos em “adicionar ao carrinho”, pagámos com PayPal (sim, sim… com PayPal) e ficámos à espera!
Sabíamos que queríamos uma Toyota Hiace para ter espaço para montar uma campervan, já que a nossa carteira não aguentaria viajar de hotel em hotel, mas também por ser o carro de transporte de passageiros mais usado ao longo do continente africano. Sabíamos ainda que queríamos que tivesse: um motor pouco eletrónico e que fosse 4x4. Desta forma, sabíamos que as manutenções e reparações seriam processos mais fáceis e simples, já que sendo o carro mais usado qualquer mecânico “de rua” conhece o seu funcionamento e é muito fácil encontrar peças; e sendo de tração integral, permite-nos viajar um pouco mais tranquilos, pois mas muitas estradas têm bom alcatrão, outras porém são de terra e muito escorregadias, portanto tínhamos de estar prevenidos.
Já nos cruzámos com várias pessoas que fazem este tipo de viagens com grandes 4x4, super dispendiosos e super equipados, mas a verdade é que vemos diariamente veículos simples, como a Caracunda, a fazer essas mesmas estradas. Assim, tomámos a decisão de, tal como gostamos, manter tudo simples e fazer a nossa campervan.
Em Maputo, quando procurávamos um potencial carro para comprar, descobrimos que alguns modelos de Toyota Hiace têm o teto mais alto o que nos daria mais espaço e conforto para montar uma “casa”. Durante a busca, os donos dos stands de automóveis, maioritariamente paquistaneses, referiam-se a esse modelo como corcunda, porém no seu português macarrónico e burlesco, quando perguntávamos se tinham algum desses carros em stock, respondiam sorridentes: “Ah, siiiiim, Caracuuundaaa”. Assim foi batizada a Caracunda.
Passámos em Maputo duas vezes e na sua maioria os carros estavam demasiado em mau estado ou eram muito caros – a maioria destes carros são importados do Japão e revendidos em Moçambique.
A conclusão foi fácil, seria muito mais económico se importássemos autonomamente. Fomos procurando até que apareceu uma carrinha (no catálogo online) que nos parecia estar em bastante bom estado. Parecia a oportunidade perfeita. Decidimos avançar e basicamente fizemos uma encomenda online, como se de um telefone ou de um livro se tratasse.
Mil e uma peripécias depois, a Caracunda chegou ao porto de Maputo, a 2500 km de distância de onde vivíamos, mas conseguimos forma de que viesse até Lichinga e começámos a conversão no imediato. Sozinhos, a seguir vídeos no YouTube e a comprar materiais conforme apareciam, pois os mercados são muito instáveis e a cidade de Lichinga, onde construímos a camper é um meio muito, muito pequeno e isolado (tudo vem de fora e por vezes, só não existe).
Queríamos que a Caracunda fosse feita essencialmente com materiais moçambicanos, porém há algumas coisas que pura e simplesmente não se encontram. Estava na hora de bater a novas portas e, assim, pedimos a amigos que vinham de Portugal que trouxessem algumas coisas nas suas malas de porão, a outros em Maputo que recebessem encomendas da África do Sul.
Enfim, uma loucura partilhada que precisou de muitos loucos, mas que está feita!
O desafio maior foi fazer tudo com os poucos materiais e ferramentas que tínhamos acesso, num tempo contado porque nos despedimos dos nossos empregos e tínhamos uma data para “saída oficial” de Moçambique e sem grande experiência prévia de carpintaria.
Qual vai ser o vosso roteiro/plano de viagem?
Fazer um plano para uma viagem deste tamanho, e com tantas particularidades, não é fácil, nem simples.
Nalguns países as condições de segurança podem ser muito inconstantes e, por isso, não decidimos nada com demasiada antecedência, nem colocamos de parte colocar o carro num contentor marítimo nalguma parte do percurso, como última hipótese é certo, mas válida. A segurança é o único inegociável que temos.
Mas em traços gerais, podemos dizer que será um ziguezagueado entre subidas, descidas e planícies que esperamos que termine em Portugal, sendo, a rota primordial para chegar a solo lusitano a Costa Atlântica, partindo da Cidade do Cabo até Tânger em Marrocos, atravessando posteriormente para Espanha.
Por agora estamos a rumar a Norte pela costa do Índico. Queríamos chegar até Addis Abeba na Etiópia, mas as recentes mudanças nas questões de importações temporárias de veículos tornaram praticamente incomportável a entrada de carros estrangeiros. Com este revés, decidimos ir até ao Quénia, depois voltaremos à Africa do Sul mais pelo zona “interior” – Uganda, Ruanda, Tanzânia, Zâmbia, Zimbabwe e daí sim, costa Atlântica.
Um plano ambicioso, mas revisto e redefinindo semana a semana, dia à dia se necessário, para respeitar a nossa segurança, mas também a nossa saúde, porque conduzir durante 10 ou 12h por dia, durante 600 ou 700km, ou só 100km dependendo da estrada, seguramente não é saudável. Procuramos respeitar isso.
Se fosse para ter tudo ultra definido num cronograma e plano muito sérios, tínhamos continuado nos nossos empregos! Vamos avançando, investigando, sentindo, vivendo e planeando...
Podem acompanhar o André, a Joana e a Caracunda através do Instagram de dechapaemchapa, do canal de YouTube e do blogue.
Comentários