Normalmente, o trajeto é feito de Kalaw em direção ao lago, mas eu fiz esta jornada no sentido oposto, que acaba por ser mais exigente, pois é feita em direção à montanha.
A caminhada dura dois dias e uma noite, que é passada numa aldeia que não tem eletricidade e tem aposentos muito modestos: um colchão no chão para cada caminhante com um cobertor bem aconchegante. A casa de banho é lá fora e não tem luz. Não há chuveiro. No entanto existe uma luz no pátio da casa para nos iluminar até à casa de banho que se trata de 4 tábuas ao alto com um buraco no meio. Mas, este estilo não é único desta aldeia, por todo o Myanmar as condições de saneamento são muito parecidas a estas.
Foi nesta aldeia que vi o céu mais estrelando de sempre. Penso que o facto de não haver poluição nem luzes contribuiu muito para isso. Era um céu coberto de estrelas como nunca vi na Europa ou em outra cidade aqui na Ásia onde já estive. Magnífico!
No primeiro dia temos de caminhar 6 horas e no segundo 5. Não estou habituada a caminhar tanto e, por isso mesmo, não consegui terminar o trajeto. Não por me sentir cansada, mas já tinha tantas bolhas nos pés que cada passo que dava era um tormento. Pousar o pé no chão era uma tortura, portanto comecei a usar as pontas dos pés. Ora, isso trouxe novas dores: no tornozelo, de o estar a esforçar de mais. A cerca de 3 horas do fim da caminhada não consegui aguentar mais. Já nem estava a apreciar a vista em meu redor pois a única coisa em que me conseguia concentrar era nas dores.
No entanto todo o resto do caminho foi deslumbrante, com vista para uma paisagem única digna de quadros que classificamos como arte. A paisagem no Myanmar é muito característica. As montanhas encontram-se coloridas por vários tons, desde vermelho a amarelo a vários verdes e castanhos. O meu guia disse que Dezembro era realmente a melhor altura para desfrutar desta paisagem, pois em cerca de um mês tudo estará seco.
Por entre as montanhas vamos encontrando aldeias bem isoladas, quase que recantos do céu onde o sossego e a paz imperam. Esta zona também é rica em florestas de bambu, e pude observar como eles usam esta matéria prima para fazer cestos, ou outros utensílios que são o seu meio de sustento.
Os aldeões não falam inglês, portanto sorrir e acenar é a forma de comunicar que temos. E tantos sorrisos que são partilhados por entre estes trilhos com estas pessoas tão genuínas. Lembro-me de momentos de gargalhadas com as crianças durante uma sessão de fotos e vídeos feitos para nos entretermos mutuamente.
Por entre estas paisagens cultivam-se muitas coisas diferentes, desde gengibre, sésamo, arroz, chili, feijão, entre tantas outras coisas que nunca pensei ver serem cultivadas numa montanha. É impressionante o esforço que têm de fazer para lá chegar já que não há ruas ou bons acessos.
Veem-se pessoas a trabalhar debaixo do sol intenso, a colher arroz por exemplo, num processo manual para não se partirem os grãos. As mulheres são encarregues de cortar a planta e os homens “sacodem” à mão para angariar os grãos. As vacas estão sempre presentes pois são o meio de transporte utilizado nas colheitas. É realmente uma viagem no tempo! Muitas destas aldeias, para além de vacas, também têm búfalos. Passamos inclusivamente por uma aldeia conhecida pela “aldeia Búfalo” pois cada família tem pelo menos um.
Cada aldeia é distinta entre si, têm dialetos diferentes, e até formas de vestir diferentes. Existe até umas senhoras que usam toalhas coloridas na cabeça. Diz-se que acreditam em dragões e as toalhas colocadas de forma característica na cabeça são em sua homenagem. Por cada aldeia que passamos cumprimentamos os locais que retribuem com largos sorrisos. Penso que ainda não estão muito habituados a ver turistas, ainda que estes caminhos até sejam badalados.
Quanto à bicicleta Ympek, foi com o resto das malas diretamente para o destino final. Connosco levamos as coisas essenciais para uma noite, mas mesmo só as essenciais pois cada item desnecessário é um peso que se terá de carregar às costas longas horas. Se fosse hoje tinha levado ainda menos coisas na mochila!
Apesar de não ter conseguido acabar o trajeto completo, esta experiência valeu bem a pena e voltava a repetir. É algo único que vai ficar gravado na minha mente por muito tempo.
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