Texto de Inês Rodrigues, fotografia acima de Juan Carlos Peaguda.

É difícil descrever a experiência de visitar a biblioteca de Trinity College. Primeiro, paga-se 18 euros por uma experiência de 30 minutos. Depois, um grupo enorme é enfiado numa sala com alguns painéis informativos e uma aplicação com um áudio-guia. A sala seguinte é dedicada ao Book of Kells, onde um segurança vai avisando que não se pode tirar fotografias, enquanto tentamos espreitar uma página aberta do valioso livro por entre um mar de turistas.

O Book of Kells é um manuscrito do século IX que contém os quatro evangelhos do novo testamento. As páginas foram criadas por monges com pele de 150 bezerros, que foi preparada para a escrita. Sim, pele de bezerro.

Exposição sobre o Book of Kells
O Book of Kells, um manuscripto ilustrado do século IX, é uma das obras mais preciosas que podem ser apreciadas na biblioteca. créditos: Inês Rodrigues

A última sala é a Old Library, onde tudo é redimido e que vale cada cêntimo da visita.

Esta parte da biblioteca, construída em 1732, contém cerca de 200 mil livros que ainda são consultados diariamente. É enorme e simplesmente magnífica. Não admira que já tenha sido usada por escritores como Oscar Wilde, Samuel Beckett e Bram Stoker e que seja considerada uma das bibliotecas mais impressionantes do mundo.

Bustos na biblioteca Trinity College
Entre os 40 bustos que decoram as salas de leitura, não há uma única mulher representada. Mas é por pouco tempo. créditos: Inês Rodrigues

Há bustos de escritores e filósofos expostos ao longo da sala de personalidades como Shakespeare e Isaac Newton. Num total de 40, há zero bustos de mulheres. Os quatro primeiros deverão estar concluídos em breve e as mulheres escolhidas são: Rosalind Franklin (cientista), Augusta Gregory (dramaturga), Ada Lovelace (matemática) e Mary Wollstonecraft (escritora e activista pelos direitos das mulheres).

Na verdade, a história da Universidade explica bem esta ausência.

Apesar de uma campanha fervorosa que durou algumas décadas, o reitor da universidade opunha-se à entrada de mulheres em Trinity. Consta que terá dito que só entraria uma mulher naquela universidade por cima do seu cadáver. Em 1904, o reitor morreu e o Trinity recebeu as primeiras alunas.

Hoje em dia, a reitora do Trinity é uma mulher.

Biblioteca do Trinity College
Uma fotografia das primeiras alunas do Trinity. créditos: Inês Rodrigues

Curiosamente, um dos objectos em exposição na biblioteca é a proclamação da Irlanda de 1916, que começa com “Irishmen and irishwomen”, algo muito progressivo para a época.

Biblioteca Trinity College
Proclamação da Irlanda, de 1916. créditos: Inês Rodrigues

Além da visita ao livro de Kells e à biblioteca, é possível visitar os jardins do campus da universidade de forma gratuita. Quem já viu a série «Normal People» da HBO talvez reconheça o campus, uma vez que aqui foram gravadas cenas de exteriores.

Está previsto a Old Library do Trinity College encerrar ao público em outubro de 2023 para obras de conservação, que poderão demorar três anos.

A Inês Rodrigues é a autora do blog Mar de Maio, onde este artigo foi publicado originalmente.