A primeira vez que ouvi falar do povo Karen foi há muitos anos num programa da National Geographic. Lembro-me que fiquei fascinada com a imagem daquelas mulheres com pescoços compridos adornados por anéis dourados. Sempre tive curiosidade de conhecer essa cultura de perto por isso, durante a minha última visita ao norte da Tailândia, decidi aproveitar e visitar uma das inúmeras aldeias que as autoridades tailandesas criaram para albergar este povo.
Quando decidi visitar a aldeia, li um pouco sobre o assunto e algumas questões éticas colocaram-se. Muitos diziam que as aldeias não passavam de um “zoo” humano onde refugiados eram expostos como “bichos” para entretenimento dos turistas. Outros, porém, diziam que valia a pena a experiência para conhecer estas tribos de perto e ajudar na sua sobrevivência, uma vez que a sua única fonte de rendimento é a venda de peças de artesanato a turistas.
Gosto de tirar as minhas próprias conclusões, por isso decidi que devia ir e ver com os meus próprios olhos o que eram estas aldeias. Eis o que descobri.
Os Karen são um povo originário de Myanmar (anteriormente Birmânia) composto por várias tribos, a mais conhecida das quais é a “Padaung”, também conhecida por tribo “dos pescoços longos” por suas mulheres usarem anéis de bronze ao redor dos pescoços. Os seus pescoços na verdade não alongam, o que os anéis fazem, à medida que são adicionados, é baixar os ombros e a caixa torácica dando a aparência de um pescoço comprido.
No final dos anos 80 e início dos anos 90, alguns Padaung começaram a mudar-se para o norte da Tailândia atravessando a fronteira para fugir da turbulência política em Myanmar, dos trabalhos forçados, da fome e da violência que assolavam o país.
Inicialmente, eles ficaram em campos de refugiados mas, gradualmente, foram transformando-se numa atracção turística pelos seus trajes típicos e pela tradição das mulheres usarem, a partir dos 5 anos de idade, anéis à volta do pescoço para lhes dar a aparência alongada e, segundo me disseram, proteger dos ataques dos tigres. As autoridades tailandesas construíram então aldeias artificiais para promover o turismo na parte norte da Tailândia e transferiram para lá os Padaung e outros grupos étnicos, como os Yao, os Lahu e os Hmong.
Como imigrantes ilegais, estas pessoas têm muita dificuldade de adquirir a cidadania tailandesa, e as autoridades locais também não parecem nada interessadas em facilitar este processo.
Disto resulta que muitos deles se sintam presos numa espécie de “limbo”. Por um lado, não podem voltar para o seu país, Myanmar, porque são perseguidos, passam fome e são obrigados a trabalhos forçados nos campos. Por outro lado, não são livres de circular na Tailândia, não têm quaisquer direitos, não podem trabalhar fora das pequenas áreas que lhes foram designadas e muitas destas “aldeias” não têm nem electricidade, estradas, cuidados de saúde ou escolas, para além do ensino básico.
É como se fossem obrigados a permanecer parados no tempo… O preço de manter vivas as suas tradições parece demasiado alto e injusto, principalmente para as jovens da tribo Padaung.
Quando pousamos as máquinas fotográficas e realmente paramos para falar com as pessoas, reparamos que há duas atitudes distintas.
Os mais velhos parecem mais conformados com a sua sorte. As senhoras idosas pareciam ter orgulho genuíno nas suas tradições e sentiam prazer em explicá-las (no seu fraco inglês) e mostrá-las a quem, como nós, estava interessado em conhecer e aprender. Não pareciam nada incomodados com os turistas e agradeciam a sua presença. Sabem que dependem deles para sobreviver porque o seu único rendimento é o dinheiro que resulta da venda das peças de artesanato que fabricam. Apesar disso nunca senti pressão para comprar nada.
Os mais jovens, pelo contrário, mostram revolta pela sua situação. Já nasceram ali, não percebem porque é que não têm direitos como todos os outros na Tailândia. Porque não podem sair da “aldeia”, porque não podem trabalhar cá fora, estudar para além do ensino básico. Porque é que as entradas que os turistas pagam para visitar a aldeia (que não são tão baixas como isso) não são para eles mas para o tailandês dono da terra? Sentem-se “pequenos” face aos outros, como me disse uma rapariga que não devia ter mais de 21 anos.
Muitas não gostam de usar os anéis (e não usam) e não gostam de fotografias. A “obrigação” de os usar está a matar o gosto e o respeito pela tradição. Aquilo que, outrora, foi símbolo de orgulho e beleza, hoje é para estas jovens símbolo de uma quase escravatura.
Então, porquê visitar estas aldeias?
Acredito que a experiência de visitar uma destas aldeias é aquilo que quisermos fazer dela. Quando chegamos, a atmosfera parecia mesmo um pouco encenada e a “aldeia” parecia apenas um mercado de artesanato com as suas banquinhas cheias de souvenirs. Mas assim que guardamos a máquina e começamos a interagir directamente com as pessoas tudo mudou, as mulheres relaxaram e mostraram tanto interesse em nós como nós nelas. Sorriram, riram e algumas até pediram para eu as fotografar. Fiquei muito grata porque realmente elas são todas muito fotogénicas.
A maioria dos turistas apenas tira fotos (nem pede autorização), compra alguma coisa (se comprar) e parte. São estes que criam um ambiente de jardim zoológico humano.
Se querem visitar uma aldeia destas, mostrem respeito pelas pessoas, peçam autorização para fotografar, falem com elas, mostrem interesse sobre a forma como os produtos que vendem são feitos, peçam aos mais velhos para falar da sua pátria Myanmar e aos jovens das suas expectativas na Tailândia e vão ver a sua atitude mudar.
Depois dêem a conhecer ao mundo como estas pessoas vivem e se quiserem mesmo ajudar e acham que comprar artesanato vai incentivar a continuação da exploração turística deste povo contribuam para uma ONG como a Karen Women Organization.
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Artigo originalmente publicado no blogue The Travellight World
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