Uma (mesma) casa, o mesmo quarto, as mesmas camas, mais do que uns dias, umas semanas, um mês. Lavámos e estendemos a roupa. Cozinhámos. Lavámos a loiça. Experimentámos uma nova receita, num tacho velho. Repetimos uma receita antiga, com os ingredientes mais próximos dos que nos lembram a nossa casa, os nossos sabores.
Dias de ir ao mercado, não ao super ou hiper mercados, ir ao mercado local, onde as bancadas são montadas pelos locais em terra batida, onde se compra comida cozinhada pelas mesmas mãos que as vendem: é caril verde, caril vermelho, caril amarelo, caril de carne, caril de legumes, tudo vendido em sacos plásticos. Trazem-se também os legumes e frutas frescas, acabados de apanhar nas suas pequenas hortas.
Dias de estar em casa, dias nos quais não visitámos nada: não visitámos nenhum templo, não entrámos em nenhum museu, não pagámos bilhete para nenhum parque; não andámos de avião, nem de comboio, nem de autocarro. Descascámos cenoura – que comprámos no mercado, e brincámos às cozinheiras, com os tachos de plástico. Ela enfia as mãos no balde de areia e apanha paus e pedras, que junta à brincadeira.
Enchemos a piscina de plástico e depois deixámos que o sol nos secasse, ali, com as montanhas a ver tudo.
Às vezes éramos visitados por: cães, gatos e vacas, algumas confundiam árvores pequeninas com erva. Tentávamos afastá-las.
– Báááááhhhh, Báááááhhh – imitávamos nós e os locais – e resultava.
Líamos histórias antes das sestas e enquanto ela dormia fazíamos do alpendre secretária, as ideias surgiam a cada trago de café – preto – que descia pela garganta, a cada pedaço de chocolate – preto – que deixávamos (de)morar na língua (há muitos meses que não comíamos chocolate).
Foi também daqui que muitas vezes entrámos pela casa dos nossos mais queridos: daqui a Mia deu os parabéns ao avô, pelos seus 60 anos; daqui mostrou (aos avós e tios) as suas primeiras tranças, o seu primeiro triciclo, a primeira árvore que plantámos. Contou dos amigos que tinha feito, do fogo laranja que, à noite, saía do chão. E… até contou do que não era para contar, como quando andámos todos de mota: a mamã, a Mia e o papá.
– De mota? A menina disse que andaram de mota – comentam os avós com a preocupação a ganhar-lhes as palavras.
– Sim, aqui na Ásia é comum, andam famílias inteiras de motas, famílias de dois e três filhos, numa só mota. Nós quisemos passar pela experiência, estamos todos bem.
Enquanto aqui morámos, com esta terra toda a encher-nos os olhos lembrei-me da árvore que sempre quis plantar – primeiro sozinha, depois a dois, agora em família – a terra aberta diante dos olhos provocava (ainda mais a vontade), fomos ao mercado das flores e trouxemos uma árvore – que plantámos a seis mãos . E sabemos, continua a crescer: forte.
Provámos uma salada típica do norte da Tailândia e participámos na preparação de um doce regional, com bolas que se coloriam com as flores e a abóbora e que depois eram mergulhadas em leite de coco. As flores também nos coloriam as bebidas e umas gotas de limão, caídas no copo, transformavam o lilás em rosa.
– Magia – diz a Mia. E mesmo que a ciência explique em palavras certas: como acidez e PH, eu também prefiro a palavra magia.
À noite queimava-se o lixo do dia e assistíamos à fogueira, com as montanhas atrás, foi aqui que recebemos a benção do ancião Parsit.
Obrigada Mae On. O que mais gostamos deste mês foi saber que, se estivéssemos em casa, na nossa casa a norte de Portugal teríamos feito exactamente o mesmo, teríamos andado entre roupas sujas, lavadas, estendidas. Entre tachos cheios e vazios, lavados e por lavar. Entre livros e histórias antes de dormir. Mas não estaríamos entre montanhas, não descobriríamos pessoas e sabores novos, todos os dias, não teríamos fogueiras todas as noites e não teríamos plantado a nossa primeira árvore. Obrigada Mae On, pela casa que foste.
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Quando ficamos no Sabai Sabai Retreat estava ainda em construção, o que nos permitiu uma estadia mais económica. Durante este mês ajudamos em algumas tarefas que tornariam o lugar mais bonito, deslocamos pedras, plantámos árvores. Fomos uma espécie de primeiros hóspedes.
Este artigo foi originalmente publicado em Menina Mundo.
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