O encerramento da Fnac e da Livraria Latina, uma das mais antigas do Porto, provocou receio de que outras se seguissem, deixando “órfão” quem mantém o culto da livraria de rua, mas ainda há quem persista.
Nenhum dos responsáveis com quem a Lusa falou admitiu a hipótese de encerramento, apesar de reconhecerem dificuldades, provocadas, sobretudo, pelo aumento de rendas.
“Enquanto houver leitores, as livrarias não fecham. O que, para nós, não faz sentido é ouvir os receios e os lamentos de quem não tem o hábito de frequentar e comprar em livrarias”, considerou Arnaldo Vila Pouca, que com Cátia Monteiro, criou a livraria Flâneur, agora localizada perto da Casa da Música.
Arnaldo Vila Pouca defendeu que é preciso “informar o consumidor”, explicar-lhe como funcionam as livrarias, que custos têm, com que margens trabalham e quanto ganham os autores, que “é quase nada”.
“O consumidor poderia procurar saber, mas a verdade é que não há essa disponibilidade”, é “mais fácil viver e sobreviver na desorganização e na desinformação. Se as pessoas estiverem informadas consomem com outro tipo de consciência”, afirmou.
O responsável da Flâneur disse que “muitas vezes” as pessoas perguntam “porque é que na Feira do Livro de Lisboa têm muitos descontos e aqui [Porto] não”.
“Eu explico-lhes que é fácil: porque quem faz os descontos, quem faz as feiras do livro em Lisboa são as editoras. No Porto, quem faz a Feira do Livro, não só, mas também, são as livrarias e os seus proprietários, que têm ordenado, têm casa, têm filhos e contas para pagar”, referiu.
E acrescentou: “O consumidor é muito responsável, é a mesma coisa, por exemplo, com a política, queixam-se, mas não vão votar”.
“Aqui preservamos o silêncio e a calma de quem cá está. Não precisamos de barulho, nem de muita gente a passar à porta, nem de barulhos de malas. Temos os livros de que gostamos. Temos os livros que queremos ter. Os clientes confiam na nossa escolha, partilham connosco os seus gostos. É claro que é um negócio, mas é uma partilha, também”, sublinhou.
No dia em que não for possível sobreviver pelo negócio, fecha-se a porta e vai-se fazer outra coisa: “Nós também editamos, somos editores desde o início”.
Num outro ponto de encontro, de troca de informação entre pessoas e livros e de divulgação da poesia e do teatro, Francisco Reis, um dos donos da Poetria, admitiu que o encerramento de um espaço emblemático, como a Livraria Latina, é “preocupante, por ser menos uma oportunidade de descoberta”.
No entanto, afirmou: “nós estamos empenhados em manter as portas abertas e continuar a servir a comunidade, apesar dos desafios deste mercado”.
“O desaparecimento de lojas históricas e culturais dos centros das cidades é um fenómeno preocupante, que empobrece o tecido social e económico da nossa comunidade, é importante que se encontrem formas de preservar estes espaços, que são parte integrante da nossa identidade cultural”, defendeu.
À semelhança da análise feita à Lusa pelo dono da Flâneur, Francisco Reis considera também que “as dificuldades financeiras, por causa das rendas”, ajudam a explicar o encerramento de lojas, mas no caso das livrarias, “tem a ver também com o interesse dos leitores, há flutuação na procura”.
“Nós não conseguíamos manter as portas abertas se não fosse a Feira do Livro do Porto. Era impossível mantermos portas abertas com o nível de faturação diária. Contratar funcionários é algo que nem nos passa pela cabeça”, disse Francisco Reis, que tal como Arnaldo Vila Pouca, da Flâneur, e respetivos sócios, são quem assume, na integra, a gestão das respetivas livrarias.
Torna-se “muito difícil gerir quando é só uma pessoa e as livrarias que conhecemos aqui à volta são quase todas geridas por uma pessoa. Nós criamos uma editora de forma também a dinamizar um pouco o panorama editorial nacional. Publicámos 22 poetas, nos últimos três anos, 22 livros de 22 poetas, todos eles jovens”, sustentou.
Na Poetria, classificada Livraria de Interesse Municipal, sentiu-se “um rejuvenescimento do público”.
Francisco Reis acrescentou que este é um negócio “muito cíclico” em que se está “sempre à espera do que vem a seguir”.
“Agora estamos à espera do Natal”, frisou.
Questionada pela Lusa, a administração da Porto Editora reconheceu que as livrarias de rua têm sofrido “uma enorme pressão, devido aos custos inerentes à sua atividade”, no entanto, “na generalidade, as vendas têm mantido ou registado um ligeiro crescimento”.
Numa resposta escrita considera que, “no que diz respeito à despesa, os dois principais fatores (rendas e custos com recursos humanos) têm sido alvo de aumentos significativos nos últimos anos, situação que não é acompanhada pelo aumento do preço dos livros, que não tem sequer sido atualizado ao nível da inflação registada, exercendo, assim, uma enorme pressão sobre esta atividade”.
No caso concreto da livraria da Praça Filipa de Lencastre, a Porto Editora não prevê a hipótese de encerramento num futuro próximo, já que tudo continuará a fazer para que esta solução se mantenha viável, reconhecendo a importância desta atividade cultural para a cidade.
“O mercado livreiro tem assinalado um ligeiro crescimento nos últimos três anos (quer no retalho físico, quer no ‘online’), impulsionado pela melhoria sucessiva dos hábitos de leitura, que esperamos que continue a verificar-se (e até a um ritmo mais elevado) já que estes números ainda são bastante deficitários em Portugal”, acrescenta.
Por seu lado, fonte da Almedina disse à Lusa que a empresa “não tem qualquer intenção” de encerrar a livraria que detém desde 1980, na Rua de Ceuta, e que lá continuará “de pedra e cal” enquanto for possível.
Elísio Borges Maia, administrador do grupo Bertrand Círculo, disse à Lusa que “na última década”, o grupo tem levado a cabo “um alargamento sustentado da rede de livrarias”, apesar dos “preços especulativos praticados no arrendamento comercial”.
“O alargamento mais recente tem privilegiado os centros históricos de várias cidades portuguesas, designadamente Almada, Aveiro, Barcelos, Castelo Branco, Espinho, Guimarães, Leiria, Lisboa, Porto e Vila Franca de Xira. Presentemente, continuamos atentos a oportunidades que se enquadrem dentro da nossa estratégia, embora esteja longe de ser uma tarefa fácil, considerando os preços especulativos praticados no arrendamento comercial, especialmente em Lisboa e no Porto, mas também em outras cidades do litoral do país”, afirmou o responsável, numa resposta escrita.
Sobre o encerramento na baixa da cidade do Porto, da Livraria Latina e da Fnac, Elísio Borges Maia considerou que o número de pontos de venda físicos com uma oferta abrangente e diferenciada de livros em Portugal é “escasso” e que “a diminuição desses pontos de venda, especialmente tratando-se de livrarias, agrava o problema, representando uma perda para a diversidade cultural e para o acesso ao conhecimento, num país que já tem historicamente baixos índices de leitura”.
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