Por Elisabete Gonçalves
O pastor de Vila Nova de Tazem mantém a tradição da transumância, com a deslocação sazonal dos rebanhos para a serra, recriando os hábitos que aprendeu na família. É um ciclo que repete há 40 anos.
“Vinha com o meu pai e outras pessoas. Antigamente, era mais fácil. Vinha mais gente. Cheguei a trazer mais de mil ovelhas”, contou à agência Lusa Joaquim Marvão enquanto guardava as ovelhas na zona do Vale do Rossim, na serra da Estrela, a mais de 1.400 metros de altitude.
“Lá em baixo estava tudo ocupado. A serra era apetitosa. A terra estava toda limpinha”, recorda. Hoje, o cenário é bem diferente, aponta o pastor, olhando em redor.
“Há pastos porque os faço eu. Se não limpasse, estava tudo cheio de mato”, atira Joaquim Marvão, não escondendo a mágoa de ver “a serra abandonada”.
“Se todos fizessem o que eu faço, não havia incêndios”
Nos primeiros meses do ano, o pastor sobe a serra para preparar os terrenos e fazer sementeiras de cereais nas terras dos Baldios para que no verão possa haver alimento para o gado.
O pastor gostava de ver a serra tratada e não entregue às giestas. “Se todos fizessem o que eu faço, não havia incêndios”, atesta.
Este ano, subiu a serra no início de julho com quatro rebanhos de ovelhas bordaleiras e algumas cabras, indo ao encontro dos pastos mais nutritivos, benéficos para os animais e para a produção de leite.
Trouxe os seus animais e mais três rebanhos de familiares. O gado está identificado com as iniciais dos seus proprietários para se poderem distinguir.
É na Estrela que passa os dias e as noites na companhia das ovelhas e dos seus cães, o Mondego, o Fiel, o Farrusco, o Negro e o Piloto.
Para dormir, abriga-se numa caravana e tem consigo uma velha motorizada para curtas deslocações.
Na hora de almoço, enquanto as ovelhas estão acoitadas à sombra das giestas, Joaquim Marvão vai até ao Mondeguinho, ponto de paragem turística que assinala a nascente do rio Mondego, para comer qualquer coisa no quiosque à beira da estrada.
Ao jantar, diz que passa com qualquer coisa. “Vou até ao Sabugueiro se for preciso. Cá me desenrasco”, descreve.
"As ovelhas têm de saber quem manda"
Joaquim Marvão usa casaco e colete tradicionais feitos com a lã das ovelhas e anda sempre de cajado na mão. “As ovelhas têm de saber quem manda. Tenho uma coleção de cajados, uns que faço e outros que me oferecem”.
Durante a noite, os animais ficam nas proximidades dos aposentos de Joaquim Marvão sem qualquer vedação.
Quando o dia desponta, as ovelhas dão sinal que é hora de ir para o pasto. “Hoje, eram seis menos dez quando se puseram a andar. Eu já estava acordado, mas tive de me pôr de pé”, relata o pastor.
Passam algumas horas no pasto e quando o sol aperta recolhem à sombra, para voltar ao campo no final da tarde. As tarefas terminam por volta das 21:30.
Joaquim Marvão não reclama da rotina, só se queixa dos javalis que têm feito estragos nas sementeiras e lamenta que as autoridades não façam controlo da espécie.
O pastor de Vila Nova de Tazem admite que é uma temporada cansativa, mas não tem intenções de deixar a tradição. “Se houver saúde, não estou com vontade de desistir. Mas convençam-se de que a transumância vai acabar porque os mais novos não querem pegar nisto”.
Joaquim Marvão desce com os rebanhos no dia 18 de agosto com ajuda de outros pastores que virão ao seu encontro num percurso que pode ser acompanhado por visitantes, numa iniciativa da Câmara Municipal de Gouveia.
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