Reportagem Daniela Bluth / AFP
A capela de Pueblo Garzón, uma pequena aldeia que parou no tempo no interior do Uruguai, amanheceu sem os bancos de madeira. No lugar, o artista plástico alemão Lukas Kühne colocou uma instalação sonora com caixas de ressonância e martelos de borracha.
Kühne não estava sozinho e não havia tido um momento de loucura: era um dos convidados da oitava edição de Campo, o festival criado pela fotógrafa americana Heidi Lender, que durante três dias no final de dezembro convocou mais de 20 artistas de todo o mundo - entre eles dos Estados Unidos, Singapura, Coreia do Sul e Brasil - e reuniu 6.000 visitantes.
Radicado no Uruguai, Kühne é apaixonado por Garzón, que define como "um projeto utópico no bom sentido" e que inclui no seu circuito sempre que recebe artistas do exterior. "Parece um povoado qualquer, mas não é, estão a aparecer coisas lindas e interessantes, tem a sua aura", explica sobre esse lugar 170 km ao leste da capital Montevideu, que devido à paisagem com vinhas e oliveiras é comparado com a região italiana da Toscana.
O primeiro a colocar esse povoado no mapa foi o reconhecido chef argentino Francis Mallmann, que abriu um restaurante há 20 anos. "O embaixador absoluto é Francis", disse a também prestigiada cozinheira Lucía Soria, à frente do projeto de jantares itinerantes pelo povoado Mesa Garzón. "Mas a embaixadora da arte é Heidi", completa.
Lender chegou casualmente a Garzón há 14 anos, apaixonou-se pela aldeia, comprou uma casa e fundou uma organização sem fins lucrativos para "dar a outros artistas a oportunidade de criar nessa terra mágica". Hoje, esse projeto inclui residências artísticas, o festival e a próxima construção de um campus com um projeto do arquiteto uruguaio Rafael Viñoly.
"É difícil de explicar o que Garzón tem, tem que vir e viver isso", diz. "Há uma energia que não existe em nenhum outro lado do mundo, é um mix entre a luz, as pessoas, a autenticidade, a simplicidade de viver, a tranquilidade, a solidão, a beleza... é uma grande sopa de magia".
Garzón tem a virtude de estar longe - mas não muito - de Punta del Este, o balneário favorito da elite sul-americana, famoso pelas praias, mas também pela vida noturna. E localiza-se a apenas 35km ao norte de José Ignacio, mais exclusivo e nos últimos anos ponto de encontro para os amantes da arte, com galerias e eventos internacionais.
Como na maioria dos povoados do interior uruguaio, a atividade concentra-se ao redor da praça principal.
Há a igreja, a câmara municipal, o clube social, um antigo armazém que se transformou em loja de design, o restaurante Mallmann, um museu/café e algumas das cinco galerias ativas durante a temporada. As casas seguem por alguns quarteirões. Depois, o campo e as serras.
O artista uruguaio Mauro Arbiza vende esculturas em Garzón há nove anos, mas acaba de abrir a própria galeria em frente à praça. “Pessoas com alto poder aquisitivo, que vêm a Punta del Este no verão, vêm à Bodega Garzón ou ao Mallmann's para jantar ou almoçar um dia”, explica. As obras custam entre 2.400 a 40 mil euros, uma faixa de preço que se repete noutras galerias.
“Costumava ir sempre à Art Basel em dezembro, mas não vou mais. Faço mais contactos aqui do que em Miami”, diz Arbiza, que tem obras monumentais na China e nos Estados Unidos.
Os galeristas concordam que turistas, colecionadores e curadores, na maioria europeus e americanos, mas também muitos argentinos e brasileiros, passam pelas galerias.
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