Reportagem por Marion Thibaut, com fotografias de Olivier Morin

Na Baía de Hudson, no Canadá, em pleno verão, os últimos pedaços de gelo parecem confetes na água azul. Um urso apanha sol em frente às ondas, longe da banquisa (água do mar congelada, que começa a formar-se aos -2 °C), e das suas presas naturais, as focas.

De pouco serve o seu pêlo branco para se camuflar. Ao seu redor, a costa é quase plana, com rochas, vegetação alta, salgueiros com flores violetas e árvores frágeis, que lutam contra o vento para crescer. Os ursos da região vivem um período crítico.

Churchill, no Canadá
Churchill, no Canadá Churchill é uma cidade da província canadiana de Manitoba, situada nas margens da Baía de Hudson. A grande quantidade de ursos polares na região tornou-a conhecida como a "Capital Mundial do Urso Polar". créditos: Google Maps

A cada ano, desde o fim de junho, quando o gelo desaparece, são obrigados a viver nesta margem e a jejuar. Um jejum cada vez mais longo e perigoso para a sua sobrevivência.

Em terra firme, "os ursos costumam ter muito poucas opções para se alimentar", explica Geoff York, biólogo da Polar Bear International (PBI).

Várias semanas por ano, este cientista norte-americano visita Churchill, uma povoação às portas do Ártico, na província canadiana de Manitoba, para ver como este animal em risco de extinção se está a adaptar às sucessivas alterações ao seu habitat. Alguns exemplares podem ser facilmente avistados de veículos 4X4, adaptados à tundra, ou a partir de embarcações na Baía de Hudson. Uma equipa da AFP acompanhou Geoff York no começo de agosto numa destas expedições.

Urso polar, em Churchill, Canadá
Urso polar, em Churchill, Canadá Quando o gelo desaparece, ao largo de Churchill, no Canadá, os ursos polares são obrigados a viver em terra firme e a jejuar. créditos: Olivier MORIN / AFP

Perto do impressionante macho deitado ao sol, há restos de espinhas. Nada à vista que tire a fome a este animal com cerca de 3,5 metros e cerca de 600 quilos.

"Em alguns locais, podem encontrar a carcaça de uma baleia beluga ou de uma foca imprudente perto da margem, mas na maioria das vezes, jejuam e perdem cerca de um quilo por dia", explica o cientista.

No Ártico, o aquecimento global é três vezes mais rápido do que em outras partes do mundo, potencialmente quatro vezes, segundo os estudos mais recentes.

Pouco a pouco, as placas de gelo flutuantes que constituem o habitat do urso polar, vão desaparecendo.

Segundo um estudo publicado em 2020 na Nature Climate, isto poderá vir a provocar a quase extinção deste animal: dos 1.200 ursos polares na década de 1980 no oeste da baía de Hudson, atualmente restam 800.

Fome no verão

No verão, as placas de gelo começam a derreter cada vez mais cedo e no inverno, a glaciação atrasa-se. Os efeitos do aquecimento global interferem nos ritmos da Natureza.

Incapazes de acumular suficientes reservas de gordura no inverno, os animais acabam por passar fome no verão.

O urso polar ou urso branco, cujo nome científico é Ursus maritimus, é um carnívoro que se alimenta sobretudo da gordura que envolve o corpo das focas. Agora, todavia, durante o verão, este predador do Ártico vê-se obrigado, por vezes, a comer algas. Foi o que aconteceu com uma ursa e a sua cria perto do porto de Churchill, autoproclamado a "capital do urso polar".

Urso polar a comer algas, na costa de Churchill, Canadá
Urso polar a comer algas, na costa de Churchill, Canadá Um urso polar a comer algas na costa de Churchill, no Canadá. créditos: Olivier MORIN / AFP

O limite fora do gelo "para as fêmeas, encarregadas de alimentar as suas crias, que amamentam até os dois anos, ronda os 117 dias", contra os 180 dos machos, explica Steve Amstrup, líder da equipa de cientistas do PBI.

O número de nascimentos diminui e é cada vez mais raro que as fêmeas tenham três crias, como costumava acontecer antes.

Um mundo decadente que Geoff York, de 54 anos, conhece muito bem depois de ter passado mais de 20 anos a percorrer o Ártico para a organização ambientalista WWF e depois a PBI.

Duas décadas salpicadas por uma cicatriz ou outra, como a de presas na perna, durante uma captura no Alasca. Ou sustos, como uma vez em que foi apanhado de bruços por uma fêmea numa toca que achou que estava vazia. Nesse dia, gritou "mais alto do que nunca".

Agora, o urso polar é um colosso com pés de barro.

Na Baía de Hudson, "os ursos polares permanecem em terra em média um mês a mais do que os seus pais ou avós".

"Quando ficam fisicamente fragilizados, arriscam-se mais para encontrar comida, chegando mesmo a aproximarem-se das pessoas".

Patrulhas na cidade

Com binóculos nas mãos, o agente de proteção da fauna local Ian Van Nest avista as rochas que cercam Churchill, "onde os ursos gostam de se esconder".

Nesta localidade de 800 habitantes, inacessível de carro, os ursos acostumaram-se, há anos, a frequentar o depósito de lixo, fonte de comida fácil, mas prejudicial para a sua saúde.

Já foram vistos a rasgar sacos de lixo, a comer plástico ou a remexer em latas de conserva enquanto se procede à queima de resíduos.

Desde então, foram tomadas algumas precauções. O depósito tornou-se um dos locais mais vigiados, com câmaras, vedações e patrulhas.

Por toda a cidade, as portas dos carros e das casas permanecem abertas caso seja necessário procurar refúgio para fugir do maior carnívoro terrestre. E nas paredes, vê-se o número de emergência para contactar Ian e os seus colegas.

Quando o telefone de emergência toca, eles entram rapidamente em ação, armados com uma espingarda, repelente em aerossol e colete à prova de balas.

Patrulha na Baía de Hudson
Patrulha na Baía de Hudson O agente de conservação da natureza Ian Van Nest a patrulhar a margem ocidental da Baía de Hudson. créditos: Olivier MORIN / AFP

Ian Van Nest, na casa dos 30 anos, leva muito a sério a sua missão, que se tornou crucial com a proliferação de animais selvagens nos arredores da cidade.

"Às vezes é preciso espantar o urso, e tocar a buzina é suficiente", conta à AFP durante uma patrulha.

"Se for preciso sair do carro, usamos balas dissuasoras. Atiramos perto (de onde está), não queremos feri-lo".

Algumas regiões são mais vigiadas que outras, especialmente nas imediações da escola antes da abertura, "para garantir que as famílias ficam tranquilas".

A última má recordação remonta a 2013, quando uma mulher foi gravemente ferida por um urso em frente à sua casa. Salvou-se por pouco, graças a um vizinho que saiu à rua ainda vestido de pijama e pantufas, mas armado com uma pá de neve.

Às vezes, é necessário capturar o animal e transportá-lo por via aérea para uma localização mais a norte ou colocá-lo atrás das grades até a chegada do inverno.

A única prisão de Churchill é para ursos: são 28 celas, às vezes cheias no outono, quando os ursos "vadiam" em massa pelos arredores da cidade, à espera que o gelo volte a formar-se em novembro.

"Ar condicionado"

O caso do urso polar deveria alarmar-nos, porque o Ártico é um bom "barómetro" para o que se passa ao nível do clima mundial, afirma Flavio Lehner, professor de ciências terrestres e atmosféricas na Universidade Americana de Cornell, que também participou da expedição.

Desde a década de 1980, a placa de gelo ártica diminuiu quase 50% no verão, segundo o Centro Nacional de Dados de Neve e Gelo (National Snow and Ice Data Center).

"Vemos aqui algumas das mudanças mais significativas" no mundo, diz o cientista suíço.

Esta região é fundamental em maior escala porque "é uma espécie de ar condicionado do planeta, graças a este importante mecanismo de retroalimentação do gelo marinho e da neve em geral", afirma.

Uma mudança nas calotas polares altera a temperatura da superfície terrestre: o gelo e a neve são muito reflexivas, ou seja, o seu albedo (capacidade de refletir a radiação) é elevado. Quanto maior for o efeito albedo, maior é a energia difundida para a atmosfera e a superfície aquece menos.

Quando o Ártico perde esta capacidade reflexiva, a temperatura global no seu conjunto sente o impacto.

Assim, quando o gelo marinho derrete, a superfície oceânica mais escura que o substitui absorve, ao contrário, 80% da radiação solar, acelerando o aquecimento, acrescenta Flavio Lehner.

Há alguns anos, os cientistas temiam que a banquisa sazonal do Ártico alcançasse rapidamente um "ponto de inflexão" climático e desaparecesse permanentemente uma vez superada certa temperatura.

Os últimos estudos demonstram que o fenómeno é reversível. "Se um dia conseguirmos que as temperaturas baixem de novo, o gelo marinho voltará", explica o cientista.

No entanto, hoje, na região, "todos os ecossistemas, sem exceção, são afetados" pelos efeitos do aquecimento global, explica a bióloga Jane Waterman, da Universidade de Manitoba.

Ursos polares no norte do Canadá
Ursos polares no norte do Canadá Uma ursa polar com a sua cria à procura de alimento na margem ocidental da Baía de Hudson. créditos: Olivier MORIN / AFP

O permafrost, o solo que permanece congelado por dois anos consecutivos, começou a derreter e em Churchill, a paisagem mudou, com consequências nefastas para a vida selvagem.

Toda a cadeia alimentar é ameaçada, com o aparecimento de outros animais, como as raposas vermelhas ou os lobos, que põem as espécies árticas em risco.

Segundo o cientista canadiano, "ninguém se salva da mudança", dos vírus e bactérias às baleias.

Refúgio de verão das belugas

Nem mesmo as belugas, que durante o verão migram aos milhares das águas do Ártico até a Baía de Hudson para buscar refúgio.

Há pequenas baleias brancas por toda parte, avançando em pequenos grupos. Elas gostam de perseguir os barcos dos cientistas que vieram estudá-las.

Uma baleia beluga na Baía de Hudson
Uma baleia beluga na Baía de Hudson Uma baleia beluga a nadar nas águas da Baía de Hudson. Devido à escassez de comida, as belugas têm que submergir mais fundo para se alimentarem, o que requer mais energia. créditos: Olivier MORIN / AFP

As mais pequenas, de cor cinza, apoiam-se nas costas das mães neste estuário de águas relativamente mais quentes, onde se podem proteger das orcas e encontrar comida.

Mas, em "algumas regiões do Ártico, a beluga tem menos presas à sua disposição", explica Valeria Vergana, uma cientista argentina que estuda estas baleias.

"A ausência de banquisa impede que o fitoplâncton sobreviva e, portanto, que alimente o zooplâncton, que nutre os peixes grandes", explica a cientista da Raincoast Conservation Foundation.

As belugas têm que submergir muito mais fundo para encontrar comida, o que requer mais energia.

Na baía de Hudson, um outro perigo as espreita: algumas previsões estimam que a partir de 2030 as embarcações poderão navegar ali o ano inteiro, devido à redução do gelo marinho.

A poluição sonora é um problema importante para a espécie, apelidada de "canário do mar" pela forma como comunica entre si (através de assobios, estalos e zumbidos).

O som permite-lhes comunicarem, mas também se situarem, encontrarem o seu caminho e comida, explica Valeria Vergana.

Graças ao hidrofone do barco, o "Beluga Boat", as conversas das profundezas chegam à superfície.

A investigadora de 53 anos, especialista neste "complexíssimo sistema de comunicação", é capaz de reconhecer em particular os guinchos emitidos pelas mães para manterem o contacto com as suas crias.

Uma comunidade ruidosa, que não se sabe quanto mais resistirá nestas circunstâncias.

Os cientistas estão alarmados. Muito longe do Ártico, neste verão boreal (hemisfério norte) foi avistada uma beluga no rio Sena, na França, e em maio, um urso polar no sul do Canadá.