Sofía Llocclla Pellaca desce a pé uma colina sem iluminação em Lima. Não come carne durante a semana, cozinha a gás ou lenha e capta água da neblina - uma rotina de uma aliada involuntária na luta contra o aquecimento global.

De origem quéchua, aos 31 anos, é mãe solteira de uma adolescente e de uma criança pequena e vive nas altitudes desérticas da capital peruana, onde se concentra a maior parte dos 2,7 milhões de pobres da cidade - que representam um pouco mais de um quarto dos seus 10 milhões de habitantes.

O Peru, com uma indústria precária e uma elevada economia informal, é um país predominantemente minerador e pesqueiro, com uma das menores pegadas de carbono per capita do continente: 1,7 tonelada de gases de efeito estufa, em comparação, por exemplo, com as 4,2 toneladas produzidas anualmente pelos argentinos ou as 15 toneladas por habitante nos Estados Unidos.

Ligar a luz, usar a máquina de lavar, tomar um banho quente, viajar de avião ou usar veículo a gasolina, comer carne bovina... Praticamente todas as atividades e o consumo libertam emissões.

No entanto, o petróleo e o carvão são, de longe, as principais fontes de CO2.

Em novembro, os líderes mundiais vão reunir-se no Dubai, na Conferência das Partes sobre o Clima, a COP28, para discutir a substituição de fontes de energia fósseis por energias limpas.

Lima, Peru
Um gato brinca com tachos e panelas na cozinha de Sofia Llocclla Pellaca créditos: AFP/Ernesto Benavides

Sofía vive numa das áreas de pobreza cobertas pela névoa, no sul de Lima - que não para de crescer devido à migração interna. A moradora deixou a área rural há uma década e instalou-se na periferia da cidade numa pequena casa inacabada, sem banheiro ou aquecimento.

Atualmente, só possui uma televisão, um fogão avariado e um frigorífico parcialmente vazio. Quando o gás acaba, cozinha as refeições da manhã e da noite com lenha. Muitas famílias almoçam com o que preparam coletivamente, numa espécie de "panela comum".

Sofía nunca viajou de avião e quase não utiliza o transporte público. "Desço a colina a pé, vou a pé e volto a pé", conta a mulher, que trabalha como empregada doméstica por menos de metade do salário mínimo mensal de 249 euros.

Uma pegada ilusória

Cerca de 63% das emissões de gases estufa no Peru são provenientes do desmatamento da Amazónia e da transformação do solo da floresta ou agrícola em áreas urbanas sem padrões ambientais, explica o ex-ministro do Ambiente, Manuel Pulgar-Vidal.

No bairro onde Sofía mora, não há iluminação pública ou saneamento básico. A água potável é trazida a cada 15 dias por camiões-cisterna. Os sistemas de captura de névoa, com painéis altíssimos que recolhem o orvalho, aliviam a escassez de água.

Lima, Peru
Sofia Llocclla Pellaca recolhe água de um sistema de captura de neblina perto da sua casa créditos: AFP/Ernesto Benavides

Ela e a sua mãe, que mora algumas casas acima, obtêm energia elétrica por meio de uma ligação clandestina.

No entanto, é "confuso e ilusório" supor que o Peru, por ser um país em desenvolvimento, possa abdicar das suas responsabilidades face à crise climática. Ricos e pobres, "o mundo sairá gradualmente dos combustíveis fósseis. Isso é inevitável", enfatiza o ex-ministro.

O desafio começa nas periferias. É preciso garantir serviços básicos, um padrão de construção compatível com o "ecossistema circundante", melhorar os aterros sanitários e eletrificar os transportes, enuncia.

A maior preocupação de Sofía é a "mobilidade" da sua filha de 14 anos, Flor María, quando sai da escola. O seu desejo era ter uma moto para a poder transportar. Também acredita que "seria bom" ter um painel solar como o da sua irmã, porque a luz "vai e vem", conta. Um painel pequeno custa cerca de 108 euros.

No curto prazo, a América Latina não estabeleceu "estratégias claras e bem planeadas" para migrar para "energias renováveis não convencionais" porque está "presa na armadilha do petróleo, do carvão e do gás", recursos de que dispõe em abundância e com os quais se financiou por décadas, afirma o ex-ministro, que faz uma advertência adicional: serão taxadas ainda mais as importações daqueles países "que produzem ou que geram os seus produtos com alta carga de carbono".