"Acredito que todas as meninas sonham ser princesas e isso é como um conto de fadas", confessou à AFP antes da pandemia Nina Menegatto, eleita no ano passado "princesa" de Seborga.
Esta empresária alemã de 41 anos, de olhos azuis profundos, foi conselheira da coroa durante os nove anos em que o ex-marido Marcello foi "príncipe" de Seborga.
Após a abdicação no ano passado, concorreu à sucessão e venceu a eleição contra outra candidata.
A coroação, prevista para maio, foi adiada devido ao confinamento e está prevista para o dia 20 de agosto.
Seborga, onde, segundo a tradição, os Templários esconderam o Santo Graal, proclamou-se um principado independente há mais de 50 anos e reivindica da região italiana da Ligúria a soberania sobre o seu território de 8 quilómetros quadrados, com base em documentos do século XVIII, que demonstrariam que nunca foi legalmente integrado à Itália.
Entre Bordighera e San Remo, já na fronteira com a França, Seborga espera que a luta pela autonomia promova o turismo e atraia novos habitantes para evitar o abandono sofrido por inúmeras localidades italianas.
A "princesa" Nina tem grandes aspirações: quer cunhar uma moeda local, o chamado "luigino", e construir um hotel de luxo numa colina vizinha que oferece uma visão de quatro "países": França, Mónaco, Itália e naturalmente o "Principado de Seborga".
Também quer construir um teleférico para ligar a cidade à costa.
Seborga não é a única micronação que não foi reconhecida no mundo. O mesmo acontece com o "Principado do rio Hutt", no oeste da Austrália, e a "República do Saugeais", no leste da França, que cunham moedas e levantam as suas próprias bandeiras.
Os habitantes de Seborga sustentam que existem bases históricas para a independência.
Rei da mimosa
Em 954, o povoado tornou-se propriedade dos monges beneditinos e os habitantes dizem que em 1079, o abade tornou-se o príncipe do Sacro Império Romano.
A poderosa dinastia real de Saboia comprou-se em 1697, mas a transação nunca foi oficialmente registada.
É por isso que os habitantes consideram que, de fato, o principado ficou excluído da unificação da Itália em 1861 e da formação da República Italiana em 1946.
É possível então considerar esta localidade habitada principalmente por reformados e que tem apenas uma rua principal um Estado independente?
Matthew Vester, professor de história da Universidade Americana de West Virginia, diz que não. Existem "documentos que mostram que os agentes do rei da Sardenha tomaram posse de Seborga em 1729, com o consentimento e apoio dos habitantes", diz.
Contactado pela AFP, o ministério das Relações Exteriores da Itália recusou-se a comentar o assunto.
Para Paolo Calcagno, professor associado de história da Universidade de Gênova, a ideia é baseada num mito, porque os abades que governaram Seborga "não eram príncipes" e o título nunca apareceu em documentos medievais, explicou à AFP.
Isto não impediu um cultivador de mimosas, Giorgio Carbone, de autoproclamar-se "príncipe de Seborga" na década de 1960.
Constituição, hino e exército
Giorgio Carbone escreveu uma Constituição, criou um hino, um brasão de armas e até um lema "Sub umbra sede" (sentar-se à sombra), lembra Gustavo Ottolenghi, um reformado local de 88 anos.
O "príncipe" Giorgio chegou a formar um "exército", que hoje possui apenas um homem, Secondo Messali, 64 anos, que também foi ministro do Interior, Finanças e primeiro-ministro.
No bar do vilarejo, os moradores explicam que Nina Menegatto, a "princesa", venceu a eleição (por 122 votos a 69), porque tinha um programa ambicioso destinado a promover o turismo numa região que vive principalmente da agricultura e indústria floral.
A rival, a filha de Giorgio Carbone, espera que ela consiga concluir o programa.
"O meu pai deu tudo por Seborga e eu teria feito o mesmo", diz Laura Di Bisceglie, que administra a loja de souvenirs cuja fachada agita a bandeira listrada azul e branco de Seborga.
Carbone morreu em 2009 e em 2010 Marcello foi eleito.
Os habitantes sofreram muitos desafios, incluindo uma tentativa de golpe de Estado. Em 2016, um cidadão francês, Nicolas Mutte, que se apresentava como Nicolau I, declarou-se o verdadeiro príncipe de Seborga e, num vídeo, prometeu lutar para alcançar a independência.
O homem, investigado por fraude na França, queria que o título do príncipe fosse reconhecido no exterior, começando pelo Brasil, um país que, segundo ele, teria lhe concedido o reconhecimento. O Itamaraty, contatado pela AFP, nega esta informação.
Dez anos antes, em 2006, uma mulher, que se fazia chamar princesa Yasmine von Hohenstaufen Anjou Plantagenet, não apenas declarou-se soberana legítima, como também propôs devolver o principado ao Estado italiano.
Se nos meses frios de inverno os excursionistas franceses que atravessam os becos tranquilos da vila são poucos, nos meses de verão a população costuma aumentar para 2.000 pessoas.
Mas, com a pandemia do novo coronavírus, tudo mudou e relançar a vida e as aspirações do principado autoproclamado será um verdadeiro desafio.
Entre as intrigas há uma pessoa determinada a fazer justiça: o autarca Enrico Ilariuzzi, que garante manter contato permanente com a polícia italiana.
"Falsos príncipes ou criminosos não são bem-vindos em Seborga", adverte.
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