Aos 25 anos - corria o ano de 2008 -, João Aguiar tinha uma vida estável. Trabalhava como engenheiro de design de micro-chips, tinha uma namorada e boas perspetivas quanto ao futuro.
2008 foi também o ano em que rebentou a crise internacional. João, que decidiu deixar o emprego e a namorada para descobrir o mundo, provavelmente, não imaginava que, dali a 19 meses, altura em que regressaria a casa, tudo estaria diferente, incluindo a sua visão do mundo.
Ao longo de 19 meses e com um orçamento de cerca de 20 euros por dia, João Aguiar andou a dormir em sofás de todo o mundo, graças ao couchsurfing e a outras comunidades do género. Para ele, viajar pelo mundo sem fazer couchsurfing não teria sido a mesma coisa, pois este “permite um entrosamento mais elevado”.
As histórias, as experiências que viveu ao dormir em diferentes sofás do mundo são partilhadas agora no livro "Os meus Descobrimentos".
Demorou dois meses a preparar a mochila para aquela que seria a maior aventura da sua vida (pelo menos até então). Se fosse hoje, diz-nos, não levava mais do que cinco t-shirts e cinco mudas de roupa interior. Diz ser o suficiente, pois, durante a viagem, “vais sempre lavando ou comprando”.
E, durante mais de um ano, a vida de João coube numa mochila. No total, visitou 25 países dos cinco continentes. Sem um plano inicial, partiu de Lisboa à boleia e assim chegou até ao Dakar. Pelo meio, conheceu alguns dos lugares e pessoas mais marcantes desta aventura.
Marrocos, por exemplo, cativou Aguiar por diferentes razões: pela proximidade com Portugal, pela gastronomia, diversidade paisagística e também pelas pessoas. Foi em Marrocos que foi recebido “incrivelmente bem” por uma família e que conheceu Hassan Ziani, um jovem de 18 anos que queria ser tradutor de espanhol. Infelizmente, a história de Hassan não teve um final feliz e, no livro, João Aguiar recorda a história de Hassan com revolta, tristeza e saudade.
Em Dakar, João Aguiar não chegou a conhecer o anfitrião da casa onde ficou. “Estive cinco dias na casa dele. Conheci os vizinhos que até me mostraram algumas partes da cidade, os amigos dele. Ele [o anfitrião] disse-me que não ia estar lá. Ia estar não sei onde a investigar. Mas isto mostra bem o espírito da rede [couchsurfing]”.
Estas e outras histórias preenchem as 420 páginas dos Descobrimentos de Aguiar que, de diferentes modos, foi explorando o mundo. João visitou cenários urbanos, a selva e o deserto. Cruzou fronteiras terrestres, fez um safari e subiu montanhas cobertas de neve.
Também chegou a partir o tornozelo e a ter de ser resgatado de helicóptero. Olhando para trás e recordando o episódio, sabe o quão importante foi ter um seguro de saúde - no seu caso foi um seguro dinamarquês. Para João Aguiar, é importante fazer um seguro de saúde que deve ser adaptado ao tipo de viagem. “Em cada cidade há sempre ‘saúde’ ao virar da esquina, mas a questão é se a pessoa vai visitar uma cascata numa zona remota e as distâncias. Eu parti a perna e foram buscar-me de helicóptero e pagaram-me a operação. Se tivesse que pagar isso por mim, fazia muita diferença.”
Aguiar diz-nos que a grande lição da viagem é que somos todos seres humanos. “Raça é só uma. É a raça humana”.
Aos portugueses que pensam dar a volta ao mundo, acredita que se vão surpreender. “Há muita coisa que nós não sabemos. Também é difícil ensinar tudo na escola. Especialmente para quem não vai estudar história, que foi o meu caso, no secundário e no superior. No básico, claro que estudamos”, comenta. "Há heranças portuguesas em Marrocos, há estátuas na Cidade do Cabo de Bartolomeu Dias. Em Moçambique, Inhambane, há também uma estátua perdida de Vasco da Gama. Também achei muita graça, achei interessante perceber que o Uruguai [Colónia do Sacramento] tinha sido uma província ultramarina de Portugal. Também há marcas interessantes no sul do Japão e os primeiros a chegar a Austrália foram os portugueses", refere.
Ao longo da viagem, João foi tirando notas, tirou muitas fotografias, fez vídeos, entrevistas e foi guardando todos os bilhetes, postais, flyers, mapas e enviando tudo para casa. “Tenho assim uns quantos baús, com as coisas desta viagem”.
De 2010 a 2014, João Aguiar tirou seis cursos de escrita para preparar-se para o livro. Para construí-lo, colocava todas as memórias em cima da mesa, de país em país. O jovem também fez workshops para realizar o documentário, que completa o livro. Ainda há o podcast, mas isso já era a sua praia.
No livro, encontram-se 92 crónicas de viagem, que incluem dicas, 245 fotografias e 27 mapas. Para João Aguiar, “escrever este livro foi acima de tudo uma necessidade interior. É uma visão tão ampla quanto intimista das sociedades que conheci e das experiências sociais que tive a oportunidade de viver”.
Graças ao couchsurfing, conseguiu um maior entrosamento com as sociedades locais. Da experiência, o mais marcante terá sido o espírito solidário. “É a pessoa perceber que no virar de cada esquina há um sofá, ou uma casa com a porta aberta. O planeta é um degrade de uma moldura humana incrível. Há algo que nos une, porque, mesmo que não tenhamos a mesma língua, vamo-nos compreender um ao outro, porque somos humanos, há uma empatia.”
“Quem puder, quem quiser ou tenha essa vontade, deve fazer [viagem pelo mundo]”, reforça João Aguiar. “Acho que faz parte de uma certa educação humanística, ou um momento para refletir de descoberta também interior e de conhecer a realidade como ela é in loco”.
E há mais razões para querer fazer as malas e, tal como João, viajar pelo mundo. “Esta viagem também tem um lado de empoderamento”, partilha. “De repente, a pessoa ganha uma outra visão do mundo e acha que, calma lá, não é tão difícil fazer as coisas, as coisas estão ao nosso alcance”.
Apesar do otimismo, regressar não foi assim tão trivial para João. “Aconteceram coisas enquanto estive fora. As equipas mudaram, as empresas mudaram, foram compradas, vendidas… O próprio modo da empresa muda. Isso fez com que não fosse assim tão linear regressar. Mas a pessoa regressa com ideias. Idealmente deveria de haver mais estrutura para [as empresas] receberem as pessoas que querem trabalhar para elas e que trazem novas ideias.”
Por: Ana Oliveira
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