Bilhete-postal por Pedro Neves
Onde quer que estejam em Angra do Heroísmo, o Monte Brasil está sempre lá, com as suas curvas verdejantes, tão insinuantes que parecem ter sido feitas ontem. Na escala do tempo geológico, é quase isso: foram formadas há cerca de 20 mil anos, pela erupção de um vulcão no mar. A ilha da Terceira ganhava uma língua de terra e Angra a sua famosa baía.
Hoje, o Monte Brasil é, além de uma reserva natural, um espaço de lazer às portas da cidade açoriana. O seu nome evoca, possivelmente, os tempos em que a Terceira, após o seu descobrimento em 1432, era conhecida como a ilha do Brasil.
Para alguém vindo de Lisboa, é difícil não fazer um paralelo entre o Monte Brasil e a Serra de Monsanto, outro espaço verde que parece estar sempre à espreita no horizonte da cidade em redor. A escala é outra (o parque florestal lisboeta ocupa uma área com 900 hectares, contra os 48 do seu congénere angrense), e a morfologia também (Monsanto formou-se há milhões de anos por meio de vários processos geológicos, não correspondendo a um antigo vulcão), mas as semelhanças estão lá.
Estive recentemente na Terceira a trabalho, pelo que já sabia que não ia ter muito tempo para explorar a ilha, mas percebi logo que teria de fazer uma breve incursão pelo vulcão extinto que espreita pela janela de quase todos os edifícios por onde passei em Angra.
Existem duas formas de percorrer o Monte Brasil. Podem fazer um trilho circular que passa pelos pontos mais altos em torno da antiga cratera do vulcão (o PRC04 TER) e leva cerca de 2h30m a completar ou seguir pela estrada que conduz até ao Pico das Cruzinhas, onde chegam facilmente a pé em meia hora e encontram um miradouro para Angra do Heroísmo.
Se forem como eu, sempre à procura de uma oportunidade para estar rodeado de natureza, é provável que não hesitem na escolha. Um caminho circular com 7,4km (de dificuldade média) que começa ao fundo de um centro histórico tem um apelo simplesmente irresistível. Ainda assim, não repitam o meu erro, que parti para o trilho sem qualquer preparação prévia, ao ponto de não ter levado sequer água comigo (embora tenha encontrado um bebedouro no Pico das Cruzinhas).
Logo ao início, é impossível não dar pela Fortaleza de São João Baptista, "uma das maiores construídas por Espanha em todo o mundo". A curiosidade é um pouco desconcertante, mas corresponde: a fortificação foi construída nos finais do séc. XVI, durante a Dinastia Filipina.
Pouco depois, a natureza do Monte Brasil revela a primeira das suas surpresas: uma águia-d’asa-redonda a pairar no céu, a mesma espécie de ave de rapina que pode ser observada regularmente no parque florestal lisboeta. Mais um ponto de ligação entre os dois espaços verdes que me fez lembrar de casa e pensar no (frágil) privilégio que é podermos avistar estes espantosos animais tão perto das nossas rotinas citadinas.
Ainda estava a pensar na ave de rapina quando avistei a segunda surpresa da tarde: dois gamos (mamíferos muito parecidos com veados) nos caminhos do parque florestal. Estes animais não são nativos dos Açores e foram introduzidos no Monte Brasil, onde têm muito espaço para poder circular e reproduzir-se livremente. É uma presença inesperada, mas que causa deleite garantido a miúdos e graúdos (é prudente, mesmo assim, deixá-los sossegados e guardar alguma distância).
Mais à frente, chegada ao Pico do Facho, o ponto mais alto do Monte Brasil e onde encontramos o antigo Posto Semafórico, que desempenhou noutros tempos um papel importante na defesa da ilha. O que parece ser uma cruz religiosa é na realidade o mastro no qual era içada uma bandeira e colocados balões com diferentes significados, que um papel afixado numa das paredes do abrigo decifra. Por exemplo, alguns sinais indicavam a nacionalidade dos navios avistados no horizonte, ao passo que outros traduziam a perceção do telegrafista sobre o motivo da sua aproximação à ilha: "navio em perigo", "ignora-se a nação" ou "de desconfiança" eram algumas das opções que tinha à sua disposição para comunicar com terra, usando a telegrafia ótica (ou visual).
Daqui o trilho contorna a caldeira, propondo um desvio opcional pelas ruínas do Forte da Quebrada, antes de voltar a subir ao Pico das Cruzinhas, o local mais privilegiado para apreciar o quadro montanhoso que enquadra Angra do Heroísmo, no qual se destaca a imensa Serra de Santa Bárbara. Trata-se da elevação mais alta da Terceira (com 1.021 metros de altitude) e tem estado nas notícias devido à atividade sísmica desencadeada pelo vulcão adormecido no seu interior.
Regresso ao centro histórico de Angra (classificado como património mundial da UNESCO em 1983) fascinado com as vistas e curiosidades naturais do Monte Brasil e um pouco convencido de se tratar do equivalente angrense do Parque Florestal de Monsanto em Lisboa, com a diferença, nada pequena, que este está rodeado de todos os lados pela cidade e só comunica com o mar através do rio Tejo. Os dois locais ocupam um lugar especial no coração das cidades que os rodeiam. Vale a pena percorrê-los e reservar espanto para as suas surpresas.
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