Gabriela Ribeiro herdou um tesouro de família que hoje todos podem conhecer: a receita do primeiro pão de ló de Ovar a ser comercializado. Mas a chefe de pastelaria acredita que a receita já estava na família há mais tempo.

A produção do Pão de ló Celeste d’Ovar começou em 1910. “A Celeste era a irmã mais nova de 16 irmãos das quais cinco eram freiras. Em 1910, com a instauração da República, elas vêm para casa da irmã mais velha que era casada com o meu bisavô que as acolheu. Portanto, foi preciso rentabilizar de alguma forma aquelas mãozinhas todas”, conta Gabriela ao SAPO Viagens, a partir da cozinha aberta da Gaby – Pastelaria d'Autor, localizada na rua Cândido dos Reis, uma das artérias centrais de Ovar.

O Pão de ló Celeste d’Ovar passou, então, a ser comercializado em 1917 e, através de uma campanha publicitária elaborada por Raul de Caldevilla, que também criou o cartaz original inalterado até hoje, ganhou fama nacional. A receita foi passando de geração em geração até chegar a Gabriela que, desde tenra idade, sempre gostou de "criar, de juntar açúcar, farinha e ovos".

Pão de ló Celeste d’Ovar
Pão de ló Celeste d’Ovar Pão de ló Celeste d’Ovar créditos: Divulgação

A este gosto que a levou tornar-se autodidata no mundo da cozinha e da pastelaria, juntaram-se a paixão pelos doces e, claro está, as memórias das tias e avós a confecionarem deliciosas iguarias que marcaram a história da família. Estava criada a receita para lançar a sua própria marca e assim o fez, mas com um twist. O pão de ló tradicional virou inspiração e matéria-prima para a criação de novas receitas.

Composto por três partes, “a mais cozida que é o pão, a parte húmida que está no meio, e esta crosta douradinha que chamamos ló”, o pão de ló é destrinchado e trabalhado de diferentes maneiras, dando origem a novos doces, como pudim, queijadas e, até, bolachas.

Através do projeto Portugal a Pão de Ló, Gabriela quer fazer uma “homenagem à doçaria conventual e tradicional do resto do país”, recriando receitas já conhecidas, mas sempre tendo o pão de ló como base. Entre elas já se encontram, por exemplo, as cristas de galo, os pastéis de Tentúgal, os ovos moles, o pão de rala ou os Dom Rodrigo.

Na cidade que é considerada museu vivo do azulejo, há também quadrados de pão de ló onde por cima são pintados a mão padrões alusivos a estas peças de cerâmica que fazem parte da história de Ovar. Quem quiser pintar estes azulejos doces, pode participar numa das três experiências que Gabriela disponibiliza no espaço, mediante marcação, que incluem ainda uma demonstração da produção de pão de ló de Ovar pelo método mais artesanal com enquadramento histórico e uma degustação dos doces mais icónicos da pastelaria.

Também para homenagear a cidade, Gabriela criou a Trilogia Vareira que apresenta os doces em barquinhos de hóstia, inspirados nos moliceiros e com diferentes recheios. O Vareiro vem com creme de ovos, amêndoa e broa de milho. O Vareiro da Ria é recheado com creme de pão de ló de Ovar e cobertura de fios de ovos. E, por fim, o Vareiro da Serra junta aquele que, para Gabriela, é um dos melhores acompanhantes do pão de ló de Ovar, o queijo da Serra da Estrela.

Gaby - Pastelaria d'Autor
Gaby - Pastelaria d'Autor Pão de Ló Celeste d'Ovar créditos: Alice Barcellos

Numa montra que é uma verdadeira tentação para os amantes de doces, e onde até existe uma recriação da francesinha (uma delícia que recomendamos), vale a pena também provar uma fatia do tradicional pão de ló de Ovar que chama, principalmente, a atenção de quem vem de fora, já que para os locais é um produto “sempre disponível”. “Nós temos a obrigação de ser os verdadeiros embaixadores do pão de ló, porque é, de facto, um produto único. A maior parte das pessoas nem se apercebe da riqueza que temos aqui”, remata Gabriela.