É a ilha mais central do arquipélago dos Açores e a mais escarpada. Conhecida pelo queijo e pelas fajãs, São Jorge tem muito para oferecer, começando pelas imponentes paisagens naturais. É um lugar de aventura e de natureza em estado bruto. Um paraíso perdido no meio do Atlântico.
A melhor forma de descobrir estas paisagens é a percorrer os percursos pedestres da ilha do dragão. Existem diversos trilhos oficiais, com diferentes graus de dificuldade e duração, que podem ser feitos de forma autónoma ou com empresas especializadas em turismo de aventura.
Nos caminhos do PR01 SJO
Numa manhã de sábado repleta de sol, saímos da freguesia da Urzelina em direção à Serra do Topo, acompanhados pela guia Catarina Bettencourt da empresa Aventour Azores Adventures. Ia ser a nossa companhia valiosa para o trilho do dia: o PR01 SJO Serra do Topo - Caldeira do Santo Cristo - Fajã dos Cubres.
O trilho é uma das duas formas de aceder à emblemática Fajã da Caldeira de Santo Cristo por via terrestre, onde os carros não entram. A outra forma de chegar a este pedaço de terra mágico é através do trilho da Fajã dos Cubres que também pode ser feito de moto 4. Mas, para já, tínhamos de “descer a rocha”, expressão utilizada pelos jorgenses para referir-se ao acesso às fajãs.
Se chegou até aqui e ainda não sabe muito bem o que é uma fajã, tentamos explicar de forma simples, até porque será uma definição essencial para quem quer visitar este vértice das ilhas do triângulo. Fajã é o termo utilizado para designar um terreno plano junto ao mar formado por derrocadas de falésias ou por lava de erupções vulcânicas. Assim, existem dois tipos de fajãs: as detríticas e as lávicas. Boas notícias: na ilha de São Jorge podemos encontrar dos dois tipos e não é à toa que esta é conhecida como a ilha das fajãs. São dezenas, mais de 70, algumas já inacessíveis.
O difícil acesso a estes pedaços de terra abençoados por solos férteis e protegidos das intempéries por altas arribas não demoveu os habitantes de São Jorge que foram se estabelecendo nas fajãs, afinal, os atrativos eram muitos. Um estilo de vida que tem tanto de fascinante como de assustador, pelo isolamento inerente a estes territórios, principalmente na costa norte da ilha, com as suas altas falésias.
É com estas informações em mente que iniciamos o trilho, a 700 metros de altitude, junto ao Parque Eólico da Serra do Topo, onde deixamos o carro. Começamos por subir um pouco, até chegar num ponto alto de onde conseguimos avistar o lado sul e o lado norte de São Jorge. Por ser uma ilha alongada em comprimento e estreita em largura, brinda-nos com esta possibilidade.
Sentimo-nos no topo do mundo, mas estava na hora de começar a descida e deixar para trás a vista para as ilhas do Pico e do Faial. Admiramos o enorme vale que se exibia à nossa frente, com as brumas a dançarem entre a vegetação cerrada. Catarina abre o primeiro portão de madeira, explicando que estes foram ali colocados para evitar que o gado fuja das pastagens. Por isso, já sabe, não se esqueça de fechar os portões que vai encontrando ao longo do percurso de cerca de cinco quilómetros sempre a descer até à Fajã da Caldeira de Santo Cristo.
No início do trilho, respiramos o ar mais fresco da serra, enquanto começamos a apreciar a vegetação endémica dos Açores que vai ladeando o percurso: cedros-do-mato, urzes, uvas-da-serra, azevinhos. Há também a presença das espécies não endémicas, mas que embelezam a paisagem, como as hortênsias que começavam a florir. Pelo meio das montanhas, avistamos um género de um rasgão. São os chamados filões, cones de vulcão que ficaram preenchidos de lava. Se tivermos a sorte de apanhar céu limpo, é possível avistar as ilhas Graciosa e Terceira de determinados pontos do trilho.
Vamos sendo engolidos pelo verde, enquanto pensamos como seria fazer este caminho nos dias de inverno, chuva ou nevoeiro cerrado. Noutros tempos, os jorgenses recorriam a este trilho para levar o gado até à fajã, onde o clima se mantinha mais ameno. Ainda hoje, ao longo do percurso, é possível ver uma pequena entrada junto ao trilho, uma espécie de gruta esculpida pelo homem. “Era utilizado como abrigo”, explica-nos Catarina. Mais à frente, quando começamos a ouvir a ribeira que desce o vale, encontramos uma fonte, agora desativada, que também nos lembra destes tempos idos em que o trilho era utilizado de forma regular pelos habitantes locais.
Esta ribeira leva água para a fajã e é também a responsável pela bela cascata que faz parte do trilho. Depois de atravessar uma ponte, há um desvio que dá acesso à queda de água que escorrega pela rocha negra até encontrar uma pequena lagoa muito convidativa a um mergulho, se o tempo assim o permitir. A água é fria, mas as pernas, já a acusar algum cansaço da descida, agradecem esta pausa revigorante.
Fajã à vista!
Continuamos a descida e, na parte final, a vegetação é mais densa e chega a formar túneis verdes. As conteiras, planta invasora que se dá muito bem nos Açores, estão por todo o lado. Até que, a partir de um miradouro natural, temos o primeiro vislumbre da Fajã da Caldeira de Santo Cristo e é impossível conter a admiração. A terra esparramada da falésia, coroada por calhaus negros. As ondas a quebrar de forma perfeita e a fazer daquele sítio um “spot” de surf fora de série. Os campos verdes e cultivados, com a igreja a destacar-se, e a enorme lagoa a dominar o resto do cenário.
Seguimos com um entusiasmo extra para, finalmente, chegar ao nível do mar. Aí, olhamos para cima e sentimos a imponência das encostas, fortalezas naturais que protegem a fajã. O sol já vai alto e sentimos calor neste dia de pouco vento. Ouvimos as ondas do mar translúcido que se desenrolam nos calhaus rolados.
Extasiados pela paisagem surreal, avistamos as primeiras casas, uma delas transformada num alojamento voltado para o surf, a Caldeira Guesthouse & Surfcamp. Cruzamo-nos com alguns turistas, antes de chegarmos à igreja. O branco da cal e o negro do basalto dão as boas-vindas a quem visita este templo, sendo uma marca de quase todas as igrejas açorianas. Construída no século XIX, a igreja presta homenagem ao seu padroeiro, o Santo Cristo. O interior é simples, mas bonito e muito bem cuidado. É um local de culto que atrai devotos de toda a ilha. A festa do Santo Cristo realiza-se no primeiro domingo de setembro.
Uma família aproveitava o adro da igreja para conviver. Trocamos cumprimentos e continuamos o percurso pelos caminhos de terra batida da fajã. “É bom perceber que os locais também vêm até aqui passear”, constata Catarina, que já passou muitas férias de verão na fajã e guarda histórias fantásticas deste lugar onde o tempo ganha outra dimensão e, nas noites de lua nova, as estrelas brilham de uma forma espetacular.
A lagoa é mais um espaço único. Aliás, juntamente com a vizinha Fajã dos Cubres, são os únicos lugares nos Açores que têm lagoas junto ao mar. E, no caso da Fajã do Santo Cristo, há mais uma particularidade: as amêijoas. Os bivalves desenvolvem-se na lagoa da fajã e são considerados um dos tesouros da ilha de São Jorge. Não são originários dali, supõe-se que foram levados por navegadores ingleses. Facto é que encontraram ali um habitat propício ao seu desenvolvimento, ficando conhecidos pelo seu tamanho avantajado. Antes de explorar melhor a lagoa e a praia, fazemos uma paragem no único restaurante da fajã, O Borges, onde saboreamos as amêijoas e comprovamos o seu delicioso sabor.
Completamente envolvidos pela atmosfera da fajã, vamos aprender mais sobre ela e sobre a ilha de São Jorge no Centro Interpretativo da Caldeira da Fajã de Santo Cristo. Ali, ficamos a conhecer os complexos vulcânicos que deram origem à ilha (Topo, Rosais e Manadas), bem como a diferença entre fajãs. Através da visita guiada feita pela técnica Marta, aprendemos também mais sobre a fauna e a flora.
Na parte final da visita, é possível assistir a um pequeno documentário sobre o sismo de 1980 que deixou a fajã isolada durante três dias. Relatos impressionantes de uma catástrofe natural que arrasou a ilha e provocou destruição em muitas fajãs. Antes do sismo de 1980, a Fajã de Santo Cristo era dotada de mais infraestruturas, como escola e mercearia, bem como mais população. Atualmente, só é habitada por oito pessoas de forma permanente. Outro facto surpreendente: a eletricidade só chegou à fajã no ano passado. Até então, os geradores eram ligados durante um período de tempo à noite.
A visita fica completa com uma passagem mais prolongada pela lagoa. O enquadramento natural é espetacular e as águas calmas convidam a um mergulho. As alterações de luz vão pintando as águas cristalinas da lagoa de diversos tons de verde. Um verdadeiro deleite para os olhos. Com águas amenas e calmas, mergulhar na lagoa e deixar-se flutuar, a contemplar os contornos das encostas, é uma experiência inesquecível.
Mesmo em frente, pode espreitar o mar e, se houver ondas, vai ver surfistas a aproveitar outro dos tesouros de São Jorge. Hoje em dia, a ilha é mundialmente conhecida pela qualidade das ondas da fajã. Se puder, leve sapatos próprios para caminhar nas rochas pois vão proteger os pés de algum sofrimento ao entrar na água. E, se for adepto do surf, pode alugar material na Caldeira Guesthouse & Surfcamp.
Infelizmente, tivemos de deixar para trás aquele pequeno paraíso perdido e continuar o trilho até ao nosso destino final. Seguimos pela estrada de terra batida e começamos a subir, ainda olhando para trás, para a parte final da lagoa.
A próxima paragem seria na pequena e bonita Fajã do Belo, onde várias casas tradicionais estão a ser recuperadas para um futuro projeto de turismo. Por estarmos numa área de paisagem protegida, não é permitido realizar novas construções, apenas reabilitar as que lá existem, mantendo a traça original.
Chegamos à Fajã dos Cubres com sensação de dever cumprido, após percorrer cerca de dez quilómetros. Aqui, é possível explorar as vistas sobre mais uma lagoa, onde se apanha camarão que serve de isco para a pesca, mas onde não é permitido tomar banho. O nome da fajã relaciona-se com uma planta muito abundante na região, cujas flores pintam de amarelo toda a encosta. Ao contrário da Fajã da Caldeira de Santo Cristo, que não tem estrada de acesso a carros, aqui é possível chegar de automóvel através de uma estrada alcatroada. Ou seja, quem não quiser “descer a rocha” desde a Serra do Topo, pode deixar o carro estacionado na Fajã dos Cubres e percorrer os cerca de quatro quilómetros e meio até a Fajã de Santo Cristo.
Contudo, se tem tempo e disposição, prepare uma mochila com água, protetor solar, fato de banho, toalha e snacks, vá com roupa e calçado confortáveis e aventure-se neste trilho – a duração total vai sempre depender das pausas que irá fazendo pelo percurso, que podem ser muitas. É um mergulho na natureza de São Jorge e uma viagem por esta forma de levar a vida que só se encontra nas fajãs.
A partir da Fajã dos Cubres, apanhamos um táxi que nos levaria de volta ao estacionamento, na Serra do Topo. Quando terminamos de subir a estrada sinuosa de acesso aos Cubres, paramos no miradouro para contemplar o panorama geral da sequência de fajãs entre as imponentes falésias de São Jorge. Uma vista impossível de esquecer.
Durante esta semana vamos desvendar outros encantos da ilha das fajãs. Fiquem atentos!
O SAPO Viagens visitou São Jorge a convite do Turismo dos Açores
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