Por Manuel Carvalho

Wimbe é uma pequena aldeia no interior do Malawi e é o lugar de uma das histórias inspiradora que vale a pena ficar a conhecer. William Kamkwamba, de apenas 14 anos, e com a família numa situação de sobrevivência, construiu um moinho de vento que trouxe eletricidade para a sua casa e ventos de mudança para a sua aldeia. Esta história é contada no livro mundialmente famoso “O rapaz que prendeu o vento”, que a Netflix viria a transformar em filme.

Esta não é uma história diretamente ligada ao turismo (e não pretendemos que se torne). Ainda assim, pensámos ser interessante partilhá-la no contexto da nossa visita de um dia a esta aldeia. Para quem quiser ficar a conhecer melhor o Malawi, o livro e filme são excelentes e recomendamos imenso.

A história do rapaz que prendeu o vento

Estamos em 2001, e o Malawi enfrenta uma das mais graves crises de fome da sua história. A estação chuvosa foi demasiado intensa e estragou campos de cultivo por todo o país. Seguindo-se a estação seca, na qual não se consegue produzir, a situação do país complicou-se severamente, principalmente para a população rural, que vive da agricultura.

A família Kamkwacha estava incluída neste grupo. Vivendo na aldeia de Wimbe, dependiam inteiramente dos seus campos de milho como fonte de alimentação e de rendimento. Assim que a crise surgiu, a família começou a enfrentar muitas dificuldades. Os pais rapidamente deixaram de ter dinheiro para pagar a escola dos filhos e passou a haver apenas uma refeição (muito simples) por dia, numa tentativa desesperada de se conseguirem aguentar até às próximas colheitas.

As ruas de Wimbe
As ruas de Wimbe Uma rua de Wimbe, uma pequena aldeia no interior do Malawi. créditos: Projeto Prá Frente

William, de 14 anos e o segundo filho da família, havia despertado desde cedo um interesse pela engenharia, recebendo dinheiro para reparar dispositivos eletrónicos na aldeia. Percebendo as dificuldades, que se juntavam às condições já débeis em que viviam antes, o rapaz começa a procurar formas de contribuir, e interessa-se pela eletricidade e energia.

Por vários meses, William era visto em Wimbe como um rapaz estranho e à parte, que passava grande parte do tempo na biblioteca da escola e na lixeira à procura de materiais para as suas experiências que ninguém entendia. Mesmo depois de ter sido forçado a abandonar a escola, continuou a passar horas a fio na biblioteca, lendo sobre os temas que tanto lhe interessavam. Por fim, encontrou um dínamo, ao qual juntou madeira, chapa de metal e a bicicleta do pai, e construiu um moinho de vento enorme, capaz de “prender o vento” e o transformar em energia elétrica.

Essa energia serviu inicialmente para eletrificar a casa, o que foi logo uma mudança enorme no dia-a-dia da família. Ter finalmente iluminação em casa fez com que pudessem trabalhar ou estudar depois do sol se pôr. Os aparelhos eletrónicos passaram ainda a ser carregados em casa em vez de num estabelecimento da vila, poupando tempo e dinheiro.

Esta capacidade de criar aparelhos ou mecanismos quase do zero e sem conhecimento científico foi o que fez William ser, mais tarde, comparado a MacGyver, personagem televisiva dos anos 90, conhecida pelas suas capacidades de improvisação técnica.

Uns anos depois, a história de William chegou aos ouvidos da imprensa nacional, seguindo-se a internacional, e acabou por receber uma bolsa de estudo nos EUA, diversos convites para palestras e uma proposta para um livro. William terminou uma licenciatura em 2014, tendo mantido o contacto e a ajuda a Wimbe. Acentuando essa vontade, criou, mais recentemente, uma organização não governamental chamada Moving Windmills.

A nossa visita a Wimbe

De volta a 2022, Wimbe não cresceu muito desde 2001, continuando a ser uma aldeia pequena e remota, situada a 2 horas e meia da capital, Lilongwe. É daí que partimos, a bordo de uma minivan que nos deixa em Kasungu, a maior cidade da província. Um carro leva-nos depois de Kasungu até Wimbe, onde a primeira paragem é a escola primária, a mesma em que William estudou. Apesar de ser altura de férias para os alunos, conseguimos espreitar as salas de aula e o espaço exterior da escola.

No entanto, os edifícios já não são os mesmos de 2001, tendo sido renovados com ajuda da Moving Windmills. Esta organização tem atualmente presença por todo o Malawi, contribuindo com tecnologia agrícola, eletrificação de escolas, centros de educação e incubação na área da tecnologia (um deles precisamente na escola de Wimbe), e muito mais.

O moinho de vento de Wimbe
O moinho de vento de Wimbe O moinho de vento que Kamkwamba improvisou aos 14 anos continua no seu lugar, em Wimbe. créditos: Projeto Prá Frente

Seguimos depois para o centro da aldeia, uma estrada de terra batida longa e larga, certamente a mesma que o jovem tantas vezes fez a pedalar na bicicleta do pai. Tem estabelecimentos variados dos dois lados (mais do que em 2001) e muitas pessoas nas bermas, que nos vão cumprimentando, não muito habituadas a ver estrangeiros por ali.

Antes de chegarmos ao nosso destino, passamos por duas senhoras que enchem baldes com água do poço através de uma bomba manual, e juntamo-nos a um grupo de rapazes que nos convida para um jogo de futebol num campo improvisado de terra.

Entretanto, olhamos para cima e, à altura das árvores, conseguimos distinguir uma torre fina de madeira com 3 retângulos brancos e metade de uma bicicleta no topo. O moinho que William Kamkwamba ergueu há 21 anos, e que inspirou o mundo inteiro, continua ali, precisamente na casa onde o herói cresceu. Agora até tem um “irmão mais novo” ao seu lado, construído mais tarde e que também ajudou a eletrificar a aldeia.

Wimbe
Wimbe A sala de aulas de uma escola de Wimbe. créditos: Projeto Prá Frente

William transformou e continua a transformar o Malawi. É, hoje em dia, um herói local e um exemplo mundial de autodidatismo, força de vontade e resiliência. O rapaz que começou por prender o vento, hoje espalha-o por todos.

Projeto Prá frente

O Projeto Prá Frente foi criado por dois jovens engenheiros, com a intenção de conhecer (e partilhar) uma perspetiva completa do Sudeste Africano, focando-se não só no seu património deslumbrante, mas também nas suas pessoas e naquilo que tem para oferecer para o futuro.

Para saber mais siga o Instagram: @projeto_prafrente