Por Manuel Carvalho

O nosso trajeto pelo Sudeste africano tem alternado frequentemente áreas urbanas e áreas rurais. Ora admiramos a metrópole, a sociedade e a agitação, ora a natureza, a vida selvagem e o silêncio. Depois de termos passado por duas ilhas remotas no centro de enormes lagos africanos, conhecemos uma cidade que consegue combinar um pouco destes dois mundos: Lilongwe, a capital do Malawi.

O Malawi é um país comprido e estreito no sudeste africano, pouco maior que Portugal e sensivelmente com o dobro da população. Não tem ligação ao mar, sendo rodeado pela Tanzânia, Moçambique e Zâmbia, 3 dos maiores países da região. Tem, no entanto, uma enorme zona costeira, já que 20% da sua área é ocupada pelo lago Malawi, um dos maiores do mundo.

O bulício citadino de Lilongwe
O bulício citadino de Lilongwe créditos: Projeto Prá Frente

Lilongwe, a capital e maior cidade, encontra-se no interior do país.

Sendo maioritariamente uma cidade de negócios, turbulenta, quente e algo poluída, Lilongwe não é particularmente procurada pelos turistas, já que estes se dirigem normalmente às praias de água cristalina, junto ao lago. Mas é isso que torna a capital uma experiência malawiana autêntica que não quisemos perder.

Lilongwe faz muitas vezes lembrar as grandes metrópoles africanas que já conhecemos, como Nairobi, Dar es Salaam, Arusha e até, por vezes, o Cairo.

É uma cidade extensa com edifícios que são, na sua maioria, baixos, antigos e em cimento pintado ou chapa metálica. As exceções são algumas sedes de empresas, bancos, embaixadas e grandes centros comerciais, que têm supermercados como o SPAR e cadeias de fast food como o KFC.

As estradas principais são estreitas mas alcatroadas, cruzando-se com troços secundários em terra batida, pelos quais normalmente apenas as motas e os tuktuks se aventuram. No alcatrão, impera, como sempre, um caos harmonioso, com os diversos meios de transporte a coabitar com naturalidade entre eles e com os peões e vendedores ambulantes.

Os passeios são igualmente em terra e ocupados pelos já nossos conhecidos mercados de rua, pequenas bancas de madeira, ou simplesmente panos estendidos no chão. Vendem legumes e fruta a preços muito baixos (para a realidade portuguesa), e tenho de destacar os deliciosos abacates que muitas vezes serviram como snack após o almoço, por poucos cêntimos. Têm ainda enormes valas, que ajudam a escoar a água, embora sem grande sucesso, já que quando chove as ruas quase se transformam em canais. Nesses dias, é preciso caminhar com atenção, principalmente à noite – a principal fonte de iluminação em Lilongwe são as lanternas dos telemóveis.

Lilongwe
Lilongwe créditos: Projeto Prá Frente

O Rio Lilongwe, apesar de dar nome à cidade, é estreito e parece que passa despercebido a quem por ela passeia. Serve, no entanto, de fonte primária de água e é usado diariamente por alguns locais para lavar a roupa e a loiça.

Lilongwe
Lilongwe O rio Lilongwe créditos: Projeto Prá Frente

Para dormir, existem alguns hotéis de luxo e semi-luxo no centro, mas também não faltam as guest houses, distribuídas pela cidade. Oferecem normalmente um pequeno quarto para duas pessoas, com WC e o conforto e limpeza suficientes, que custa menos de 10€ por noite. É ainda comum serem combinadas com um restaurante local ou um bar no edifício ao lado. A melhor tradução que arranjamos para este conceito, que já na Tanzânia era a nossa preferência de alojamento, é mesmo estalagem.

O que tornou então Lilongwe especial para nós?

O inglês de causar inveja que tínhamos encontrado no Quénia (e não tanto na Tanzânia) voltou e está em qualquer estabelecimento da cidade.

Também de volta estão as máscaras, depois de 2 meses na Tanzânia, durante os quais não as precisámos de usar. São agora obrigatórias para entrar em supermercados e lojas maiores.

Nos passeios, e por toda a cidade, para além da venda de fruta e legumes, há pequenas bancas de telecomunicações onde os locais carregam o saldo dos telemóveis. Vende-se ainda (por vezes até nestas próprias bancas) comida em baldes transparentes de plástico. Chamuças, donuts, mandazi (semelhante aos nossos sonhos de Natal) e outros bolos, normalmente fritos, enchem estes baldes e fizeram-nos várias vezes uma refeição, custando 100 kwachas do Malawi (11 cêntimos) a unidade.

Almoçar ou jantar é um pouco mais difícil. Já praticamente não encontramos as bancas de rua, típicas da Tanzânia, com mini-churrascos a carvão e vitrines onde se coloca o que foi cozinhado. Em troca, vamos a restaurantes ligeiramente mais fidedignos, mas igualmente típicos e baratos. Pedimos o prato nacional – nsima com carne e couve.

À saída do restaurante, sai-me por instinto (depois de 3 meses em países Swahili) a palavra “Asante”. Corrijo rapidamente para “Zikomo”, a tradução de “Obrigado” em Chichewa, a língua oficial do país, a par do inglês.

Outra particularidade de Lilongwe que já mencionei, e que se destaca de outras capitais da região, são os espaços verdes.

O centro de conservação de vida selvagem salva e protege espécies ameaçadas ou feridas e vale a pena visitar. Apesar de os animais não se encontrarem temporariamente no centro, aventurámo-nos pelo parque, que é longo e tem vários trilhos pelo meio de floresta densa e riachos.

Um trilho de floresta em Lilongwe
Um trilho de floresta em Lilongwe créditos: Projeto Prá Frente

Na zona central de Lilongwe encontra-se também um enorme campo de golfe, curiosamente doado pela Mota-Engil Malawi.

Passadas 48 horas em Lilongwe, dirigimo-nos à principal estação, desta vez muito parecida com as que temos conhecido na viagem. É um descampado de terra com dezenas de autocarros, ainda mais carrinhas brancas pequenas com destinos para todo o país, e ainda mais locais a perguntarem para onde queremos ir ou a oferecer serviços de táxi e mota-táxi.

Após as habituais negociações, entramos numa das carrinhas por lá estacionadas. Tem já 10 pessoas sentadas e as suas mercadorias, que vão de aparelhos eletrónicos a salsichas. Depois de 2 horas à espera de mais pessoas e mercadorias, que pareciam não caber (mas que cabem sempre), iniciámos outras 5 horas de viagem.

As estradas não são as melhores e o veículo certamente não o mais indicado para claustrofóbicos, mas cumpre a sua função de forma perfeita: levar-nos novamente da civilização para o mundo rural.

Sobre o Projeto Prá Frente

O Projeto Prá Frente foi criado por dois jovens engenheiros, com a intenção de conhecer (e partilhar) uma perspetiva completa do Sudeste Africano, focando-se não só no seu património deslumbrante, mas também nas suas pessoas e naquilo que tem para oferecer para o futuro.

Para saber mais, siga o Instagram: @projeto_prafrente