A dois dias da consoada católica, as mesas de milhares de famílias mistas de muçulmanos e cristãos nos dois países acolhem o Natal, nuns casos como o nascimento do messias, noutros como a vinda do antecessor do profeta.
"Nós fazemos tudo. Tanto as festas muçulmanas, como as festas católicas", afirmou à Lusa a guineense Amina T'Djau, 30 anos, muçulmana, casada com um católico.
No Natal, explicou Amina T'Djau, "fazemos o cozido (bacalhau, com grão e ovo) e doces", numa festa de família que não limita credos.
"Nós comungamos o casamento e entre nós não há muçulmanos e católicos. A nossa filha está em primeiro lugar", explicou Carlos Cá, o marido com 41 anos e católico, enquanto olha para a bebé com sete meses, que não gosta de dormir e prefere estar ao colo da mãe enquanto os adultos conversam.
O futuro religioso da menina já está decidido pelos pais que respondem quase em uníssono que será ela que irá escolher em que acreditar.
"Os meus pais são muçulmanos, mas também não se importaram que eu me juntasse com um católico e até disseram que se quisesse podia também casar na igreja", disse Amina T'Djau.
Do lado oposto do Equador, esta naturalidade de celebrações mistas também se verifica: Heben Sultuane é muçulmano e solteiro, mas admite que festeja o feriado católico.
“Aqui é muito fácil um muçulmano comemorar o Natal” porque Moçambique não é a “Arábia Saudita, onde todos são muçulmanos, e lá praticamente quando chega esta data nada acontece”.
“Aqui acontece o contrário, nós estamos a acompanhar todo o mundo e, por isso, não tem stress, vamos comemorar”, explicou o jovem, filho de uma cristã numa família de tradição e prática muçulmana.
Em dezembro, Heben Sultuane não se veste de “vermelho, como o Pai Natal”, mas a presença do espírito natalício na comunidade contamina: “o vizinho está a comemorar à frente, ao lado, e na minha casa também estão a comemorar. Onde é que eu vou ficar? Então acabo também alinhando”.
A viver em Vilaculos, 700 quilómetros a norte de Maputo, Teófelo Natalício Fumo tem Natal no nome, mas hoje não professa qualquer religião.
O Natal é “um dia reservado para um jantar em família, como a minha mãe me ensinou” e “comemoro mais pelo costume”, explica.
O equilíbrio religioso na Guiné-Bissau e Moçambique tem sido atingido nos últimos anos por um discurso mais radical por parte de alguns líderes.
No caso de Moçambique, o norte do país tem sido palco de ataques reivindicados por movimentos islâmicos radicais, causando centenas de mortos em dezenas de incidentes.
Dos 30 milhões, estima-se que os cristãos (protestantes evangélicos e católicos) sejam o grupo de crentes mais numeroso, seguido pelos muçulmanos.
O domínio político da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) desde a independência acentuou a separação do Estado em relação a qualquer religião.
Por isso, apesar de existir uma Concordata celebrada com o Vaticano, Moçambique mantém abolido o feriado do Natal, substituindo-o por um outro dia festivo, denominado Dia da Família, uma festa ateia que serve para as famílias cristãs celebrarem o nascimento de Jesus Cristo.
Já na Guiné-Bissau, o cenário é diferente e o país é um dos que assinada oficialmente feriados muçulmanos e católicos, num respeito pela fé da população.
Com pouco mais 1,5 milhões de habitantes, a Guiné-Bissau orgulha-se da sua diversidade cultural e religiosa.
Dados indicam que existem 45,1% de muçulmanos, 22,1% de cristãos e 14% de animistas, é por isso comum encontrar homens ou mulheres católicos casados com muçulmanos, que praticam também o animismo.
Nos últimos anos, a proximidade de grupos ‘jihadistas’ no Sahel e no Mali tem-se feito sentir com a presença de alguns elementos radicais e discursos mais exacerbados.
A poucos dias do Natal, mas também da segunda volta das eleições presidenciais no país, o discurso religioso está nas ruas das cidades guineenses.
Já mais à vontade na conversa, Amina T'Djau desabafa se sente incomodada com alguns discursos étnicos e religiosos que têm sido feitos na campanha eleitoral para a segunda volta das presidenciais na Guiné-Bissau, marcadas para dia 29.
"Não estou contente, porque as pessoas são todas iguais e aqui somos todos guineenses", concluiu.
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