[Numa linha de comboio cabe a vida, três vidas (inteiras) vão juntas – tum-tum; tum-tum, faz o coração, faz a carruagem sobre os carris. Sorris. Para trás: todas as histórias que nos constroem e compõem cada partícula dos nossos seres. Sorrimos. Para a frente: o caminho a percorrer, o deserto, o desconhecido – por adivinhar. Que os sorrisos se ganhem fortes e os olhares carregados de amor, como aqui].

O Comboio feito de bambu
O Comboio feito de bambu créditos: Menina Mundo

Não será por acaso que começamos assim, ao ritmo e som de um passeio de comboio, a contar-vos a nossa visita a Battambang, é que este bamboo train é uma das grandes atracções desta que é a quarta maior cidade do Cambodja. E, com uma criança e depois da azáfama dos templos de Angkor, confessámos que percorrer estes trilhos, únicos no mundo, nos marcou mais do que os edifícios coloniais da cidade.

Foi de tuk-tuk que chegámos a O Dambong, de onde partem as velhas carruagens. A engrenagem não podia ser mais rudimentar, cada comboio (norry em Khmer) comporta dois eixos em metal – cujas rodas assentam sobre os carris – e uma moldura de madeira coberta com ripas de bambu, que pousa sobre os eixos. Percorrem-se assim cerca de 20 minutos. Vamos ladeados de verde e com o vento quente que nos toma conta dos cabelos, movendo-os à mesma velocidade do comboio. Parámos em O Sra Lav, os cidadãos tornam-se vendedores-artesãos e das suas casas fazem local de venda.

Mal saímos somos logo abordados por duas crianças, um menino e uma menina, esta última mais entusiasta, ambos trazem a mesma tarefa: vender as pulseiras que fazem. Ela agarra-me a mão e repete, no seu inglês que terá aprendido à custa deste contacto quotidiano com os viajantes (o mesmo que certamente a rouba à escola e a outras aprendizagens):

‘If you buy, you buy me first, I’m number one, promise me’. – Enquanto o dizia agarrava, com o seu, o meu dedo mindinho e repetiu-o até eu confirmar, em gestos e palavras, que sim.

O Comboio feito de bambu
O Comboio feito de bambu créditos: Menina Mundo

Gonha, era o seu nome, aprendeu também a pronunciar os nossos e saímos de lá com três pulseiras:

– São as pulseiras que a menina deu. – Ainda hoje é assim que a Mia se refere sempre que as vê.

Após esta paragem é ver os vários maquinistas – dois a dois – retirarem a estrutura de bambu dos trilhos, para a voltarem a colocar – depois de levantarem, rodarem e voltarem a pousar os eixos de metal e as rodas sobre os carris – agora no outro sentido. E ai vamos nós.

Mais uma voltinha, mais uma viagem! E esta é a mesma técnica que usam quando se cruzarem comboios em sentidos opostos. A simplicidade da estrutura é a solução, um dos comboios é retirado dos trilhos e pousado ao lado, deixando o outro seguir o seu curso. Ganha prioridade o comboio que tiver o maior número de passageiros.

O Comboio feito de bambu
O Comboio feito de bambu créditos: Menina Mundo

A construção de estradas teria facilmente deixado a selva invadir os trilhos até os esconder entre terra e verde, mas a atracção turística em que este bamboo train se tornou salvou-o desse fim.

Apesar da baixa velocidade que pode assumir esta corrida de comboio, os restantes dias foram ainda mais calmos. Tardes de parque, onde andámos de crocodilo, cavalo, galo e ganso. Uma volta pelo mercado Pshar Nath. Passeios pela ruas da cidade, onde conhecemos – em paredes desenhadas: uma cantora com o seu microfone, um sol gigante, um leão que come árvores e as meninas que chegavam da escola. No fim escolhemos um batido-gelado, e três palhas-colher.

Despedimo-nos de Battambang com as mãos de quem confia nos trilhos escolhidos até aqui – mãos estendidas, como a sua mão pequenina, enquanto tenta agarrar as pequenas partículas que a luz do final do dia torna visíveis.

O Comboio feito de bambu
O Comboio feito de bambu créditos: Menina Mundo

Não percam o restaurante White rose, foi quase a nossa cozinha nesta passagem por Battambang.

É em Battambang que se encontra sediada a Phare Ponleu Selpak (PPS), uma instituição sem fins lucrativos que trabalha com crianças carenciadas e vulneráveis, jovens adultos e respectivas famílias, com três eixos de intervenção: escola de artes, apoio social e programas educacionais. Sendo o Circo Phare, que aqui vos contámos, uma das suas vertentes.

Este artigo foi originalmente publicado no blogue Menina Mundo.