Preta, grande – gigante até – com as antenas bem definidas. Ali a passear-se pelo chão, ali, no mesmo chão onde se encontra a nossa mala: aberta, com todas as nossas roupas; ali: mesmo ao lado da nossa cama desfeita, a cama onde dormimos na noite anterior.
– Barata! Uma barata.
– Não?! – diz ele.
– Sim, sim! – respondo. E eu sei que até cobras já vi (como aqui vos contei), mas sempre tive uma aversão a baratas, não consigo simpatizar com elas.
Respiro fundo.
***
Recuemos: um dia. Chegámos a Kuching, a capital do Estado de Sarawak (Malásia Oriental), espalhando-se pelas margens do rio Sarawak, a noroeste da ilha do Bornéu. Kuching significa gato, em malaio. Tem ar de cidade mas na ausência da pressa dos grandes centros cosmopolitas.
Depois de um mês no meio da selva, um mês de trabalho em troca de alojamento e alimentação, Kuching foi uma boa surpresa. Os pés – que trazíamos habituados aos caminhos de terra enlameada pelas águas do Sarawak e da chuva – voltaram a pisar cimento, asfalto. Os olhos – que trazíamos habituados ao verde da selva – voltaram a ver as ruas, os prédios, os mercados, as lojas, cafés e restaurantes e pela carpenter street, uma das ruas mais movimentadas, entre as placas podemos ler: Aladin coffee; Wrong place… O rio, sempre presente no último mês, aqui também nos faz companhia. É pela margem dele que nos passeamos: ela, sempre na dianteira, de vestido de boneca, mochila às costas e balão na mão.
Os passeios à beira rio fizeram as nossas tardes e todos pareciam ir dar à mesma rotunda: no centro uma escultura de gatos – a Cat Status -, ponto de paragem obrigatória para todos os visitantes que quisessem anunciar a passagem pela cidade, sem usar a palavra que a diz.
Vemos uma placa que faz alusão a um cinema. Pensámos que seria divertido uma ida ao cinema em família – seria a primeira sessão de cinema da Mia, aqui, no lugar dos gatos. Entrámos numa espécie de centro comercial, vazio de gente, de lojas, sem qualquer movimento; com sorte encontrámos o elevador que anunciava o cinema no último piso. Subimos. Olhamos o cartaz: sem qualquer animação infantil. Só dois filmes de ação estavam a ser exibidos naquele momento. Não perdemos a viagem, guardámos na memória: menos a degradação e decadência do espaço e mais a vista sobre a cidade, daquele último piso.
Já pelas ruas, íamos contemplando os murais de onde apareciam gatos que repetiam muitas vezes o nosso tamanho, e até havia bicicletas que surgiam, em traços fortes, da parede.
– Vamos andar?
– Não é uma bicicleta a sério, Mia, não funciona.
– Funciona, mamã, andamos de conta [é assim que ela diz faz-de-conta].
E foi assim, fizemos de conta, subimos para a bicicleta, fechamos os olhos, sentimos o vento na cara e regressamos à mesma rua, com uma bicicleta na parede, estávamos na cidade dos gatos.
***
E da barata, ainda querem saber?
Tínhamos ficado naquele momento em que eu respirava fundo.
Mas, aqui entre nós, não consegui pensar em nada que não fosse imaginar, várias delas, assim: pretas, grandes e estaladiças, a passear no escurinho da nossa mala, entre cada peça de roupa.
Era tarde, quase noite, íamos sair para jantar e voltar para descansarmos… ou eram estes os planos até uma simples barata aparecer.
Desfizemos a cama, pousámos a Mia lá, desfiz a mala e revistei – a medo – cada peça de roupa – uma a uma. Ponderei dormir ali, fechei os olhos… não aguentei mais de uns minutos. Privilegiamos hotéis pequenos em detrimento das grandes cadeias hoteleiras, parecem-nos sempre melhor opção, mais acolhedores, vantajosos para a economia local… mas não consegui, era demasiado recorrente a imagem de baratas gigantes a percorrer-nos o corpo no escuro da noite. Trocámos de hotel nessa mesma noite. Dormimos.
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Se estiverem em Kuching não percam o Parque Nacional Bako e a Aldeia Cultural de Sarawak. É sobre eles que vos vamos falar nos próximos posts e, acreditem, nunca tínhamos visto nada assim.
Este artigo foi originalmente publicado em Menina Mundo.
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