A cozinha marroquina é rica em sabores e em misturas inesperadas, e combina as tradições berberes com as influências da culinária mediterrânica do sul de Espanha e de França. Nela encontramos também muitos pontos em comum com a nossa própria cozinha, como o uso recorrente do azeite e das azeitonas, dos coentros e da salsa, do alho e da cebola, das frutas e legumes que consumimos desde sempre – o limão, a laranja, a ameixa, a cenoura, a batata. As diferenças ficam sobretudo por conta dos temperos, onde os cominhos são rei e o ras el hanout (o tempero mais típico da culinária magrebina) consegue o prodígio de poder juntar até cem especiarias diferentes, embora a sua base tradicional seja composta por bastante menos: sal, cominhos, gengibre, açafrão, canela, pimentas várias e cravinho, tudo moído, a que se junta alho esmagado.

Sacos de especiarias em Marraquexe
Sacos de especiarias em Marraquexe créditos: Ana C. Borges

É portanto fácil de perceber que em Marrocos se come geralmente bem em todo o lado, mesmo que nalgumas zonas do país os restaurantes ofereçam menos variedade de pratos do que nas cidades maiores.

Mas é precisamente sobre uma dessas cidades maiores que quero hoje falar. Ou melhor, sobre um restaurante específico numa dessas cidades: o restaurante da Amal, em Marraquexe.

A bem da verdade, a Amal não tem um mas sim dois restaurantes, mas foi no que fica na zona de Gueliz que eu almocei. Situado num bairro relativamente moderno da cidade, perto do hospital (e mais ou menos a 15 minutos a pé dos famosos Jardins Majorelle), não tem o glamour de alguns restaurantes da Medina, nem a vista privilegiada dos que rodeiam a praça Jemaa el-Fna, mas a comida é verdadeiramente boa – muitos furos acima da que é servida na maioria destes restaurantes mais frequentados, e com preços até mais razoáveis.

O restaurante da Amal, em Marraquexe.
A esplanada do restaurante da Amal, na zona de Gueliz, em Marraquexe. créditos: Ana C. Borges

O ambiente é informal e despretensioso, mas nota-se bastante cuidado nos pormenores. Nós almoçámos na esplanada, bem protegida do calor por toldos e árvores e com um muro alto de arbustos a fazer a separação da rua, com mobiliário de ferro e mosaicos de cores alegres, muito à maneira marroquina.

O serviço foi rápido e atencioso, apesar de já termos ido um bocado fora da hora de ponta dos almoços (ou talvez por isso mesmo). O menu não é muito extenso e varia de dia para dia, mas oferece um leque de escolhas variado quanto baste. E, sobretudo, a comida é deliciosa, em quantidade suficiente, e não descuram a apresentação dos pratos. Escolhemos dois tipos de salada, nems de frango e sardinhas recheadas, e bebemos sumos de fruta. Em Marrocos os sumos naturais são normalmente mais baratos do que a água engarrafada – sobretudo o de laranja, mas também o de romã e a limonada – e são todos muito bons.

Refeição no restaurante da Amal, em Marraquexe.
Dois tipos de salada, nems de frango e sardinhas recheadas créditos: Ana C. Borges

E agora, a cereja no topo do bolo. Repararam que tenho escrito “a Amal”? É que a Amal (cujo nome significa “esperança” em árabe) é muito mais do que só um lugar onde comer: é uma associação não lucrativa que apoia mulheres desfavorecidas. Criada em 2012 por Nora Fitzgerald Belahcen, uma americana-marroquina que cresceu neste país, a Amal oferece cursos de formação na área da hotelaria e restauração a raparigas e mulheres que se encontram em situações de vida difíceis e precisam de adquirir conhecimentos e prática para entrarem no mercado de trabalho. São na sua maioria jovens com baixo ou nenhum rendimento e com um estatuto social e/ou familiar complicado – órfãs, viúvas, divorciadas ou mães solteiras. Além das áreas temáticas habituais da indústria hoteleira, os cursos proporcionam-lhes conhecimentos de higiene, segurança, francês e inglês, entre outros. Após um curso de seis meses, as formandas fazem um estágio e a associação encontra-lhes trabalho, para que possam ser financeiramente independentes. Os cursos são completamente gratuitos e durante esse tempo as despesas para a subsistência das formandas são suportadas pela associação.

O suporte financeiro da associação é fornecido não só pelas receitas dos dois restaurantes mas também pelos outros serviços que prestam: aulas de culinária e pastelaria a particulares ou grupos, e catering para eventos.

Podem encontrar todas as informações sobre a Amal e o seu projecto (incluindo os horários e localização dos restaurantes) neste site.

E se a ocasião se proporcionar, vão até lá. Afinal, viajar também pode servir para ajudar boas causas.

A Ana é a autora do blogue Viajar porque sim, onde uma versão deste artigo foi publicada originalmente, e escreve segundo as normas do antigo Acordo Ortográfico.