Neste prazer de flanar, recordei o poema “Romance de Dubrovnik”* de David Mourão-Ferreira, e pensei em como ele substitui na perfeição e por completo a crónica escrita há dias…

Nesta despedida, em que todas as palavras foram sabiamente esgotadas pelo poeta, passamos o restante tempo em Lapad, para recarregarmos baterias até ao nosso próximo destino, agora pelos céus. Entre banhos de sol e mar na Sunset Beach, boa comida e uns cocktails no ímpar Cave Bar More (situado numa gruta sob o hotel More, que pode ser alcançada por elevador através do hotel ou por escadas através do túnel), deixamos este apaixonante país e o nosso fiel Renault Clio que nunca nos falhou nos 2300 quilómetros percorridos...

Numa conversa bem-humorada com o Viajante Ilustrador sobre esta aventura, partilhei como achava curioso o facto de a viagem ter começado em Zagreb, onde existe o Museu das Relações Terminadas, e culminar em Dubrovnik, onde, por sua vez, existe o Museu de Histórias de Amor. Quiçá o roteiro certo para todos aqueles que querem ou precisam de (re)começar a ter a disponibilidade para o (verdadeiro) amor.

- Os MacGyvers do Amor! – brinca ele.

*São estas casas de cinza
De cinza petrificada
É como se aqui a vida
tivesse jogado às cartas
e só a morte saíra
ganhando em cada jogada
É esta rua comprida
mas que se chama Platza
(embora em eslava grafia
se escreva apenas Placa)
e que na Ragusa antiga
já dois mundos separava
De um lado terra latina
e do outro terra bárbara
São as verdes gelosias
são as muralhas douradas
a segredarem que a vida
se inda quisesse ganhava
É agora ao meio-dia
a Porta Pile empilhada
E são cachos de turistas
trepando pelas muralhas
tirando fotografias
contudo não vendo nada
São fileiras de boutiques
São cafés sob as arcadas
É tudo a fingir que a vida
não se dá por derrotada
É no porto a maresia
quando mais avança a tarde
incrustada em cada esquina
suspensa de cada iate
Mas das naves bizantinas
é que ela sente saudades
e das galeras esguias
que Veneza lhe enviava
se bem que tal nostalgia
inda hoje a sobressalte
Nenhum sabor tem a vida
se a morte a não acicata
E são argolas vazias
as que há no porto à entrada
e de onde outrora pendiam
correntes sempre de guarda
Quem aliás adivinha
as marítimas estradas
que deste porto saíam
que neste nó se cruzavam
Com certeza agora vivem
na tinta azul de outros mapas
Ou permanecem cativas
Ou ficaram bloqueadas
São em redor tantas ilhas
tanta rocha tanta escarpa
tantas flutuantes ravinas
Mas quando a noite se abate
não são mais do que faíscas
no mar de prata lavrada
E já a Lua surgia
na sua rica dalmática
Nem mais a preceito vinha
do que no céu da Dalmácia
Será que o fulgor da vida
vem da morte iluminada
Subo ao monte Zarkovica
(Na língua serbo-croata
deve ler-se Djarkovitza)
e à sombra desta latada
bebo um copo de mastika
olho de novo a cidade
Ó memória empedernida
de uma divina morada
Ó ferradura de cinza
de algum cavalo com asas
Ó mediterrânea figa
mais propriamente adriática
que foi feita por Posídon
e no litoral deixada
O que a morte à vida ensina
através dos deuses passa
Mas não é só nas ruínas
que fica a sua pegada