Mariana Batalha seguiu para a Índia e para o Sudeste Asiático com o propósito de iluminar e ser iluminada por aqueles com quem se cruza nestes sete meses de viagem. Focar-se-á no seu desenvolvimento pessoal enquanto pretende ser inspiração para mais jovens realizarem sonhos como o dela. Publicamos hoje o seu relato de viagem pela Índia. Podem seguir as viagens da Mariana através do Instagram @girassol_giraterra.
O fascínio de Deli: Entre o caos e a magia
Foi em Deli que senti, pela primeira vez, o pulsar da Índia. A cidade recebeu-me com sons vibrantes, aromas intensos e cores que pareciam dançar no ar. A cada esquina havia uma descoberta: as músicas dos vendedores que ecoavam pelas ruas, o aroma das especiarias, os templos que pareciam respirar história e o chai quente que envolvia cada momento com doçura.
Se Deli é confusão ou é magia fica ao critério de cada um, mas para mim é uma fusão única de caos entre os dois. Em algumas partes, o movimento e o barulho são quase avassaladores, mas há também uma harmonia escondida nesse turbilhão. Bastava sentar-me num canto qualquer e observar: crianças faziam acrobacias com a destreza de artistas de circo, enquanto trabalhadores carregavam pesos com uma serenidade invejável. O olhar das pessoas dizia tanto — um misto de cansaço e serenidade, como se carregassem nos olhos a história de séculos.
Entre os muitos lugares que explorei, um dos mais marcantes foi o Gurudwara Sis Ganj Sahi, um templo com que me cruzei em Old Deli. Deixei os meus sapatos à porta, cobri a cabeça com um lenço, lavei os pés e entrei.
O interior do templo era de uma beleza serena: mármore branco decorado com detalhes dourados, carpetes macias a cobrir o chão e uma atmosfera de tranquilidade.
O que mais me impressionou foi a cozinha comunitária do templo. Voluntários trabalhavam incansavelmente, dia e noite, a preparar refeições para quem precisasse. Grandes caldeirões ferviam, enquanto grupos de pessoas descascavam legumes e amassavam massa com uma dedicação contagiante. Era impossível não sentir a energia de bondade e solidariedade.
Deli também me levou ao maior mercado de especiarias do mundo, o Khari Baoli. As ruas estreitas estavam repletas de sacos gigantes de especiarias, com cores e aromas tão intensos que pareciam tomar conta dos sentidos. Alguns cheiros eram tão fortes que me fizeram tossir e até lacrimejar, mas a experiência foi inesquecível.
O que eu não esperava é que mesmo no meio de tanta agitação, Deli guardasse recantos de paz, com lindos jardins, sendo uma das capitais com maior diversidade de aves do mundo inteiro.
Tive essa sensação no Lodi Garden, com os seus jardins exuberantes e antigos túmulos. Senti um descanso de todo aquele movimento incessante que me tem acompanhado no meu dia-a-dia.
Não muito longe do jardim, encontrei um bairro repleto de grafites vibrantes: o Lodhi Art District. Lá, pude caminhar calmamente, ouvindo a minha música e apreciando a arte nas paredes. E estes são só dois exemplos de vários onde senti uma incrível harmonia nas ruas desta cidade.
Deli revelou-se um microcosmo da Índia, com todas as suas contradições e belezas. É uma cidade onde caos e harmonia coexistem de forma surpreendente. Cada canto conta uma história, cada rosto reflete a resiliência de uma cultura multifacetada. No final, Deli ensinou-me que a verdadeira essência de uma cidade não está apenas nos seus pontos turísticos, mas nas pessoas que a vivem.
Pushkar: O coração espiritual da Índia
Após alguns dias de agitação na capital indiana, o meu próximo destino foi Pushkar, um dos locais mais sagrados para os hindus. Chegar a esta pequena cidade foi como entrar num universo paralelo, onde a espiritualidade permeia cada momento. No coração de Pushkar está o lago sagrado, rodeado por 52 ghats (escadarias) que acolhem rituais de purificação e oração.
Passei cinco dias em Pushkar e tive a sorte de presenciar dois grandes eventos: a famosa Feira de Pushkar e o Kartik Purnima Snan (o dia mais auspicioso do calendário Hindu). Logo no primeiro dia da feira, deparei-me com camelos decorados com colares de contas, sinos e pinturas corporais que exibiam a rica tradição do Rajastão. Era como se a cidade inteira tivesse sido transformada numa tela viva de cores e texturas.
Um dos momentos mais curiosos foi assistir à competição de bigodes, uma celebração única da cultura local. Para os homens do Rajastão, os bigodes longos são um símbolo de orgulho e status. Foi fascinante observar os participantes, todos vestidos com trajes tradicionais, exibindo os seus sorrisos confiantes.
Ao longo do decorrer da feira, assisti à chegada de milhares de peregrinos a Pushkar para a cerimónia que tomava lugar no último dia da feira, durante a lua cheia. Estas pessoas encheram as ruas de cores, espiritualidade e olhares profundos. Passei as minhas tardes a observar cada uma delas e limitei-me a emergir nesta aura de espiritualidade.
No próprio dia do Kartik Purnima Snan, vi milhares de peregrinos a banharem-se nas águas sagradas do lago. Diz-se que este ritual purifica a alma e atrai bênçãos divinas. Após o banho, flores, lâmpadas de óleo e alimentos eram oferecidos aos deuses, enquanto sacerdotes conduziam orações e rituais de fogo. Juntei-me à multidão, observando em silêncio, sentindo-me parte daquela atmosfera única que representava esperança, paz e o triunfo da luz sobre as trevas.
Pushkar é mais do que um destino; é uma experiência que desperta os sentidos e a alma. Entre os rituais à beira do lago e a energia vibrante da feira, encontrei uma espiritualidade que é impossível de ignorar. Foi em Pushkar que percebi que, para muitos, a fé é uma ponte entre o visível e o invisível, entre o presente e o eterno.
Jaipur: O poder da conexão no voluntariado
Por fim, cheguei a Jaipur, a cidade cor-de-rosa, onde fiz o meu primeiro voluntariado. Passei alguns dias a ajudar crianças autistas num centro local, um projeto que nasceu de uma história profundamente inspiradora.
O centro foi criado por um casal local que teve uma filha autista. Esta experiência levou-os a abraçar uma missão de vida: ajudar outras crianças com o mesmo desafio a desenvolver as suas capacidades e a integrar-se melhor no mundo. Este compromisso tocou-me profundamente, pois mostrava como o amor e a dedicação podem transformar vidas.
Viver com um local durante a estes dias foi uma experiência em si. Todas as manhãs, eu e outro voluntário, acordávamos cedo, tomávamos um pequeno-almoço simples e caminhávamos até ao centro, por ruas movimentadas onde vacas e obras coexistiam com a mesma naturalidade que entretanto experienciei nas outras cidades onde já estive. No centro, ajudávamos as crianças em várias atividades — desde ginástica a trabalhos manuais como pintura e colage. O objetivo era ajudá-las a desenvolver competências motoras e emocionais, mas, na verdade, quem mais aprendeu fui eu.
Houve um momento que ficou especialmente marcado na minha memória: um dia em que levámos as crianças para jogar críquete numa mata. A alegria nos seus rostos era contagiante. Apesar das barreiras linguísticas, percebi que a comunicação vai muito além das palavras. Era nos gestos, nos olhares e nos sorrisos que encontrávamos a nossa linguagem comum. Cada sorriso, cada gesto, cada olhar partilhado era comunicação. Percebi que a conexão é universal mesmo quando a voz é silenciosa, porque o amor , a compreensão e a paciência falam mais alto que qualquer outra coisa. No mundo destas crianças encontrei simplicidade, honestidade, e uma magia que é muito fácil de perder no nosso dia-a-dia.
Esta viagem pela Índia tem sido uma jornada de descoberta, não apenas de lugares, mas também de pessoas e de mim mesma. Deli mostrou-me a riqueza da diversidade; Pushkar, a profundidade da fé; e Jaipur, o poder da conexão humana. Cada momento vivido foi uma peça de um puzzle que continua a revelar-se, e levo comigo não apenas memórias, mas também as aprendizagens que tive apenas num par de semanas, mas que já transformaram a forma como vejo o mundo.
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