João Perre Viana criou as Walking Mentorship, um conceito que o levou vários anos a preparar. Apoiado por pesquisas e centenas de passeios com a família, amigos e amigos dos amigos, João começou a promover estas caminhadas que levam os participantes a ter um contacto direto com a natureza com base numa filosofia de autoconhecimento.
Aqui, conta-nos em primeira pessoa, uma das muitas caminhadas que já fez, em jeito de partilha, com os seus filhos. O percurso escolhido foi a Via da Prata, com partida em Ourense, na Galiza, com destino a Santiago de Compostela. “No mapa foram apenas 120km, dentro dos nossos corações, creio que ainda não parámos de andar”, refere João.
"Queria viver coisas com significado. Ter conversas que nunca tinha tido com os meus filhos"
Aos 38 anos de idade não pensamos se temos pouco tempo para dedicar aos filhos. Temos sempre tanta coisa a acontecer que o objectivo às vezes fica por aí mesmo. Gerir o que está a correr na frente dos nossos olhos da melhor forma que conseguimos.
O meu nome é João e desde muito novo habituei-me a colocar todo o meu entusiasmo em tudo o que faço. Como consequência, quando não sabemos desacelerar acumulamos um enorme desgaste físico.
Os dias são sempre muito compridos e deixam pouca disponibilidade mental para pensar no que realmente queremos fazer. Além disso, o tempo não para e quando paramos para o tentar agarrar corremos o risco de nos assustar. E foi exatamente isso que me aconteceu.
Em meados de julho de 2011 pensei que seria interessante levar os meus dois filhos mais velhos, a viver uma experiência de verão mais autêntica e com o potencial de ser um momento único entre nós.
Comecei por pensar que seria quase irrelevante o que viéssemos a fazer desde que pudéssemos estar verdadeiramente juntos e sem muitos outros estímulos que dispersassem a nossa atenção.
Queria viver coisas com significado. Ter conversas que nunca tinha tido com os meus filhos. Queria abrir as horas do dia e colocar lá dentro o melhor de nós. Acho que também tinha a necessidade de confirmar que a nossa relação era única e especial. E isso iria exigir toda a minha atenção.
Desde muito novo que tenho o gosto pela prática da caminhada. Primeiro em família e, mais tarde, no escutismo e em grupos de jovens. Sempre vi no ato de caminhar a forma de estar em equilíbrio com a natureza e comigo mesmo. É mais fácil pensar e articular as palavras. Sabia também que após alguns dias na estrada, tudo o que fazemos está envolto na mesma dinâmica, independentemente do ritmo de que cada um, é sempre passo a passo.
E foi assim que nos lançámos aos caminhos. Decidimo-nos por fazer a Via da Prata. Com partida em Ourense na Galiza, percorremos durante cerca de seis dias a distância até Santiago de Compostela. No mapa foram apenas 120km, dentro dos nossos corações, creio que ainda não parámos de andar.
No primeiro dia, lembro-me que após fazermos os primeiros 500 metros a andar, o meu filho mais novo, o Santiago na altura tinha 8 anos, pediu-nos para parar e disse que estava cansado. Adorava de ver a minha cara se alguém me tivesse tirado uma fotografia.
Sentámos junto a uma ponte e bebemos um sumo de pacote. E pensei no fundo do meu coração, onde é que estava com a cabeça quando tive esta ideia.
Como sabemos, as dificuldades da vida, parece que trazem algo mais dentro delas para além do que conseguimos ver. Este caso não foi exceção. O Mateus, que na altura já tinha 11 anos, perguntou-me se eu não podia contar uma história. Podia ser que os ajudasse a andar melhor.
Uma história durante seis dias? Pensei eu. Embora me considere uma mente criativa, este desafio parecia ser muito além das minhas capacidades. Ou talvez não.
As minhas ideias iniciais de conversar sobre o sentido da vida, teriam de ser rapidamente substituídas por algo mais terreno e de preferência divertido. Puxei pela cabeça e só me ocorreu pensar nos verões intermináveis que tinha vivido na minha adolescência, junto à costa Atlântica, na pequena aldeia que dá pelo nome de Azenhas do Mar.
E assim fomos. Relembrei-me dos nomes de todos os meus amigos e dos outros que viviam na aldeia seguinte e competiam pelas mesmas namoradas.
Subimos as serras que ladeiam a cidade de Ourense ao som de um verão longínquo, e que quilometro a quilometro se fez cada vez mais próximo.
Esta foi sem dúvida uma etapa inesquecível, uma espécie de primeiro ato de uma história que continua a produzir efeitos dentro do meu coração e no meu dia a dia. Entre as lições e imagens que recolhi ao longo da nossa jornada, partilho as que mais me marcaram.
A condução de um pequeno grupo
Apercebi-me que de quando em vez tinha de seguir na frente do grupo. Literalmente tinha de agarrar na corda invisível que une pais e filhos e dava um valente esticão. Outras vezes iam os dois mais novos na frente com a sua cadência e eu limitava-me a empurrar de mansinho para garantir que chegávamos aos albergues de peregrinos a tempo de encontrar três camas, local para comer e toda a restante logística que envolve uma experiência deste género.
O poder do silêncio e das palavras
A sensibilidade que se ganha ao caminhar ao lado de outra pessoa, permitiu-me perceber que existem momentos que o melhor que podemos fazer é estar calado e deixar o silêncio falar dentro de cada um e em redor do grupo. Geralmente este tempo acontece no início e nos finais do dia. Creio que a mistura dos sons, luz e energia que emana da natureza torna mais fácil perceber essa necessidade.
Existem também momentos em que as palavras são como um combustível poderoso. Dão força à mente, aos músculos e fazem-nos desligar das limitações que o corpo nos quer impôr. Durante a nossa semana de caminhada, a minha versão pessoal de um verão azul foi o antídoto diário para vencer o cansado e partilhar algo de mim que continuará a viver no coração dos meus filhos.
O idioma mais falado no mundo é o Amor
Ao final de alguns dias de caminhada, se existem pessoas na estrada com um ritmo semelhante ao nosso, acabamos por nos cruzar com regularidade. A Via da Prata é considerada o parente pobre dos Caminhos de Santiago, tendo muito menos peregrinos que qualquer outra rota.
No entanto, desde o primeiro dia, fomos acompanhados pelo ritmo de quatro professores Espanhóis. Desde o início eles ficaram encantados com os dois pequenos peregrinos e numa mistura de idiomas comunicavam o melhor que podiam, tanto na estrada como nos Albergues onde parámos, mas no último dia antes de chegar a Santiago de Compostela acabámos por nos perder.
Ao chegarmos às portas da catedral fizemos o que todos os peregrinos fazem. Quando me preparava para fazer uma fotografia dos dois rapazes, eis que o grupo de professores Espanhóis apareceu por trás do cenário e eu pude presenciar um dos momentos mais lindos da nossa semana. Não foi fácil conter as lágrimas, na verdade, foi maravilhoso deixá-las sair.
Faz um bom plano mas depois deixa a vida acontecer
Como qualquer Pai ou Mãe responsável, ficamos preocupados com as inúmeras variáveis que sabemos ter de gerir quando estamos com os filhos fora de casa. Onde comer, onde dormir, quem anda por perto, etc.
Devo, no entanto, dizer que os momentos mais divertidos e com maior significado foram aqueles que não faziam parte do plano inicial. Partilho um deles que ainda hoje me sinto agradecido.
Num dos dias mais longos que tivemos pela frente, o Mateus e o Santiago pareciam ter um “buraco” no estômago. Estavam constantemente esfomeados. Entre duas povoações que eu sabia terem locais para comer, os meus compinchas obrigaram-me a desviar a direção e seguir um sinal de um Pazo do século XVI que prometia ter comida, mas também um Spa e um hotel de luxo. Na verdade, os meus filhos ajudaram-me a descobrir um dos locais mais espectaculares de todo o trajeto da Via da Prata, O Pazo Bendoiro. Esta inesperada descoberta, é hoje paragem obrigatória com os meus grupos de mentoria em caminhada.
É curioso, pois já em 2011 havia dentro de mim um desejo muito grande de descobrir o que seria possível fazer com as peças do puzzle que tinha recolhido ao longo da vida. Esta viagem com os meus filhos mais velhos foi, sem dúvida, um enorme contributo para criar o Walking Mentorship.
Comentários