Apesar de ser um verde vibrante que rodeia a montanha, é conhecida por Montanha Blue, porque azul é a cor que se vislumbra quando se olha para ela à distância, e John Crow em homenagem a uma espécie de abutre que ali vive.

O pico da Montanha Blue, aos 2256 metros de altitude, é o ponto mais alto da Jamaica. Mais do que altura, impressiona a área que esta cadeia montanhosa ocupa: 495 quilómetros quadrados, o que equivale a 4,5% da área deste país conhecido pelas suas praias paradisíacas.

A contrastar com a capital e com as zonas balneares, aqui tudo é verde, silencioso e fresco – literalmente, porque as temperaturas podem chegar aos 13 graus, o que é raro neste país quente e tropical.

“Temos muito mais do que praia, há muito para mostrar”, afiança David Walters, responsável pelo Parque Nacional no JCDT, o Fundo de Desenvolvimento e Preservação da Jamaica, criado em 1988 para proteger o ambiente.

Na montanha há mais de 15 km de trilhos divididos pelas encostas. Além dos trilhos, há alojamento, campismo, um café e restaurante e outras atividades promovidas pelo parque recreativo Holywell. Situado numa das encostas da montanha, os turistas procuram-no por diversos motivos. “Os estrangeiros normalmente vêm para caminhar, observar aves, ou alguns trilhos temáticos, como o do café, sobre os famosos grãos plantados na Montanha Blue; já os jamaicanos preferem ficar mais descansados e aproveitar a área de piquenique”, conta David Walters. Contudo, com as restrições impostas pela pandemia, “os locais, principalmente os mais jovens, começam a interessar-se mais por atividades ao ar livre”.

Para este jamaicano, formado em Geografia e Gestão de Recursos Naturais, o Turismo é ainda uma novidade. “A JCDT é uma organização de preservação da natureza, estamos a aprender turismo agora, somos ambientalistas, cientistas, etc. não temos os profissionais de Marketing que as empresas turísticas têm para conseguirmos chegar aos turistas”, conta David. Mas as coisas estão a mudar.

David Walters, responsável pelo Parque Natural da JCDT
David Walters, responsável pelo Parque Natural da JCDT © Bárbara Gouveia

Num país em que a indústria de turismo de massas, em que resorts e cruzeiros monopolizam as atividades de lazer, mostrar esta montanha e as suas atividades nem sempre é fácil. A JCDT tem feito parte do Big Up Small Business, promovidos pela TUI Care Foundation e pela Travel Foundation, para ajudar a desenvolver estas empresas mais pequenas e com tanto a oferecer.

A uma hora de carro de Kingston, quem visita estas montanhas parece que deixou todas as cidades para trás. Há trilhos para fazer – o mais pequeno tem 350 metros e o maior tem 1,3 km –, pequeno para os padrões europeus, mas desengane-se quem possa pensar que é uma atividade aborrecida. A biodiversidade é abismal.

Para quem se quiser aventurar e andar um pouco mais, é possível chegar ao pico da Montanha Blue através de um trilho de 9,3 km, que começa aos 2.256 metros de altitude. Recomenda-se que seja feito durante a noite e estima-se que demore quatro horas.

Caminhar é mesmo a melhor forma para se deixar envolver pela montanha e apreciar a sua fauna e flora: neste parque há mais de 200 espécies de aves, 31 endémicas e muitas outras visitantes. “Umas vivem de um lado da montanha e outras de outro” – incluindo o raro melro-preto-jamaicano.

Parque Nacional Holywell
No Parque Nacional Holywell há mais de 700 espécies de fetos © Bárbara Gouveia

Além das aves, vivem neste parque algumas das maiores borboletas do mundo, cobras e pequenos roedores endémicos. Há árvores coloridas e nomes surpreendentes, como Lábios Quentes ou Árvore do Leite, mas de animais de grande porte ou venenosos, nada a temer: não há surpresas dessas dentro no parque. Todos estes detalhes são indicados por Jerome Gilbert, um dos guias que acompanha os turistas pelos trilhos da montanha.

Apesar de estarem a tentar crescer nas receitas turísticas, a preservação da natureza é o principal foco deste parque natural. “Nos últimos dez/quinze anos muito mudou, já não vemos tantos melros-pretos-jamaicanos como víamos”, lamenta David, que ao mesmo tempo que explica o impacto que nota no ambiente, conta o que está a ser feito. Há programas de reflorestação, de educação ambiental e de prevenção. “Há rangers que patrulham diariamente o parque, para prevenir o corte de árvores, o início de fogos, e evitar também a caça aos pássaros – é uma atividade recreativa permitida por lei na Jamaica, mas dentro do parque natural não é permitido. Apesar disso, temos de lidar regularmente com esta situação”, explica o responsável.

“Não temos problemas ambientais sem problemas sociais", David Walters

E é a pensar também na Natureza, que há programas educacionais em curso, com as comunidades locais. “As pessoas trabalham na agricultura e noutras atividades extrativas ou intensivas e tentamos que se afastem dessas atividades e que se dediquem à agricultura e ao turismo sustentável”, continua David, também ainda a desenvolver esta vertente dentro do próprio parque. O objetivo é também contribuir para que “as pessoas se envolvam com a natureza e que a apreciem, de forma a apoiarem a sua preservação, cultura e também história”.

As montanhas que guardam a história de um povo que lutou pela liberdade

Não foi por acaso que a UNESCO classificou estas montanhas como património cultural. Este território guarda a história da resistência do povo Maroon, as pessoas que foram escravizadas e levadas da costa oeste de África para a Jamaica, primeiro colonizada pelos espanhóis e depois pelos ingleses.

Completamente à parte da sociedade jamaicana, os maroons continuam a viver de forma autónoma com a própria língua, gastronomia e cultura, muito marcada pela música. A montanha protege até aos dias de hoje a luta da libertação de um povo.

Estima-se que o comércio transatlântico de pessoas escravas tenha levado mais de 600 mil pessoas para a Jamaica, entre 1533 e 1807, ano em que a escravatura foi abolida.

Rainha Nanny dos Marrons

A Moore Town foi fundada em 1739 pela Rainha Nanny – heroína do país e a líder espiritual e militar dos Maroons. Natural do Gana, foi capturada ainda em criança e levada para a Jamaica pelos ingleses. Trabalhou numa plantação e juntou-se às rebeliões que conduziam os fugitivos para o interior da ilha. Esta comunidade era conhecida por voltar às plantações para libertar mais pessoas. A tradição oral conta que Nanny terá libertado muitas centenas de pessoas e foi declarada heroína nacional pelo governo jamaicano em 1976. É celebrada e festejada até ao dia de hoje.

Durante este tempo de colonização, muitos conseguiram sair das plantações e criaram pequenas povoações, rotas e esconderijos. Eram mestres da camuflagem, usavam a montanha para se esconderem e os segredos das ervas para seu proveito. Por exemplo, as folhas da árvore-sabão eram esfregadas nos corpos.

Enquanto se escondiam entre as folhagens, os britânicos passavam e não viam nem conseguiam encontrar ninguém, os Marrons lançavam pedras e os britânicos não percebiam de onde vinham. Começam a dizer que eram espíritos ou fantasmas”, conta Jerome Gilbert, enquanto esfregava as folhas que libertavam espuma como se fosse sabão.

Na defesa da liberdade, aos africanos que fugiram das plantações juntaram-se também os Tainos, o povo indígena que habitava a ilha, e juntos fizeram da montanha a sua casa. Foram os primeiros guardiões da floresta e estabeleceram comunidades. Algumas podem ser visitadas com guia, inclusive a Moore Town – na Lista do Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO desde 2008.

Jamaica
Escultura intitulada “Redemption Song” na entrada do Jardim da Emancipação em Kingston © Bárbara Gouveia

Entre a colonização espanhola e britânica, revoltas, assentamentos e acordos, alguns membros desta população acabaram por se misturar com os colonizadores e a população foi diminuindo. Outros foram “deportados” para Freetown, capital da Serra Leoa, e para onde foram encaminhados pelos ingleses com receio de rebeliões.

Ainda hoje pela Jamaica, sente-se no discurso do povo a importância dos ancestrais, das raízes e de África como a terra-mãe. Os marrons são símbolo de resistência de um povo que foi oprimido, e as Montanhas Blue e John Crow guardam e protegem a sua história.

O SAPO Viagens foi até à Jamaica a convite da TUI Care Foundation.