Reportagem: Levi Fernandes / AFP

"Aqui podemos salvar nossa música", diz Ramiz, um músico afegão que fugiu do país depois do governo Talibã assumir o poder em 2021 e foi acolhido no norte de Portugal, ao lado de outros estudantes do Instituto Nacional de Música do Afeganistão.

"A nossa esperança é um dia poder voltar ao Afeganistão e mostrar que a nossa música não morreu", contou à AFP o jovem de 19 anos, apoiando sobre os joelhos o rubab, um instrumento tradicional de cordas.

Ramiz é um dos 58 alunos do Instituto Nacional de Música do Afeganistão, com idades entre 13 e 21 anos, instalados nas cidades portuguesas de Braga e Guimarães.

Instituto Nacional de Música do Afeganistão em Portugal
Instituto Nacional de Música do Afeganistão em Portugal Ramiz é um dos estudantes que está em Portugal créditos: Patrícia de Melo Moreira / AFP
Músicos afegãos quebram o silêncio em Portugal
Músicos afegãos quebram o silêncio em Portugal Ramiz mostra o seu instrumento, o rubab créditos: Patrícia de Melo Moreira / AFP

Ao lado dos colegas, vários professores e alguns membros das famílias fazem parte dos 273 refugiados que desembarcaram em Lisboa a 13 de dezembro de 2021.

Deixaram o Afeganistão por medo de represálias das autoridades talibãs, que fecharam escolas de músicas, apreenderam instrumentos e proibiram apresentações públicas.

"Quando o Talibã chegou às portas de Cabul, ficou claro que tínhamos que sair", lembra Ahmad Sarmast, diretor do instituto, que fez de tudo para retirar com urgência estudantes e funcionários.

Um ato de resistência

"Hoje, o Afeganistão é uma nação reduzida ao silêncio, vítima de um genocídio cultural e musical", acrescenta este especialista em música afegã que assumiu a missão de preservar o património musical do país e reativar a escola que fundou em 2010, agora em solo português.

O projeto busca "recriar o instituto de música no exílio", explica Sarmast. Em Portugal, a escola conseguiu retomar grande parte das suas atividades, como a Zohra, a primeira orquestra só de mulheres do Afeganistão, criada em 2016.

Ahmad Sarmast, diretor do instituto
Ahmad Sarmast, diretor do instituto Ahmad Sarmast, diretor do instituto créditos: Patrícia de Melo Moreira / AFP
Músicos afegãos quebram o silêncio em Portugal
Músicos afegãos quebram o silêncio em Portugal Alunos afegãos com a violinista Midori Goto no fim de um concerto no Conservatório de Braga créditos: Patrícia de Melo Moreira / AFP

Enquanto não encontram um local físico para uma nova sede, os alunos seguem a praticar no conservatório de Braga, num ato de resistência.

"Cada espetáculo da nossa escola é uma forma de protestar contra o que está a acontecer no Afeganistão", diz.

"Estar aqui é muito bom porque estamos todos juntos", acrescenta Shogufa, uma percussionista de 19 anos.

No Afeganistão, mulheres foram proibidas de frequentar escolas de ensino médio e superior, mas em Portugal, elas têm "a sorte de ir à escola todos os dias" para "continuar com os estudos", afirma.

Estudantes de música do Afeganistão
Estudantes de música do Afeganistão Shogufa, uma das estudantes que está em Portugal créditos: Patrícia de Melo Moreira / AFP

Ramiz também agradece por poder continuar a tocar o rubab, a sua verdadeira paixão. Mas a sua expressão muda quando fala sobre a família, que ficou no Afeganistão. "Falo com minha mãe todos os dias! Ela precisa ouvir minha voz todas as noites antes de dormir", conta o jovem.

O pai e os dois irmãos também são músicos e ele espera conseguir reuni-los em Portugal em breve.

Shogufa também expressa preocupação com os pais e os seis irmãos, que ficaram no Afeganistão "sem projetos de futuro".

Músicos afegãos quebram o silêncio em Portugal
Músicos afegãos quebram o silêncio em Portugal Shogufa com outros colegas afegãos créditos: Patrícia de Melo Moreira / AFP

No entanto, "ser refugiado no exterior é muito difícil", conta, lembrando que passou sete meses num hospital militar de Lisboa onde as condições eram precárias.

"O meu grande sonho é um dia voltar ao Afeganistão (...) Tenho certeza de que as coisas vão dar certo... e que o Talibã não permanecerá no poder para sempre", conclui.