Mais de 7 mil artigos publicados num site onde podemos dar a volta ao mundo, literalmente, sem sair de frente do ecrã, enquanto vamos aproveitando as dicas úteis para planear as próximas viagens. "Viajar. Partilhar. Inspirar" é o mote do Alma de Viajante, projeto de Filipe Morato Gomes que completa 20 anos de existência nesta quinta-feira.

Apesar de tanto tempo "de estrada", o viajante conta que ainda sente aquele frio na barriga na altura de iniciar uma nova aventura. "Sempre". E se a pandemia acabasse amanhã, para onde iria? Siga para a entrevista e encontre a resposta (pouco óbvia) deste viajante português que já deu duas voltas ao mundo. Descubra ainda, na galeria de fotos abaixo, 20 viagens marcantes realizadas por Filipe Morato Gomes.

20 anos de blogue é um marco. Como estava o mundo das viagens e da internet na altura em que criaste o Alma de Viajante?

Há 20 anos não havia ainda esse conceito de blogue (para terem uma ideia, o Wordpress apareceu em finais de 2003) e estávamos numa época totalmente distinta no que toca às viagens. Tempos em que ainda se fotografava em filme ou slide; em que os guias da Lonely Planet eram os melhores amigos do viajante; em que se interpelavam os transeuntes em vez de usar o Google Maps; tempos em que era preciso ir a cibercafés para enviar emails para casa; tempos em que o Instagram não condicionava a forma de estar de muitos viajantes; e tempos em que, nos hostels, as pessoas conversavam.

Durante estas duas décadas, como acompanhaste a evolução do setor? E como te moldaste enquanto viajante?

Nos últimos 20 anos o turismo mudou radicalmente. Com a democratização da aviação e a melhoria do nível de vida em boa parte dos países, o número de turistas aumentou exponencialmente, com todas as implicações - boas e más - que isso acarreta. Alguns locais foram literalmente destruídos pelo turismo. Mas muita gente, por esse mundo fora, conseguiu ter uma vida digna fruto do rendimento trazido pelo turismo.

Tudo somado, creio que o balanço é muito positivo, mas cada vez mais quem viaja deve ter exata noção de que o ato de viajar tem implicações - quanto mais não seja, ambientais - que é preciso minimizar.

Nos últimos 20 anos o turismo mudou radicalmente

Quanto a mim, acho que o que mudou em mim não foi tanto devido à “evolução do setor”, mas mais pelo facto de ter o blogue e de, por isso, todas as viagens serem de trabalho. É o velho problema de: “já que lá vou, porque é que não aproveito para fazer uns artigos para o Alma de Viajante?”. Ou seja, às vezes gostava de voltar à pureza inicial do ato de viajar, a viagem pela viagem, pelo prazer da descoberta, sem máquinas fotográficas ou telemóveis a interferir nas experiências.

Como foi a evolução do blogue?

O Alma de Viajante já teve muitas vidas. Começou por ser um repositório das minhas reportagens de viagem e outros escritos soltos, numa fase ainda muito amadora; tomou a forma de blogue durante a minha primeira viagem de volta ao mundo; depois, numa altura em que as revistas não tinham presença online, desafiei outros cronistas e viajantes a partilharem as suas reportagens no Alma de Viajante e, simultaneamente, comecei a produzir conteúdo informativo (notícias sobre promoções de voos e afins).

Filipe Morato Gomes
Filipe Morato Gomes Filipe Morato Gomes créditos: DR

Mais tarde, para além de criar um projeto alternativo chamado Hotelandia (sobre bons exemplos da hotelaria portuguesa), senti necessidade de escrever num registo mais intimista, mais próximo do registo blogue e, como sentia que o Alma de Viajante estava demasiado formal, decidi criar um outro blogue de viagens a que chamei, simplesmente, As Viagens de Filipe Morato Gomes. Foi um erro crasso, mas esse erro levou-me a, dois anos volvidos, focar energias e tomar a decisão mais acertada dos últimos tempos: inserir esse blogue mais pessoal dentro do Alma de Viajante e assumir, de uma vez por todas, que o Alma de Viajante é o meu blogue de viagens pessoal, onde tanto posso escrever longas reportagens, como crónicas inspiracionais ou posts com dicas práticas. Até hoje.

Pensaste, alguma vez, em deixar cair este projeto? Quais são as maiores dificuldades em ser blogger/jornalista de viagens em Portugal?

Apesar de o Alma de Viajante já ter tido vários altos e baixos - incluindo duas ocasiões em que as visitas, de um dia para o outro, caíram abruptamente -, nunca me ocorreu desistir. Nesses momentos, o que fiz foi tentar perceber o que estava mal (nem sempre é fácil identificar os problemas) e tentar corrigir esse erros, porque sempre acreditei no projeto. Ou seja, a minha filosofia era e continua a ser: enquanto me der prazer viajar e escrever sobre viagens, continuarei a fazê-lo; se algum dia esse prazer deixar de existir e o blogue se tornar apenas um negócio, é porque estará na hora de fazer outra coisa qualquer.

O mais difícil é mesmo acreditar e não desistir

Quanto às dificuldades, para um blogger de viagens o mais difícil é mesmo acreditar e não desistir. Principalmente no início do trajeto, em que se trabalha tanto, tanto e os resultados demoram uma eternidade a aparecer (se é que aparecem). É muito fácil ceder à frustração e desistir. Para combater essa frustração e sensação de impotência, a vida foi-me ensinando que só há um caminho: tentar fazer bem e acreditar que um dia vai dar certo!

Qual seria o conselho mais valioso que poderias ter dado ao blogger/viajante Filipe Morato Gomes há 20 anos?

Antes disso, devia ter dito ao Filipe para começar a viajar mais cedo. Por exemplo, arrependo-me profundamente de nunca ter feito um Erasmus (acho que devia ser muito mais incentivado, quase "obrigatório" os jovens terem essa experiência).

Mais tarde, podia também ter dito ao Filipe para não ter vergonha do formato blogue (demorou muitos anos até eu assumir que tinha um blogue; antes dizia que era um site, porque nos primórdios os blogues estavam associados a algo muito amador, como um diário pessoal, e eu ambicionava ter algo mais “profissional”, quase como se fosse uma revista em formato digital.

E, por fim, poderia ter dito mais cedo a mim mesmo que focar (por oposição a dispersar) é meio caminho andado para o sucesso.

Após tantos anos na área, ainda continuas a ter aquele frio na barriga quando viajas?

Sempre.

20 anos, 20 viagens e lugares que marcaram Filipe Morato Gomes:

Como estás a acompanhar a verdadeira revolução que a COVID-19 causou nas viagens? Como achas que vão ser feitas as viagens durante a após a pandemia?

Estou expectante. Não faço ideia do que vai acontecer, mas mais cedo ou mais tarde as pessoas vão voltar a viajar. O que eu gostava é que esta fosse uma oportunidade para que se corrigissem alguns erros do passado e que, por exemplo, as cidades com grande pressão turística encontrem um melhor equilíbrio entre os interesses dos moradores e a importância económica do turismo.

Qual comportamento/forma de viajar preferias que acabasse de vez? E qual comportamento achas que todos os viajantes devem ter em viagem?

Não me sinto em posição de sugerir de que forma as outras pessoas devem ou não viajar, quanto mais não seja porque qualquer delas é mais enriquecedora do que ficar em casa (incluindo ir para um resort tudo incluído).

Sobre os comportamentos expectáveis, acho que tudo se resume a uma palavra: respeito. Seja em casa ou em viagem, em Portugal ou na China, num museu ou numa mesquita, numa aldeia da Amazónia ou num parque natural da Tanzânia.

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Se a pandemia acabasse amanhã para qual destino irias?

Na verdade, qualquer sítio (fala o desespero de quem não viaja há mais de um ano), mas ando a pensar seriamente no Paquistão. E sim, mal posso esperar por me fazer à estrada outra vez.


Para assinalar a data, vai haver hoje, pelas 21h, uma emissão em direto na página facebook do blogue, onde Filipe partilhará com a comunidade de leitores e viajantes um pouco dos bastidores do blogue e das peripécias do seu percurso até aos dias de hoje.