O mar é um senhorio inclemente. Talvez seja por isso que apenas 3% das aves conhecidas se tenham conseguido ajustar às suas condições como habitat ou fonte de alimento. Algumas delas adaptaram-se tão bem que são capazes de passar quase toda a sua vida na água, reine a calma ou a tempestade.
É o caso da cagarra que protagoniza a fotografia vencedora da segunda edição do concurso de fotografia internacional da associação Asas do Mar - Instituto de Ornitologia Marinha dos Açores (IOMA). É a ave marinha mais abundante que nidifica em Portugal e Justin Hart fotografou um exemplar a aproveitar um dia tempestuoso ao largo da ilha do Pico, nos Açores, para praticar "a arte de voar" antes da sua longa migração para sul.
É a beleza e engenhosa adaptação destas aves ao seu meio que o concurso de fotografia, agora na segunda edição, pretende celebrar e inspirar a conservar. Os participantes puderem submeter a concurso registos fotográficos de aves marinhas na vasta área da Macaronésia, que designa os vários grupos de ilhas (ou arquipélagos) no Atlântico Norte, perto da Europa e de África, incluindo Açores, Canárias, Madeira e Cabo Verde.
As fotografias vencedoras foram conhecidas esta semana e selecionadas entre um total de 107 inscrições de 26 participantes maiores de 18 anos e de 4 participantes na categoria Jovem Fotógrafo.
Fotografia vencedora
Justin Hart conta como tirou a fotografia que acabaria por vencer esta edição do concurso fotográfico:
- “Esta foto foi tirada enquanto eu estava no final do quebra-mar à entrada do porto da Madalena do Pico. Em dias de ondulação forte, grandes ondas chegam do Atlântico, crescem e depois quebram ao passar pelo estreito que fica entre a entrada do porto e os pequenos ilhéus. Em Outubro e Novembro, os cagarros recém-criados juntam-se no Canal do Pico e por vezes brincam entre estes topos de onda, aproveitando as correntes ascendentes para ganharem altura e praticarem a arte de voar como um cagarro. Fiz a imagem abrigado atrás do farol, fazendo disparos curtos em 'autofoco contínuo' sempre que as aves passavam, esperando que pelo menos uma das imagens capturasse não apenas a ave, mas o humor do mar e 'o espírito do cagarro'.”
Segundo lugar
O segundo lugar é para outra fotografia de uma cagarra, vista contra o pôr-do-sol sobre um calmo oceano Atlântico. Gui da Costa tirou esta fotografia em julho de 2019, perto do ilhéu de Vila Franca do Campo (São Miguel) e conta como se proporcionou:
- “Um passeio de barco no final da tarde, ao pôr do sol, com mar calmo é sempre um convite para terminar o dia da melhor forma. É também a altura em que as Cagarras, nas imediações do ilhéu de Vila Franca do Campo, se preparam para a noite. Captar esse momento numa fotografia e poder partilhá-lo com todos foi o meu desafio. Com o meu quadro “Ouro no Mar” espero despertar nas pessoas a sensibilidade para a observação da natureza.”
Terceiro lugar
O terceiro lugar vai para outra imagem de Justin Hart, a que deu o título de “A chegada da Cagarra”, por mostrar uma cagarra a regressar ao ninho à noite. Segundo a organização, esta espécie adaptou-se excecionalmente bem à vida no mar, mas isso prejudicou a sua capacidade para se deslocar em terra. Só vem a terra para procriar e, para evitar predadores, procura o manto da escuridão. Explica o fotógrafo:
- “Esta foto exigiu algum planeamento. Felizmente, já há vários anos que estudava os cagarros que nidificavam ao longo da costa oeste do Pico, perto do Monte, por isso tinha um conhecimento íntimo dos locais onde escolhiam nidificar. (...) Eu estava consciente de que o flash e minha presença podem ter perturbado as aves e, assim, limitei o número de noites e a quantidade de tempo que passei na colónia. No entanto, se por acaso as aves se assustarão com o clarão, não o demonstraram ao pousar. A maioria era incrivelmente confiante e, se não fossem direto para seus ninhos, eles se acomodavam por perto chamando um ao outro, às vezes formando pares para cortejar e enfeitar um ao outro. Lembro-me de ter ficado emocionado com a aparente indiferença deles para comigo. Algumas aves até se aproximaram de mim, como se estivessem curiosas para ver o que eu estava a fazer ali.”
Prémio Jovem Fotógrafo
Para o Prémio Jovem Fotógrafo, Marc Albiac selecionou uma imagem de um garajau-comum (Sterna hirundo) captada por Salvador Vieira na ilha do Faial. O vencedor descreveu assim o momento captado:
- “Ao final de um dia do mês de setembro fui ao terminal de passageiros da Horta. Este é um lugar onde muitos garajaus se reúnem no início do outono. O título da imagem é “Aquecimento” porque o garajau-comum estava a fazer alongamentos em preparação para sua longa migração para a América do Sul.”
Outras duas imagens chamaram a atenção e foram elogiadas pelo jurado Marc Albiac:
Sobre a organizadora do concurso
A Asas do Mar é uma associação sem fins lucrativos criada em 2020 para o estudo e conservação da comunidade de Aves Marinhas dos Açores e dos seus habitats. Desenvolve projetos de boas práticas em conservação de aves marinhas.
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