Para os habitantes desta cidade do distrito de Vila Real, apelidada de “capital do misticismo”, este é o dia em que o azar vira sorte. É assim pelo menos para os comerciantes locais, que a cada evento vêem crescer o número de visitantes.

Desengane-se quem pensa que esta é uma celebração aborrecida e obscura. Não, há tanto de macabro como de divertido, e a Noite das Bruxas já se tornou uma verdadeira festa, com música, fogo de artifício, espetáculos e animação de rua. Para perceberem melhor, digamos que a Noite das Bruxas está para Montalegre como o Carnaval está para Torres Vedras, há decoração à altura, desfiles e foliões.
Não seria possível falar da Noite das Bruxas sem falar do padre Fontes, o padre dinâmico e empreendedor que colocou Montalegre no mapa das maiores festas de rua do país. Montalegrense de gema, nascido em 1940,é um verdadeiro homem dos sete ofícios, tendo-se destacado em várias áreas. Licenciou-se em História, editou e colaborou em diversas obras, fundou e dirigiu o mensário Notícias de Barroso de 1971 a 2006, colaborou em documentários para televisões nacionais e internacionais (BBC e Odisseia entre outras), isto só para mencionar um pouco do seu currículo. Com forte ligação a Trás-os-Montes e à terra que o viu nascer, desde sempre se dedicou à promoção desta região e seus costumes, vendo o seu esforço reconhecido com a criação do Espaço Padre Fontes no Ecomuseu de Barroso, projeto que defendeu fervorosamente com o objetivo de salvaguardar o património natural e cultural da região.

Conhecendo-se um pouco da história do padre António Fontes, será fácil perceber que não deixaria escapar uma oportunidade de promover Montalegre, sendo essa uma das razões para a Noite das Bruxas ter atingido a dimensão que tem atualmente.

Tudo começou em 1983, em Vilar de Perdizes (uma pequena freguesia de Montalegre) com a realização da Feira e Congresso de Medicina Popular, dedicada ao misticismo. Tornando-se um ponto de referência para os amantes do oculto e misticismo, bastaram apenas cerca de nove anos para que António Fontes percebesse o potencial deste evento e conseguisse convencer a autarquia e os comerciantes de Montalegre a apostar nos festejos da Sexta-feira 13. Incentivou, por exemplo, os restaurantes locais a prepararem os espaços a rigor, com menus especiais e decoração alusiva ao tema como talheres cruzados, sal derramado nas mesas e escadas à entrada obrigando as pessoas a passar por baixo.

Padre Fontes organizador da 30.ª edição do Congresso de Medicina Popular de Vilar de Perdizes
Padre Fontes organizador da 30.ª edição do Congresso de Medicina Popular de Vilar de Perdizes O padre António Fontes impulsiona há 30 edições o Congresso de Vilar de Perdizes, um evento que se tornou um “motor de progresso” e ajudou a desenvolver a hotelaria, a restauração e o turismo em Montalegre. ESTELA SILVA/LUSA créditos: Lusa

Além de fundador, este pároco é a alma da festa, sendo responsável pelo ponto alto da noite, a preparação da queimada num caldeirão sobre uma fogueira, com aguardente, limão, maçã e açúcar. Sem esquecer a entrada em grande e com a dose de drama que se espera, descendo das alturas numa grua, qual salvador de todos os males. Antes de servir a “mistela abençoada” que limpa todos os males, o padre conhecido também por “Dom Bruxo” faz o esconjuro da bebida, recitando uma ladainha que a livrará de maus-olhados, feitiços e bruxedos.

"Mouros, corujas, sapos e bruxas. Demónios, duendes e diabos, espíritos dos nevoeiros. Corvos, salamandras e meigas, feitiços das curandeiras. Troncos podres e furados, lugar de vermes. Fogo das Guerras Santas, negros morcegos; Cheiro dos mortos, trovões e raios. Orelha de cão, pregão da morte; Focinho de rato e pata de coelho.  Pecadora língua de mulher má casada com homem velho. Casa de Satanás e Belzebu, fogo dos cadáveres ardentes; Corpos mutilados de ignescentes, peidos de cus infernais; Bramido do mar bravo; Barriga inútil de mulher solteira; Miar de gatos que andam à solta. Guedelha suja de cabra mal parida. Com este fole levantarei as chamas deste lume que se assemelha ao do inferno E fugirão as bruxas a cavalo das suas vassouras indo-se banhar na praia das areias gordas. Oiçam! Oiçam os ruídos que fazem as que não podem deixar de queimar-se na aguardente ficando assim purificadas. E quando este preparo, passar pelas nossas goelas, ficaremos livres dos males da nossa alma e de todo o embruxamento. Forças do ar, terra, mar e lume! A vós faço a chamada: Se é verdade que tendes mais força que a humana gente, aqui e agora, fazei com que os espíritos dos amigos que estão fora, participem connosco nesta Queimada".

 

Sexta-feira 13 em Montalegre
Sexta-feira 13 em Montalegre @cm-montalegre

Depois disto a festa continua noite dentro, pelas ruas, bares e discotecas, repletos de “bruxas”, “demónios” e outras “figuras do além”.

Esta sexta-feira são esperados mais de 60 mil visitantes, provenientes de Norte a Sul do país e da vizinha Espanha, tendo o município investido cerca de 150 mil euros na organização do evento. Vale a pena? Orlando Alves, o presidente da Câmara de Montalegre não hesita em dizer que sim, “o retorno é incomensuravelmente maior, quem vem à sexta-feira 13 não fica só uma noite, fica todo o fim de semana, o que faz com que durma, coma e consuma em Montalegre, impulsionando a economia local”, afirmou.

Se ficou com vontade de conhecer este festival do oculto fique a saber que talvez seja mesmo dia de azar para si, pois todos os hotéis e restaurantes da vila estão já esgotados. Em abril haverá mais. Fique a saber mais sobre o evento através do site oficial.

Se já leu tudo não se esqueça de consultar a fotogaleria acima para ver algumas das melhores fotografias deste “assustador” evento.