Um grupo de autoridades ucranianas observa com preocupação as fendas na parede dos fundos da Catedral da Transfiguração, uma majestosa construção que foi alvo de um bombardeio russo na cidade portuária de Odessa.

"A ameaça é que a parte onde o míssil caiu está a mover-se", explica o presidente da câmara, Gennady Troukhanov, em frente à catedral ortodoxa parcialmente destruída após o ataque noturno, no passado sábado (22).

"Começaremos a derrubar o muro imediatamente. Temos medo que arraste todo o edifício quando cair", acrescentou.

Até ao último sábado, o porto de Odessa, localizado no Mar Negro, não havia sido alvo das hostilidades russas. No entanto, depois da Rússia ter anunciado a retirada do acordo sobre a exportação de grãos ucranianos, Moscovo começou a bombardear instalações na zona portuária, que acabaram por atingindo, também, alguns dos prédios mais antigos da cidade declarada Património da Humanidade pela UNESCO, no início de 2023.

"Nunca tínhamos visto ataques assim", afirma o autarca.

Construída há mais de 200 anos, a catedral chegou a ser destruída pelos soviéticos em 1936 e foi reconstruída no início do século com o dinheiro obtido através de donativos. Foi consagrada em 2010 pelo Patriarca da Igreja Ortodoxa Russa, Kirill.

O presidente da câmara pediu às autoridades religiosas que autorizem o processo de demolição parcial do edifício.

"Expliquem aos paroquianos que é perigoso e que não deveriam estar aqui", disse Troukhanov. "É uma tragédia. Que lugar sagrado!", respondeu o responsável máximo pela catedral.

Ódio e incompreensão

Durante uma liturgia ao ar livre, os fiéis choraram ao escutarem cantos e salmos. Grandes figuras douradas e rostos de querubins foram colocadas nas paredes externas do prédio.

No interior, voluntários limparam o chão e empilharam ícones quebrados e estilhaçados.

Os murais recém-concluídos foram arrancados, expondo a estrutura de concreto e metal.

"Estas paredes foram construídas com as nossas mãos, com o nosso amor. Quanta dor", lamenta uma fiel, Galyna, que vende velas para arrecadar fundos para a restauração.

"Esta igreja é o orgulho de Odessa", acrescenta outra fiel com o mesmo nome, enquanto examina uma imagem de Maria que resistiu ao incidente e permaneceu quase intacta.

O edifício pertence à Igreja Ortodoxa Ucraniana, ligada ao Patriarcado de Moscovo. Embora tenha rompido relações com a Rússia, muitos na Ucrânia o consideram leal ao Kremlin.

O porta-voz da diocese de Odessa, o decano Maximian Pogorelovsky, afirma, como outros eclesiásticos, ter sentido "ódio" e "incompreensão" diante do bombardeio russo.

"Podemos afirmar que eles (os russos) apontaram para a catedral, provavelmente para nos assustar", diz.

O Kremlin, por sua vez, nega ter atacado o edifício, garantindo que a destruição foi causada por mísseis antiaéreos ucranianos, disparados para interceptar foguetes russos que caíam sobre a cidade.

Além da catedral, os recentes bombardeios afetaram a Casa Histórica dos Cientistas e prédios residenciais próximos do porto da cidade.

No último andar de um edifício do século XIX, a estudante e bailarina Asia Kashperuk guarda os seus pertences entre paredes destruídas e um teto perfurado.

"É o que restou do nosso apartamento", lamenta.

De acordo com Katarina, mãe de Asia, as autoridades disseram que o seu prédio estava sob proteção da UESCO e que, portanto, "não podiam fazer nada".

"Será que vão esperar que ela desmorone?", questiona a mulher.