A famosa ponte de Rialto em Veneza está a abarrotar de visitantes nesta segunda-feira (31), em plena temporada alta que coincide com uma recomendação feita pela Unesco de que a cidade seja incluída na lista do património ameaçado devido ao turismo de massas e aos impactos da crise climática.

Os turistas parecem alheios às preocupações da Unesco enquanto tiram fotografias, arrastam as malas e comem gelado alegremente.

Ashley Park, uma turista de Nova Iorque de 28 anos, diz saber que a cidade estaria sobrelotada, mas que isso não iria arruinar as suas férias.

"Obviamente, se vivêssemos aqui, ter todos estes turistas não seria divertido", reconheceu.

Entre a multidão, Diego Nechifrovo, de 23 anos, um agente municipal com uma camisa com a hashtag em inglês #EnjoyRespectVenezia (Aproveite e respeite Veneza) zela pelo bom comportamento dos turistas.

"Às vezes vejo gente a atirar beatas de cigarro ou a caminhar sem camisa", contou, enquanto apontava para um pacote de batatas fritas caído no chão. Entre os piores casos dos quais se recorda, menciona o de uma família que se sentou para fazer piquenique em frente ao Palácio Ducal.

Também conta que, há poucas semanas, um turista distraído caiu na água. "Estava a tentar tirar uma boa foto", relata.

"Não venham"

A poucos metros dali um vendedor de aguarelas tem uma placa que indica o caminho para a Praça de São Marcos.

"É a única coisa que eles querem saber", afirmou Claudio, um veneziano que não quis divulgar o seu apelido. "Vêm a Veneza porque é Veneza. É tudo".

Para ele, os dias dos turistas educados que visitavam e aproveitavam os museus e igrejas acabaram. "Os que vêm [agora] nem sequer sabem o que é um museu. Não é turismo cultural", afirma.

"Eles têm que ir para a praia, para as montanhas, mas não aqui", pediu. "Por favor, não venham mais!", concluiu.

A lista de desafios que Veneza enfrenta é longa, desde a ameaça ambiental da água, ao êxodo dos seus moradores, deixando o que muitos classificam como uma cidade sem alma.

Há dois anos, Veneza salvou-se de ser catalogada pela Unesco como património em perigo depois das autoridades italianas anunciarem a proibição de entrada no centro histórico para os grandes navios de cruzeiro.

Mas o desvio dessas embarcações para o porto industrial de Marghera não teve qualquer impacto no excesso de turistas.

Cerca de 3,2 milhões de visitantes pernoitaram no centro histórico de Veneza no ano passado, segundo dados oficiais, um número que não inclui as pessoas que visitam a cidade durante o dia.

A Unesco incluiu Veneza na lista de património da humanidade em 1987.

Esta segunda-feira, a agência alertou que "os impactos da mudança climática e do turismo de massas ameaçam causar mudanças irreversíveis" e advertiu que é necessária uma gestão mais sustentável do turismo.

Além disso, considerou que as medidas tomadas pela Itália são "insuficientes" e que a resolução destes problemas parece num impasse devido à "ausência de uma visão estratégica comum global".

As críticas indicam que as medidas para conter o turismo foram pouco eficazes e chegam tarde demais.

Um plano de longo prazo para impor um sistema de reserva para os visitantes diurnos foi adiado em diversas oportunidades e, agora, não será aplicado antes de 2024 pelos receios de que prejudique o turismo e coloque em risco a liberdade de movimentos.

Na Praça de São Marcos, Lorenzo Seano, um trabalhador municipal de 21 anos, tenta evitar que os turistas se sentem nos degraus das arcadas que circundam o local.

Para Seano, o problema do turismo de massas vai além de Veneza, mas nenhum governo tentou enfrentá-lo de forma "estrutural". "Afinal, é muito dinheiro que entra", opinou.