O Algarve tem uma lista vermelha das atividades artesanais em risco de extinção, como a cestaria de cana, mas que ainda podem ser salvas, se os jovens receberem os “saberes” dos mestres e acreditarem na viabilidade de novos negócios.

A Lista Vermelha (“Red Book”) das Atividades Artesanais Algarvias foi recentemente publicada em livro, após uma investigação que permitiu inventariar o grau de risco de 26 artes tradicionais do Algarve, envolvendo 174 artesãos, 16 municípios e quatro associações de artesanato da região.

“O livro indica medidas de conservação e de preservação dessas artes, se elas estão em risco iminente de extinção, e tem um conjunto de medidas, digamos, mais urgentes” que devem ser tomadas para impedir o seu desaparecimento, explicou à agência Lusa o responsável pela coordenação geral na elaboração da publicação, João Ministro.

Segundo o coordenador geral, o livro faz “uma caracterização da situação atual” das atividades artesanais algarvias e aponta um conjunto de “sugestões” para que essas artes não desapareçam.

“Há um conjunto de valências associado a estas artes que é preciso valorizar e preservar, e o que [… ] o livro nos ensinou é […] que há potencial e há pessoas e indústrias interessadas” nessas atividades, afirmou João Ministro.

Na maior parte dos casos, a Lista Vermelha identifica “pequenas atividades que mantêm vivas algumas aldeias” e que têm uma “expressão económica relevante” para essas povoações. O trabalho na cestaria de palma com cana é, segundo o livro, uma dessas técnicas a necessitar de “salvaguarda urgente”.

"Já há muito poucas pessoas a fazer [cestaria de palma com cana], porque esta técnica é bastante trabalhosa”, explica à Lusa Vanessa Flórido, uma nova jovem artesã a trabalhar em Loulé e que aprendeu a técnica, que já foi bastante comum no interior do concelho, na sequência da informação recolhida na Lista Vermelha.

Assim como acontece nas atividades com outras fibras vegetais, estes trabalhos que utilizam canas em conjugação com folhas de palma estão muito ligados a comunidades rurais que viviam essencialmente do trabalho agrícola e procuravam complementar o rendimento familiar com “outros ganhos”.

“Sim, gosto muito daquilo que faço. Inicialmente não era artesã e, num certo momento, decidi ser artesã e pegar nesta técnica que estava um bocado ameaçada”, disse Vanessa Flórido enquanto entrelaçava a palma em redor da cana, dando assim uma maior consistência à estrutura que estava a montar.

A Lista Vermelha faz alguns alertas, sublinhando que 14 das 26 atividades indicadas se encontram a necessitar de “salvaguarda urgente” e uma delas já está classificada como “desaparecida”: o albardeiro, que se dedica a fazer albardas, ou seja, selas grosseiras próprias para animais de carga.

A média geral dos 174 artesãos envolvidos na investigação é de 64 anos e os principais fatores de ameaça por si identificados são a insuficiente viabilidade económica da atividade, o pouco interesse do mercado, assim como constrangimentos na passagem de saber.

“A boa notícia é que elas [as atividades] têm futuro, nós identificámos, e até mesmo a falar com os artesãos, portanto, com aqueles que ainda são detentores de saber, verificámos que existe potencial de interesse. Interesse não só de algumas pessoas em aprender, como interesse do público em adquirir objetos. Já não os mesmos objetos de antigamente, mas outros objetos diferenciados, inovadores”, assegurou Susana Calado Martins, uma das coordenadoras e autora da Lista Vermelha.

A investigadora afirmou que as novas gerações se interessam por este tipo de trabalho, havendo “muitas pessoas interessadas em fazer um trabalho diferenciado, não a repetição dos mesmos objetos”.

Os entrelaçados em esparto já desempenharam um papel económico importante no Algarve, permitindo fazer todo o tipo de cordas e recipientes para uso doméstico, para atividades ligadas às lides do campo e do mar, entre outras.

Esta arte, que durante vários anos parecia ameaçada, está a ser recuperada, com três mestras a transmitir o seu conhecimento aos mais jovens numa antiga escola primária do tempo do Estado Novo que foi remodelada, na pequena povoação de Sarnadas, no centro geográfico do Algarve e na fronteira entre o barrocal e a Serra do Caldeirão.

“Gosto do que faço e também gosto da companhia, evidentemente”, disse Maria José Ramos que, com as restantes mestras, já teve vários grupos de alunos a quem transmitiram os seus conhecimentos.

A artesã trabalhava nos entrelaçados em esparto quando era jovem e quando se casou abandonou essa atividade, porque “não dava sequer” para pagar a alimentação, mas depois de se reformar voltou a dedicar-se a este trabalho com duas amigas.

“Agora ainda não [há muita procura], mas estamos esperançadas que sim, que venha mais procura e vamos levar isto para a frente. Acho que as pessoas estão a adorar, e eu também”, afirmou a mestra Aldegundes Gomes.

O Livro Vermelho alerta que, apesar de alguns artesãos verificarem algum acréscimo de interesse do mercado, muitos consideram que o mesmo não é suficiente para inverter a realidade, designadamente das vendas, visto não existir um efetivo encontro entre os interessado e a oferta existente, e também por faltar alguma inovação aos produtos que permita responder às necessidades do mercado atual.

“Antigamente faziam-se peças que eram necessárias na altura, como as cestas, que as pessoas que trabalhavam no campo precisavam, mas atualmente nós já precisamos de peças mais modernas com ideias diferentes, e os jovens pegam nas técnicas antigas, mas com desenhos modernos”, afirmou a nova artesã Neuza Barbosa.

Os entrelaçados em esparto fazem parte de uma lista de património cultural imaterial a necessitar de “salvaguarda urgente”, onde estão outras atividades, como a abegoaria, as cadeiras de tesoura, a cortiça talhada ou a latoaria.

Na lista das atividades consideradas “atualmente viáveis” estão, por exemplo, a azulejaria, a caldeiraria, a olaria e cerâmica ou as rendas e bordados.

“Uma das grandes ameaças identificadas [na Lista Vermelha] foi exatamente a insuficiente viabilidade financeira do ofício, o que faz com que a maior parte destes artesãos não exerça de forma profissional”, disse Graça Palma, também coordenadora e autora do livro sobre as atividades artesanais algarvias.

Por outro lado, segundo a técnica, é “difícil” atrair os jovens para processos de transmissão de saberes, porque a maior parte das atividades identificadas não são sustentáveis, visto que há dúvidas sobre a possibilidade de gerarem rendimento suficiente para poderem sobreviver.

Na pequena povoação de Soídos, a norte de Alte, também no concelho de Loulé, Fernando Martins trabalha a madeira talhada, um outro ofício ameaçado e com uma “viabilidade financeira insuficiente”.

O artesão vende as peças que produz, principalmente, nos mercados locais que existem em todo o Algarve, a estrangeiros que vivem na região, mas queixa-se que há cada vez menos pessoas a dedicar-se a este tipo de atividade.

Num passado não muito distante, em que as comunidades rurais eram praticamente autossuficientes, recorria-se à técnica do entalhe para esculpir madeiras recolhidas no campo, uma prática muito habitual por parte de homens que usavam pouco mais do que uma faca, goivas e formões para dar forma a “colheres de pau” e outros talheres, assim como cadeiras, utensílios para o forno do pão, cabos de foice e demais artefactos.

A elaboração da Lista Vermelha das Atividades Artesanais Algarvias foi uma iniciativa da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve, conduzida no primeiro semestre de 2021 pela Proactivetur, empresa algarvia especializada em ecoturismo, turismo criativo, consultoria em desenvolvimento local e promoção das artes tradicionais.