A conduzir o comboio de duas carruagens vai Katsunori Takemoto, que mete as suas luvas brancas e verifica os antiquados manómetros antes de iniciar a marcha ao longo dos campos agrícolas da província de Chiba, na periferia de Tóquio.

Como muitos dos mais pequenos caminhos de ferro espalhados pelo interior rural do Japão, os comboios que fazem esta rota há mais de 60 anos são deficitários. Takemoto encontrou, todavia, uma maneira de manter o seu negócio a funcionar.

Através de uma série de parcerias com marcas e estrelas do pop, o presidente dos Caminhos de Ferro Elétricos Choshi conseguiu estancar os prejuízos e assegurar a viabilidade da sua firma, ao mesmo tempo que promove a região onde opera.

“Acredito firmemente que esta é a missão de todos os comboios regionais. Queremos servir de veículos publicitários para as comunidades”, afirmou Takemoto à AFP.

“Cidades sem comboios acabam por definhar. É por isso que reativar comboios rurais é tão importante para consolidar comunidades.”

Ainda assim, o negócio com 99 anos de existência que lidera é a exceção no Japão, onde existem centenas de linhas ferroviárias rurais a perderem passageiros e dinheiro.

Despovoamento, a popularidade do automóvel, o transporte de carga por estrada e a pandemia dizimaram as receitas.

“Se deixarmos tudo como está e não fizermos nada, é claro para todos que os sistemas de transporte público não terão viabilidade”, afirmou o Ministro dos Transportes Saito, no início de 2022.

Comboios rurais do Japão
As linhas rurais são um legado do “boom” económico que o Japão atravessou na década de 70, mas que não conseguiram adaptar-se ao despovoamento do país créditos: Philip Fong / AFP

As linhas rurais são um legado do “boom” económico que o Japão atravessou na década de 70, mas que não conseguiram adaptar-se ao despovoamento do país, à medida que os mais jovens trocaram o campo pela cidade e algumas vilas começaram a esvaziar-se.

Cada vez mais infraestruturas como câmaras municipais e hospitais são construídas ao longo de estradas principais, dada a expetativa de que os visitantes chegarão até elas por carro e não de comboio.

“Já fizemos tudo o que podíamos”

De acordo com dados do ministério dos transportes japonês, existem 95 pequenas linhas ferroviárias ainda a operarem no país, e 91 apresentaram prejuízos em 2021.

Isso contrasta fortemente com o estado das linhas urbanas no centro do país, operadas pelas principais companhias ferroviárias, entre as quais a responsável pelo shinkansen, o serviço expresso entre Tóquio e Osaka (capaz de circular até 320km/h).

Em março de 2020, antes do efeito da pandemia, só esta companhia apresentou um lucro de quase 400 mil milhões de ienes (cerca de 2,8 mil milhões de euros).

Os principais operadores ferroviários usam os lucros das áreas urbanas para subsidiar os serviços rurais, mas até um titã da indústria como a JR East, que serve diariamente 13 milhões de passageiros em Tóquio e no leste do país, quer esquivar-se dos custos.

Em 2021, a companhia perdeu 68 mil milhões de ienes (458 milhões de euros) em 66 dos mais problemáticos segmentos dos caminhos de ferro rurais. Na pior secção, foi necessário gastar mais de 20 mil ienes por cada 100 ienes ganhos.

“Fizemos tudo o que podíamos para aumentar os passageiros e cortar custos”, disse Takashi Takaoka, presidente da JR East, numa conferência de imprensa em 2022.

“A realidade é que existem áreas onde os comboios não são o melhor modo de transporte”, disse.

Nem todos concordam, e os governadores de cerca de metade das regiões do Japão assinaram uma carta a alertar o governo central de que cortar as rotas rurais irá prejudicar o turismo e forçar a um aumento da despesa em alternativas, como autocarros.

Para alguns especialistas, a mudança é inevitável e as comunidades precisam de começar a pensar noutras inovações, incluindo modos de transporte totalmente autónomos.

“Quebrados, um pouco amolgados”

Para já, contudo, linhas como a de Takemoto recorrem a alternativas criativas para continuarem viáveis.

A sua transportadora gera 80% das suas receitas a partir de operações que nada têm a ver com comboios, de que é exemplo a produção e venda da sua própria marca de aperitivos salgados.

Katsunori Takemoto
Katsunori Takemoto está empenhado na sobrevivência da sua companhia ferroviária, e criatividade não lhe falta créditos: Philip Fong / AFP

Takemoto promove agressivamente o seu negócio na televisão. Nos anúncios, chega a brincar de forma auto-depreciativa com as dificuldades financeiras da firma.

A sua criatividade não parece ter limites, como provam os comboios “assombrados” de Halloween ou os combates de luta livre realizados à frente dos passageiros com lutadores despidos da cintura para cima.

A firma até já estabeleceu parcerias com ídolos da música pop, comediantes e Youtubers para colocar os caminhos de ferro na agenda mediática.

“Ironicamente, temos de nos focar nos serviços não-ferroviários para manter os comboios a correr”, afirma Takemoto.

Apesar dos seus esforços incansáveis, a empresa ainda depende em larga medida de subsídios e empréstimos, ao mesmo tempo que continua a perder passageiros.

“É possível que chegue o tempo em que o nosso serviço ferroviário já não seja preciso. Mas esse tempo não é agora”, insiste Takemoto.

“Estamos quebrados, um pouco amolgados e cobertos de ferrugem, mas acreditamos que ainda há muito que podemos fazer para continuarmos a seguir em frente.”