Bilhete-postal enviado por João Rosa Luz
As paredes do quarto onde vivia em casa dos meus pais, na altura também a minha, cheiravam a lixívia. Para não cheirarem a humidade. Ou a bolor. Eu juro que queria poupar-vos à palavra "bolor".
Só eu vivia em casa dos pais, quando cinco amigos decidiram, uns pelos outros, fazer uma viagem. A Praga. A praga que um dia alguém me havia lançado de não poder ser feliz com ninguém. Era este o meu estado de alma, recém atirado para fora do comboio do amor. O normal, num jovem que ainda não fez os 30 anos de cabeça e corpo.
A praga. A praga de não ter dinheiro fez com que os cinco amigos, três e um casal (como se o casal fosse um amigo, oxalá ainda sejam amigos) procurassem a forma mais barata de chegar. Mas a voar. Bilhetes comprados em terra, dois voos, quatro se voltássemos, vinte já que ainda somos cinco amigos. Lisboa – Girona (uma Barcelona paradoxalmente menos gira) – Praga.
A viagem foi tão normal quanto o expectável. Sendo em Praga, a cerveja expectável. Talvez por ela, recordo pouco mais que muito frio, prostitutas na neve, vinho quente e viagens sem pagar.
De geografia, propriamente dita, a baixa da cidade. O Town Hall. Há certamente um nome em checo, mas não acrescentaria em nada à nossa história. Foi lá que entre pretzels e um relógio com uns bonecos bem engraçados, a encontrei. – “Claro, João! Mas então vais para Praga e aos duzentos e setenta caracteres, não te íamos perguntar por mulheres? Como era? Eram? Sacaste uma Hana? Svetlana? Krista? Quem raio tem o nome de Krista? Uma Petra?”
Uma Petra? Quase. Uma Pedra. O nome não é estranho, dado que é o nome que vulgarmente lhe damos na nossa terra. Bronzeada, de grande porte (ainda maior que o das checas). Fria ao e no primeiro olhar. Mais quente no trato, e quanto mais trato mais quente. Juro que não é um provérbio popular. Uma pedra.
Ficaram só quatro amigos. Duas amigas e um casal. Atiçado por uma atracção incontrolável, muito menos inteligível, corri daquela geografia para a paixão. Em geologia.
Acelerando no relato, acelerámos no abraço. O seu áspero, o meu sôfrego. O meu peito ofegante, o corpo dela estanque. Acelerámos, porque o tempo corre sempre para a sua ausência e a erosão mata os homens e as pedras todos os dias.
Jovens imaturos, eu ainda não tinha 30, não soubemos porque não tínhamos de saber manobrar a urgência. Cegos e atrapalhados, num parque abrimos os olhos. E os botões do seu vestido. O fecho éclair das minhas calças que não se abre, mas que correu mais rápido que os dois amantes nas ruas estreitas e escorregadias da velha Praga. A praga da libido que nos queimou a pele, mais que a neve. E ali mesmo, num parque da capital, o pecado original.
Éramos 5 amigos. Eu, um casal e duas amigas. Uma tinha máquina fotográfica.
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