Bilhete-postal enviado por Ana Sara Dias e Daniel Furtado
No dia 1 de Fevereiro, às 8h em ponto no Arizona, abrem as inscrições para o ano inteiro para acampar na reserva de Havasupai. Em 3 minutos só havia 3 dias em que podíamos ir no mês de Maio e, por sorte, um deles era mesmo o que queríamos. O meu coração batia tão rápido e os meus dedos tremiam, enquanto preenchia o formulário online. Senti uma felicidade enorme quando recebi os dados para pagamento e, passado uns dias, recebemos as autorizações!
A ideia desta visita a Havasupai partiu do Daniel que encontrou vídeos no YouTube e nos passou o bichinho, a mim, Sara, e a mais dois amigos que conseguimos entusiasmar e levar connosco, Filipe e Andreia. A ida para lá requer alguma logística: o hotel mais próximo fica a 70km, sendo que, para fugir ao calor durante os 16km até ao acampamento, teríamos de iniciar a caminhada as 5h00. Era necessário sair muito cedo do hotel, mais uma vez fomos ao YouTube, reparámos que muitos viajantes optam por ficar a dormir no estacionamento. Tomamos essa decisão, era menos uma noite de alojamento, portanto, uma poupança e, embora pensássemos se seria ou não seguro, decidimos arriscar.
É totalmente seguro, assusta a ideia de ir para um sítio onde não há rede móvel, não há nada. Na verdade, durante um percurso de mais de 1h30 só há árvores, algumas vacas perdidas pelo caminho e uma estrada totalmente vazia. Quando finalmente chegámos ao estacionamento já algumas pessoas lá estavam e outras foram chegando durante toda a noite. Sente-se um espírito de entusiasmo e empatia com todos.
Claramente, vemos que muitos são experientes e têm muito equipamento que nós não temos. Só encontrámos americanos, e todos foram muito simpáticos connosco, muito espantados por portugueses conhecerem aquele sítio, porque muitos americanos o desconhecem e também porque a maioria deles nem sabe onde é Portugal. Acham, quase sempre, que faz parte de Espanha. No entanto, uma rapariga muito simpática que viveu em Moçambique durante 1 ano sabia muito bem e um dos nossos vizinhos no acampamento também. Mas apenas 2 pessoas em tantas com que nos cruzámos.
A partir do estacionamento ficamos logo com uma ideia de quão difícil ia ser o nosso percurso - foi ainda mais difícil. A descida tem caminhos bem traçados e de fácil equilíbrio, é uma descida bastante segura, depois é maioritariamente a direito, apenas algumas subidas e descidas. Com estacas de caminhada faríamos todo o percurso melhor e mais rápido, mas não pensámos sequer nisso.
O caminho ora são pedras, ora é areia, de vez em quando passam por nós cavalos em grande velocidade levantando imenso pó. Esqueçam qualquer ideia de facilidade, são 4 horas seguidas com mochilas carregadas de tudo o que possam precisar lá: roupa, sacos de cama, tenda, comida, água (sim, só há sítio para encher as garrafas de água no acampamento e em 4 horas de caminhada precisam pelo menos de 2/3L por pessoa, também para a noite, por isso optem por deixar um garrafão no carro).
A longa caminhada passou, com os pés doridos, no meu caso com bolhas, mas com uma enorme ansiedade de chegar. Passando pela aldeia, no gabinete de turismo é-nos dado um mapa com o percurso para as cascatas, uma pulseira por pessoa e um papel para colocar na tenda. Podemos então seguir para o acampamento. Andámos mais 3 km até à penúltima cascata, acampámos o mais perto possível, onde tínhamos lugar à sombra. Aos “chicos espertos” esqueçam a ideia de ir sem autorização (nós encontrámos 4 pessoas durante o percurso que nos pediram a autorização), são mandados para trás, sim, andam mais 4 horas só que ao sol e com uma multa enorme em cima, provavelmente, sem água, por isso não se metam em trabalhos!
O acampamento tem casa de banho, as “sanitas” funcionam com compostagem porque não têm saneamento, no entanto, não cheiram mal, por incrível que pareça. Banho esqueçam, ou levam chuveiros de campismo ou então, só mesmo nas cascatas, o que na verdade não é grave, se forem como nós só uma noite, o que eu desaconselho porque achei pouco tempo, tanto para explorar como para descansar da caminhada.
O sítio onde as tendas ficam é lindo com o rio a passar no meio, há iguanas ou lagartos, ou sei lá o quê, são enormes, mas eles não querem saber de nós por isso não se preocupem muito, o medo passa-vos em 2 tempos. A beleza daquele sítio é imensa, todas as cascatas são lindas, a água azul é exatamente como nas fotos. Não chegámos às últimas cascatas, mas para a próxima estão no topo da lista. Ficamos pelas Mooney Falls, tanto a própria cascata como a altura da descida é maior do que parece nas fotos, não se consegue descrever muito bem, mete respeito, mete medo, faz-nos sentir entusiasmados e vivos!
Eu que sou uma mariquinhas, estava tão entusiasmada que nem pensei no medo! O Daniel estava tão calmo e preparado que conseguiu registar tudo em fotos e vídeos enquanto eu só pensava em olhar para tudo e não cair, mas faz-se bem a descida para a cascata, com luvas seria melhor porque as correntes estão molhadas pelos salpicos da cascata e abanam um bocado. Com calma todos chegam lá, os nossos amigos têm vertigens e decidiram não descer, aproveitaram as outras cascatas de acesso mais fácil.
Quando finalmente chegamos lá abaixo, olhamos para cima e nem vemos o início da descida, sentimo-nos tão, mas tão pequeninos que todos os nossos problemas ou coisas que podíamos ter na cabeça já não nos parecem tão grandes.
Passada a noite, até às 4h, é tempo de arrumar tudo, encher as garrafas de água e fazer a subida de volta, aí sim, aí só há uma descrição, um nos nativos disse-o e é mesmo assim: It’s beautiful but It’s awful. É muito difícil, muito sol, muito calor e muito cansaço, mas quando se chega lá acima, sentimos que somos capazes de qualquer coisa a que nos proponhamos. É um processo psicológico importante esta subida, vamos buscar forças onde muitas vezes e noutras situações não vamos e simplesmente dizemos a tudo “não consigo”.
Foi um grande desafio, físico e mental principalmente, mas foi um grande prazer viver tudo isto! Vamos voltar com certeza!
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