Chegamos ao Restaurante Genuíno num fim de tarde em que a calma baía de Porto Pim e as cores quentes do pôr do sol criavam um cenário perfeito para uma refeição com vista para o mar. Logo à entrada, um mapa-mundo a mostrar as rotas de Genuíno Madruga, açoriano que fez, por duas vezes, a viagem de circum-navegação.
Fomos gentilmente recebidos e encaminhados para a nossa mesa, no segundo andar, com uma vista fantástica. Antes, tínhamos estado na emblemática marina da Horta e no icónico Peter Café Sport a ouvir histórias dos viajantes que passam por este porto seguro do Atlântico. Eram chamados de aventureiros e o nome ficou até hoje.
Sentamo-nos e começamos a admirar a decoração do espaço. Por baixo do tampo de vidro das mesas, estão souvenirs, t-shirts e fotografias de viagens, um placard grande exibe outras recordações das aventuras de Genuíno Madruga, que, no fim do jantar, se sentou ao nosso lado e contou um pouco mais da sua história.
“Eu cresci aqui a ver este movimento do porto da Horta nos anos 60, nada a ver com hoje, nem havia marinas, mas eu via aqueles que chegavam aqui, os aventureiros, em barcos de madeira, nada a ver com estes mega-iates de hoje em dia, e ia tentando falar com esta gente, de onde vinham, para onde iam. Ouvia falar do Brasil, das Caraíbas, ia ficando com aquilo cá dentro”, recorda-se. “Talvez um dia”, pensava. “Mas a vida nunca foi fácil”.
O picaroto que vive no Faial trabalhou como pescador desde os 12 anos, quando fez o seu primeiro barco. Teve alguns barcos de pesca, “de bocas abertas”, até que conseguiu, através do seu trabalho com o Governo dos Açores, um barco com melhores condições para a pesca. “Vendi muito peixe para Lisboa, mas o meu maior mercado era Vigo, também cheguei a mandar peixe para os Estados Unidos e para Itália”.
Genuíno nunca deixou de lado o sonho de se fazer ao mundo. Até que em 1999, adquiriu na Alemanha um veleiro em fibra de vidro com 11,1 metros, que batizou de “Hemingway”. No ano seguinte, a 28 de outubro, dava início à viagem de circum-navegação em veleiro solitário – foi o primeiro açoriano a conquistar este feito, tendo sido recebido em festa a 18 de maio de 2002. “Foi a maior festa que houve nessa ilha”.
Outros tempos, em que o mundo parecia muito maior do que parece ser hoje. Através de um programa de rádio local, Genuíno ia contando o que via pelo caminho. “Tudo era uma novidade, naquela época, as pessoas não faziam ideia do que se comia nas Maurícias, por exemplo”. Por outro lado, nos encontros que teve durante as viagens, tentava dizer de onde vinha. “Muitas pessoas não sabiam onde ficava os Açores”.
Pela primeira viagem, foi agraciado pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio, com o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique. Mas não se ficou por aí. Havia mais um sonho a conquistar: a travessia, de leste para oeste, do temível Cabo Horn, no extremo austral da América do Sul.
Partiu a 25 de agosto de 2007 das Lajes do Pico e a 24 de janeiro de 2008 tornou-se o primeiro português a cruzar o Cabo Horn em solitário e o décimo homem a fazê-lo na história mundial da navegação à vela em solitário. Em junho de 2009, chegava ao Pico da segunda viagem de circum-navegação.
O que ficou destas viagens? “Aquilo que vi e aquilo que aprendi”, responde. “As pessoas que conheci. Procurava sempre conversar com as pessoas”, diz. “Podemos ver muita coisa pela televisão, jornais, mas quando chegamos aos sítios é sempre diferente”.
“Aqui não há meios termos, ou passa ou não passa”, afirma sobre as tempestades. “Ou vai contar a história ou simplesmente não vai contar a história”, fala, recordando as dificuldades que passou no Índico. “O primeiro mastro e vela do meu barco estão lá, no fundo do Oceano Índico”. Genuíno faz uma pausa. Há momentos que são “mais complicados de falar”.
Nunca pensei em desistir deste sonho
Agora, as viagens são outras. “O mundo hoje tem outras dimensões que não tinha sem estas viagens”. Nas mesas do seu restaurante, Genuíno continua a recordar as suas aventuras e a receber outros navegadores, que estão também a perseguir o sonho de viajar pelo mundo.
“Nunca pensei em desistir deste sonho, só não sabia era quando. Fiz 50 anos entre Cabo Verde e a América Central, e fiquei muito satisfeito porque tinha conseguido”, recorda.
Além de termos saboreado uma refeição deliciosa, saímos do restaurante com o coração cheio por conhecer uma história de vida tão inspiradora. Se forem ao Faial, já sabem, procurem o Genuíno e façam também uma volta ao mundo sem sair da baía de Porto Pim. “Aqui não há clientes, há passageiros”, remata. Até uma próxima, Genuíno!
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