Resolvemos deixar o Jobim e a Carminho, os nossos dois bulldogs franceses, com os meus sogros e fomos para um fim-de-semana a dois na Fortaleza do Guincho. Confesso que já tinha alguma saudade de passear de mãos dadas com o meu marido, sem trelas...
Uma fortaleza em frente ao mar, uma história que começou a ser construída em 1642, por ordem do Rei João IV, para o reforço marítimo do reino. Esteve ativada em duas guerras, a primeira em 1762, na Guerra dos Sete Anos, e a segunda em 1831, nas Guerras Liberais. Em 1959, voltou a ser ativada, mas desta vez, para lazer. Hoje, a Fortaleza do Guincho é um hotel de charme de cinco estrelas, com um restaurante distinguido com uma estrela Michelin, o que o torna um dos mais prestigiados da Europa.
Chegámos. Que boas vindas mais acolhedoras! Logo à entrada um claustro ilumina o grande salão decorado com poltronas clássicas e arranjos de flores frescas. Os meus olhos percorrem em segundos todo o lugar até o teto. “Uaaaauuuu!” foi a única palavra que consegui dizer antes de um simpático recepcionista nos receber. As malas foram encaminhadas na mesma hora para o quarto, era como se já nos conhecessem, como se fossemos clientes habituais e aquilo fizesse parte de uma rotina. Mas não, era a nossa primeira vez no hotel. Ao terminar o check-in, a diretora, Petra Sauer, vem nos cumprimentar com uma simpatia calorosa e nos deseja boa estadia.
Ok, você pode estar pensando: “ah, te trataram assim porque você faz críticas hoteleiras”... olha que até passou isso pela minha mente, mas depois de irmos ao quarto e conhecer todo o hotel, resolvi tomar um cafezinho no átrio principal - aquele iluminado com o sol da tarde - e vi a cena se repetir duas vezes. Chegaram um casal e uma família com dois miúdos pequeninos, o atendimento foi igual. O staff não só transmite simpatia, mas também preocupação e muita atenção pelo bem-estar dos hóspedes.
A suíte decorada à moda antiga, com pormenores em madeira, um teto que não cansei de ficar olhando, uma casa de banho toda em azulejo pintado, a combinar com os acessórios do lavabo e um terraço quase dentro do oceano. A vista é linda, maravilhosa, inspiradora e tantos outros elogios que o mar mereça! Mas é uma vista para se apreciar em silêncio, sem pressa, de olhos e coração abertos. A dois, sabe muito melhor, claro!
Na penteadeira, uns miminhos, uma garrafinha de vinho do Porto com biscoitinhos de areias. Ao lado, um envelope com o meu nome. E foi aí, que o meu ego se confortou, o bilhete personalizado a convidar para um jantar, às 21 horas no restaurante do hotel, preparado pelo Chef Miguel Rocha Vieira. São aqueles detalhes que nos roubam sorrisos, nos fazem ter vontade de fazer post nas redes sociais e contar tudo aos amigos. Bem, é assim que se faz quando se gosta!
Aos 21 anos, quando estudava Gestão Hoteleira, em Londres, Miguel Vieira descobriu numa aula de cozinha uma paixão e um talento escondidos até a altura. Um mês e meio depois, colocou as mãos na massa, matriculou-se na prestigiada escola Le Cordon Bleu, e formou-se em cozinha e pastelaria. Em março deste ano, recebeu a terceira estrela Michelin no seu currículo.
Vou explicar muito rápido como este Chef, de 37 anos, se tornou o primeiro português a ter no currículo três estrelas Michelin em simultâneo. O restaurante Fortaleza do Guincho já detinha uma estrela quando o Chef chegou no verão de 2015, o mérito veio quando meses depois, em novembro, foram notificados de que o restaurante manteria a estrela. Em março deste ano, os restaurantes Costes e Costes Downtown, ambos em Budapeste (Hungria), onde o português é Chef consultor, receberam uma estrela, cada.
Agora, imaginem as minhas expectativas para o jantar, nem eu sei explicar… Ao abrir a carta do restaurante Fortaleza do Guincho, uma frase resume o que vem pela frente: “Esta carta é um salpico de memórias, tradições e das raízes deste País.” Confesso que estas palavras me emocionaram, porque a comida é isso, um recordar e um fincar de bons momentos.
A ementa é de degustação. Existem três opções, um menu de 4 pratos (3 pratos e uma sobremesa), de 5 pratos (3 pratos, queijo ou pré-sobremesa e sobremesa) e de 6 pratos (4 pratos, queijo ou pré-sobremesa e sobremesa), com o acompanhamento opcional de vinhos nacionais para cada prato à escolha do sommelier.
A degustação durou duas horas e meia, portanto quando você for, esqueça o relógio. Um Kir Royale, o meu cocktail predileto, para dar início à noite. Um brinde à criatividade do styling de todos os pratos, antes que eu me esqueça! Com a vista do Guincho à nossa frente, a viajem começou com, segundo o chefe de sala, três “snacks”: um Pastel de Massa Tenra Recheado com Cataplana de Enguia e um Shot de Cerveja Artesanal feita no zona do Estoril. Um Brandade de Peixe Seco (da zona da Nazaré) em Telha de Arroz e Tinta de Choco, com Purê de Grão de Bico, a combinação é suave mas com o poder de perdurar no palato. E Cabeça de Peixe com Molho de Carabineiro e Algas Crocantes, o peixe é cozinhado em lume brando e sente-se uma nota cítrica que oferece a elegância ao prato.
Chega um amous bouche preparado pelo Chef. Não contem a ninguém o que vou confidenciar, ok? O prato era tão perfeitamente construído e original que a minha primeira reação foi querer levar pra casa e colocar numa estante, mas a verdade é que provei e no mesmo instante mergulhei num oceano que conheço há muitos anos (comecei a praticar mergulho há 14 anos atrás) e provei a frescura dos sabores do mundo aquático. O prato chama-se “Habitat de Percebes”, dentro destes vem um pó de algas para temperar os cogumelos funcho com tártaro de laranja e maionese de ostras.
A degustação começou com um prato de Carabineiros do Algarve, servido com uma trilogia de cenouras e um molho de cabeça de peixe que o torna tão saboroso quanto esplendoroso em sua textura. Bem acompanhados com vinhos suaves ou encorpados, dependendo do prato, o menu apresenta um Polvo a Lagareiro bastante tenro, o Linguado cozido a baixa temperatura com molho à bulhão pato, ostras, algas e couve coração, uma combinação que tem o poder de passear pelo paladar e nos deixar com sabor a mar. Dos melhores sabores também está o Tamboril com tomatada, purê de ervilhas e um molho de cozido à portuguesa. O styling do prato é tão destacável quanto a junção inédita dos sabores.
Para a minha sorte, entrou na carta nesse dia mais um prato, e fomos cobaias. Porco preto com papas de milho e um molho bastante ousado, feito com redução do assado com vinagre de sabujeiro. Acompanhado com o vinho certo, posso dizer que é daqueles pratos com alma portuguesa.
Mas foi o Imperador que me fez ter uma reação que nunca tive em nenhum restaurante nem em Portugal, nem pelos países onde morei ou fui de férias ou a trabalho. Começo pelo final ou apresento o prato? Melhor descrever o que provei primeiro, à mesa chega um pequeno pedaço de Imperador, cozido também a baixa temperatura, acompanhado por uma ganache de funcho e vinho abafado. O molho é de ir as lágrimas! Seria capaz de comer todos os dias da minha vida este prato e foi, realizada por provar uma iguaria tão única, que fiz questão que o prato retornasse à cozinha com um bilhete para o Chef, com o seguinte recado: “O melhor molho que já provei na minha vida! Assinado: Paula Bollinger". Sério! Nunca fiz isto, acredito que um bilhete como este, não é só um gesto ousado, mas um dos maiores reconhecimentos que um cliente pode demonstrar a um Chef e a sua equipa. Como diz o meu marido: “é para poucos!”.
Há quase duas horas sentada a olhar para o oceano. O tempo passou num piscar d’olhos, e ainda faltava a parte final do espetáculo. A pré-sobremesa veio numa caixa de cortiça, trazia três tipos de queijos e pão de centeio. Deliciosos!
Fechamos a noite com “As Dunas do Guincho”, um gelado de resina sobre um crumble de pinha e pinhões. Refrescante ao paladar e bem a cara do verão. “A Primavera no Fortaleza” trouxe sabores da estação, uma combinação de iogurte, mel e flores. Ambas são sobremesas leves e delicadas, com sabores suaves. Achei bastante original o “Memórias da Minha Infância”, servido numa tigela pintada com cacau, decorado com nêsperas, sorbet de limão e uma espécie de biscoito imitando pedaços de telha. Bem diferente, né?
Foi um fim de semana inspirador, que deixou saudade e vontade, mas mesmo muita vontade de voltar! Dos melhores hotéis em que já estive hospedada.
Estrada do Guincho
2750-642 Cascais
Portugal
Tel. (+351) 214 870 491
Fax. (+351) 214 870 431
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