Uma cidade é feita de muitos lugares secretos que estão à espera de serem descobertos para contarem as suas histórias. E é isso mesmo que está a acontecer, através desta parceria da Porto Secret Spots com a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, com dois lugares inusitados que, de outra forma, continuariam “fechados” ao meio académico.

Um deles é o surpreendente Observatório Astronómico Professor Manuel de Barros e o outro, não menos surpreendente, é o Instituto Geofísico da Universidade do Porto (UP). Separados por poucos quilómetros, estes lugares conseguem levar-nos a viajar no tempo, em diferentes fases da história e da evolução tecnológica.

E, por falar em tempo, será este o fio condutor da nossa viagem, afinal, é por causa dele que foi construído ali, num lugar um pouco escondido no Monte da Virgem, em Vila Nova de Gaia, o Círculo Meridiano de Espelho do Observatório Astronómico Professor Manuel de Barros da Faculdade de Ciências da UP.

Não sabíamos o que era um Círculo Meridiano de Espelho, nem para o que servia, até sermos guiados pelos estudantes de física, Joana e Rodrigo, que vestem o papel de guias da Porto Secret Spots para nos explicarem um pouco mais sobre esta construção semi-cilíndrica, cujo teto tem um corte no meio.

Quando entramos, somos deparados com dois telescópios perfeitamente alinhados. Percebemos que o lugar está bem preservado, e segue-se a explicação de José Luís, professor responsável. “Em 2011, a universidade fez um restauro, sendo que este é o único edifício do género que está em bom estado”. Curiosidade: só existem mais dois Círculos Meridiano de Espelho no mundo, um em São Petersburgo, Rússia, e outro em Ottawa, Canadá.

Círculo Meridiano de Espelho do Observatório Astronómico Professor Manuel de Barros da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto
Círculo Meridiano de Espelho do Observatório Astronómico Professor Manuel de Barros da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto Só existem três edifícios deste género no mundo e só o português está bem conservado créditos: Alice Barcellos

Voltando ao cerne da questão: o tempo. Mais do que observar as estrelas, estas construções foram feitas para que se conseguisse medir o tempo com mais precisão. Desde o período dos Descobrimentos até à invenção das linhas ferroviárias, medir o tempo tornou-se uma necessidade para o ser humano. E essa medição pode ser feita a partir da passagem de determinadas estrelas por certos meridianos. Assim, essa era a função destes edifícios. A abertura no teto está alinhada com um meridiano e, assim, pode-se acompanhar com precisão a passagem das estrelas que são registadas pelos telescópios. Et voilà, chegava-se a uma hora mais exata.

Isso, contado hoje em dia, parece obsoleto e, de facto, é. Com a invenção dos satélites, esta tecnologia caiu em desuso, mas não deixa de ser fascinante aprender como o homem pensou em soluções tão complexas para conseguir medir algo ainda mais complexo ainda, o tempo. A visita termina com esta reflexão quase filosófica. O que é o tempo? O nosso, o dos animais, o do planeta…

Ficamos a pensar nisso até chegar ao próximo ponto: o Instituto Geofísico da UP. O bonito edifício azul-bebé, na Serra do Pilar, com vista privilegiada para o rio Douro, esconde um “segredo” da época da Guerra Fria.

Instituto Geofísico da UP
Instituto Geofísico da UP Instituto Geofísico da UP créditos: Alice Barcellos

Quando entramos na estação sísmica, somos transportados para década de 1960, altura em o mundo estava divido por uma cortina de ferro e que a ameaça de uma guerra nuclear mergulhou a política internacional numa verdadeira era da paranoia. Tramas de espionagem não faltam desta altura e uma delas aconteceu em Portugal, mais precisamente neste lugar, como nos foram contando as guias do Porto Secret Spots e a professora Helena Sant’Ovaia.

Porto Secret Spots

A Porto Secret Spots leva-nos a conhecer lugares menos óbvios e desconhecidos da cidade.

A subida à Ponte da Arrábida é o passeio mais famoso da empresa, mas existem outros, como até à cúpula do Pavilhão Rosa Mota ou à Casa Museu Fernando de Castro.

A estação sísmica do Instituto Geofísico da Universidade do Porto foi financiada pelos Estados Unidos, integrando uma rede de 120 estações com o objetivo de criar uma rede global para a vigilância dos movimentos sísmicos. Há, contudo, um outro objetivo deste feito que ficou off the record: através da rede seria também possível medir e vigiar testes nucleares subterrâneos. Isto porque a partir de 1963 as potências nucleares acordaram que só poderiam realizar testes subterrâneos.

Ali, na sala em estilo bunker, podemos ver como funcionavam os sismógrafos analógicos que registavam tudo em papel. Papéis estes que eram enviados, de quando em quando, para os EUA que analisavam os movimentos sísmicos – e nucleares. Há uma exposição onde se fica a saber mais sobre o desenvolvimento das armas nucleares e conseguimos ver a diferença entre o registo de um sismo e de uma explosão nuclear.

Em 1990, com o suposto fim da Guerra Fria, os americanos desligaram-se da rede, mas deixaram esta herança. Ainda hoje, “os sensores americanos funcionam”, conta Helena Sant’Ovaia, que destaca que esta foi a primeira rede global de movimentos sísmicos, representando um importante avanço científico na época.

Sismógrafos analógicos
Sismógrafos analógicos Sismógrafos analógicos créditos: Alice Barcellos

Atualmente, a estação sísmica do Instituto Geofísico da UP continua a medir quando a terra treme, agora de forma digital. Tentamos prever o futuro para saber quando os sensores indicariam um novo sismo ou, até, um teste ou explosão nuclear. Porque nos tempos atuais, tudo isso seria possível. E, se a ciência prova que não podemos voltar atrás no tempo, a história mostra que o passado se repete com frequência.

Instituto Geofísico da UP
Instituto Geofísico da UP Uma das vistas para o Porto a partir do Instituto Geofísico da UP créditos: Alice Barcellos

As primeiras visitas a estes dois espaços arrancam este sábado e têm um custo de 12 euros.