A pacata vila é conhecida pelos vinhos, azeites e pela porca de Murça. Quase toda a gente já ouviu falar deste animal que está associado à imagem da vila, mas sabe qual é a história por trás da porca?
Uma vez em Murça, o melhor lugar para descobri-la é no posto de turismo, onde Sara Pereira, uma das técnicas, recebe-nos com simpatia e conta-nos esta e outras histórias da vila que, este ano, completa 800 anos da atribuição de foral.
Reza a lenda que, no século VIII, o povoado estava a ser assolado por ataques frequentes de javalis e ursos que atormentavam a população. Face a esta situação, os senhores da vila organizaram montarias para exterminar os animais. Mas havia um quadrúpede que não se deixava caçar e continuava a espalhar o terror pelas terras de Murça. Quando um nobre cavaleiro conseguiu, finalmente, matar esta ursa ou porca, a população decidiu dedicar-lhe um monumento que ficou conhecido como a Porca de Murça e que até hoje pode ser visto no centro da vila.
A estátua da porca é o cartão de visita para explorar a vila, passando pelos seus pontos de interesse: a Igreja Matriz, o Mosteiro de São Bento, o Pelourinho Manuelino e os Paços do Concelho. As trocas de “boa tarde” com a população local que nos recebe de forma simpática fazem também parte do passeio.
Há, contudo, uma paragem obrigatória para quem quer conhecer outros dois representantes de Murça: a queijada e o toucinho do céu. São doces conventuais presentes em quase todos os cafés e pastelarias da vila, mas a Casa das Queijadas é detentora das receitas originais.
Maria José, mais conhecida com Zezinha, está à frente do estabelecimento que já existe há 140 anos. “A receita veio do antigo convento, onde as freiras faziam as queijadas e o toucinho”. “A madrinha da minha mãe que trabalhava lá conseguiu as receitas” que fazem mais sucesso na Casa das Queijadas e são muito procuradas até a nível internacional, explica Maria José ao SAPO Viagens.
Aprendeu com a mãe as receitas que chegaram a ser confecionadas no forno comunitário e que eram exportadas de navio para África e América, recorda. “Nasci nesta casa e sempre trabalhei aqui”, conta. As queijadas são boas e vale a pena experimentar, mas foi o toucinho do céu que mais nos conquistou o palato, principalmente depois de palmilhar pela vila. Os doces vão bem com um café, sumo de ananás ou um cálice de vinho do Porto, aconselha Zezinha.
Neste périplo por Murça, pode continuar a fazer um roteiro gastronómico e visitar as cooperativas de vinho e azeite, onde é possível realizar provas destes produtos regionais. Nós optamos por apontar a bússola para a natureza e fomos à procura de uma das atrações mais recentes da vila: os Passadiços do Tinhela.
Para lá chegar, passamos pelas curvas de Murça, uma parte sinuosa da antiga estrada nacional que ligava Vila Real a Murça e que ficou conhecida por ser um dos itinerários mais marcantes da região devido às curvas e contracurvas que se desenrolam até chegar à ponte sobre o rio Tinhela. Hoje, ali realizam-se provas de automobilismo.
Atravessada a ponte, é fácil dar com o parque de estacionamento e com a entrada para o início do trilho. Uma cobertura verde envolve a paisagem num dia de primavera que se adivinha quente, mas basta descermos a escadas de madeira que dão acesso às margens do rio para começarmos a sentir a frescura que marca quase todo o percurso, principalmente nesta época do ano em que a vegetação está muito vistosa.
O rio Tinhela é um afluente do Tua e percorre os municípios de Vila Pouca de Aguiar e Murça, sendo um rio de águas cristalinas e matas ribeirinhas que conservam vários habitats e espécies de flora e fauna.
Ao percorrer este trilho, em que grande parte do percurso é feito nas margens do rio – os passadiços foram estrategicamente colocados apenas em troços para tornar a passagem mais segura e permitir momentos de contemplação –, é possível apreciar toda a beleza natural deste curso de água. Até vimos uma lontra a nadar tranquilamente, mas que, ao sentir a nossa presença, mergulhou de forma afoita, fugindo das nossas lentes.
Outra parte do trilho que merece destaque é a passagem pela ponte e calçada romanas de Murça, mais um testemunho da rica história desta terra. Construída há dois mil anos, a calçada romana fazia parte da via que ligava Astorga, na Espanha, à foz do rio Douro.
Por falar em história, existem mais dois lugares a incluir no roteiro.
O primeiro é a casa de Aníbal Augusto Milhais, mais conhecido como Soldado Milhões, condecorado pela bravura durante a Primeira Guerra Mundial. A sua terra natal é a aldeia de Valongo de Milhais que acolhe uma casa museu (a antiga casa de Milhais) onde é possível ficar a saber mais sobre a história deste soldado raso. Se tiver interesse em visitar, o mais indicado é ligar primeiro ao posto de turismo de Murça para saber os dias em que se encontra aberta e, até, marcar uma visita guiada.
Outro lugar que nos faz viajar no tempo é o Castro de Palheiros, uma fortificação celta que é também um fantástico miradouro pois se situa numa crista quartzítica com vista de 360 graus. Estima-se que antes dos celtas terem ali criado um povoado que durou 500 anos, o lugar tenha sido usado pelas populações daquela região transmontana desde início do terceiro milénio a.C. Para saber mais sobre este sítio arqueológico, é possível marcar uma visita ao centro interpretativo que ali se localiza, perfeitamente integrado na paisagem.
Com vista desafogada para as montanhas, sarapintadas de amarelo pelas giestas nesta época do ano, o Castro de Palheiros é um daqueles lugares que nos faz sentir pequeninos perante a imensidão da natureza.
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