É o som da água que nos envolve quando cruzamos os portões da propriedade do Tinhela610 – ainda não a vemos, mas sabemos que ela está ali, a correr com vontade pelo curso do rio que dá o nome ao projeto que é também a concretização de um sonho do casal Holly Niemela e Edouard Payen.

Após percorrermos parte dos passadiços de madeira que dão acesso às oito habitações que se alinham de forma circular como numa antiga aldeia, paramos num patamar e contemplamos o rio que serpenteia mais em baixo, entre fragas de granito e vegetação densa, agora salpicada em tons de rosa, roxo e amarelo por culpa da primavera. Respiramos fundo e absorvemos a tranquilidade que tal cenário nos passa.

Foi esta mesma paisagem que conquistou Holy quando chegou aqui pela primeira vez, já lá vão quase 10 anos. A norte-americana de ascendência finlandesa a viver na França há 30 anos procurava um lugar onde pudesse criar com o marido, o francês Edouard Payen, um retiro de bem-estar na natureza. Ela mestre de yoga, especializada em meditação, reiki, gestão de stress e desenvolvimento pessoal; ele com anos de prática em mindfulness, chi gong, judo e karaté. Assim, ter um projeto que aliasse esta bagagem de vida ao meio natural que sempre os fascinou era um dos objetivos quando procuravam um lugar para o pôr em prática.

Encontraram-no nos arredores da aldeia de Reboredo, em Vila Pouca de Aguiar. Um pedaço de terra intocada no meio de nenhures que foi amor à primeira vista para Holy. “Em 2015, encontrei este sítio numa pesquisa no Google em 20 minutos”, lembra. “Queríamos um lugar com água e teria de ser a menos de duas horas do Porto, queríamos o Norte de Portugal”, explica. Quando fez a primeira visita, ainda não havia estrada nem ponte de acesso, o caminho era feito pelo trilho dos pastores e só existiam ruínas de pedra, entre elas, dois moinhos da época romana. A norte-americana soube que este era “o” lugar. “Eu senti que era aqui”.

O projeto transformou-se: após comprarem mais uma parte da propriedade e decidirem que deixaria de ser um lugar para a família, para ser algo que chegasse a mais pessoas. Tal como os altos e baixos das montanhas de Trás-os-Montes, também o projeto teve de enfrentar algumas dificuldades, entre elas, a pandemia e um incêndio que varreu a propriedade em julho de 2022. No ano seguinte, começaram a receber os primeiros grupos, mas ainda numa fase de testes.

Este ano, abriram-se totalmente ao mundo através da organização de retiros para grupos (de três a sete dias), principalmente voltado para o mercado internacional, e também do alojamento de hóspedes (mínimo duas noites). O Tinhela610 tem capacidade para, apenas, 14 pessoas. Além das acomodações privadas, há um espaço comum, com uma mesa de refeições e cozinha, onde os hóspedes podem tomar o pequeno-almoço, brunch e outras refeições feitas pelo chef residente.

Into the wild

Tinhela610
Tinhela610 Os passadiços do Tinhela610 créditos: Direitos Reservados

Quando acabamos de percorrer os passadiços e chegamos aos bungalows de madeira também sentimos o into the wild que caracteriza o projeto. Estamos no meio da natureza, já não vemos a estrada de terra batida que dá acesso à propriedade, o barulho da água a correr adensa-se, afinal, temos uma cascata ao lado. São os sons, os aromas e os trilhos da natureza que nos envolvem e que guiam a nossa estadia.

As construções em madeira que surgiram sobre antigas ruínas de pedra (da autoria de Luís Rebelo de Andrade, o mesmo arquiteto que fez as eco e snake houses do Pedras Salgadas Spa & Nature Park) integram-se perfeitamente na paisagem. No ponto mais alto da propriedade, o rio alcança os 610 metros de altitude – daí surgiu o número que se segue ao nome "roubado" ao curso de água.

Tudo foi pensado para que o impacto fosse o mínimo possível no meio natural. “A sustentabilidade é uma parte importante do projeto. Não precisamos de nada do exterior”, indica Holy.

Aqui, aprendemos na prática o conceito de off the grid. A propriedade é autossuficiente em recursos. A eletricidade é produzida através de 64 painéis solares. A água vem do poço e é aquecida por painéis solares termo dinâmicos. Para os meses mais frios, há um sistema de aquecimento central alimentado por pellets.

Este ano, iniciaram uma horta de permacultura e têm galinhas para os ovos. “Não cultivamos toda a nossa comida porque começamos há pouco tempo, mas temos ótimos produtores locais de vegetais, vinho, mel, carnes”, refere a norte-americana.

Nos bungalows, de decoração clean e de tons claros, ao invés das tradicionais casas de banho, há um pequeno lavatório e um recipiente para irmos buscar a água que vamos precisar à fonte que se encontra no centro desta pequena aldeia ecológica, num bonito tanque feito de xisto.

As quatro casas de banho, duas com sanitas secas e duas de compostagem, estão em lugares estratégicos da propriedade. São “soluções completamente regenerativas” que não põem em perigo o meio envolvente, salienta Holy. O banho é realizado num espaço inspirado nos rituais japoneses e finlandeses, a chamada bath house, contando com balneários individuais e uma sauna. Os produtos de higiene fornecidos são naturais e biológicos.

A aposta em trabalhar com marcas e empresas portuguesas tem sido uma constante desde o início da empreitada de Holy e Edouard que foram muito bem recebidos pela comunidade local e apoiados pela autarquia, reconhece a norte-americana.

Descobrimos um refúgio de bem-estar onde a água é professora e a natureza nos abraça
Descobrimos um refúgio de bem-estar onde a água é professora e a natureza nos abraça Banhos no límpido rio Tinhela créditos: Direitos Reservados

Mais do que um lugar para retiros de yoga

“Vemos a água como professora e ao estarmos mais atentos à nossa relação com a água elevamos o nosso nível de consciência”, pode ser lido no site do projeto.

De facto, e como já referimos acima, a água tem um papel preponderante na estadia no Tinhela610 e a sua presença constante lembra-nos também quão valioso é este recurso natural tantas vezes desperdiçado e maltratado pelo Homem. “Gostaríamos de ser um modelo de como as pessoas podem usar a água de uma forma diferente”, reflete Holy.

Durante a estadia, podemos banhar-nos livremente nas águas do Tinhela, há cascatas e piscinas naturais em vários espaços de acesso ao rio. Este afluente do Tua nasce não muito longe daqui – nas terras de Jales – e percorre os municípios de Vila Pouca de Aguiar e Murça, sendo um rio de águas cristalinas e matas ribeirinhas que conservam vários habitats e espécies de flora e fauna. “Testamos a água do rio várias vezes e está ótima, e temos uma fonte que passa pela propriedade. Não há poluição”, adianta Holy.

Quer seja para aproveitar este tesouro natural ou para participar num dos muitos retiros que já têm em agenda, quer seja para estar em grupo ou sozinho, fazer caminhadas ou tirar sestas à sombra das árvores, o Tinhela610 afirma-se como um espaço para quem deseja despertar a sua criatividade e consciência, estar em contacto com a natureza, relaxar, reconectar-se e desligar-se do mundo exterior. A pensar em fazer um detox digital? Este é um lugar propício para tal.

Tinhela610
Tinhela610 créditos: Direitos Reservados

De uma plataforma de madeira ao ar livre, perfeita para yoga, chi gong ou outras práticas, a uma escadaria para o paraíso que convida à meditação, passando pelo campo dos sonhos que começa no antigo moinho convertido numa sala para práticas ou convívio, até chegar à terra das fadas, com a sua enorme tenda, percorrer a propriedade, de preferência na companhia de Holy, ouvindo as histórias e as explicações de cada recanto, é uma das atividades que mais deleite nos deu durante a estadia. E que consideramos ser imperdível para quem deseja conhecer melhor este santuário de natureza idealizado por Holy e Edouard.

Os criadores do projeto desejam ser mais do que um lugar para retiros de yoga. “Também gostávamos de organizar um pequeno festival de música e trabalhar com artistas. Não é apenas um lugar para vir e praticar yoga. É um lugar para as pessoas serem criativas, reconectarem-se com elas ou simplesmente não fazerem nada”, remata Holy, ficando no ar (ou na água) o convite para os que desejem embarcar numa experiência diferente neste verão.

O SAPO Viagens visitou o Tinhela610 a convite do alojamento