Manuel Alves, o seu verdadeiro nome, nasceu e morreu em Vale de Boi na freguesia da Moita onde em meados do século passado colocaram um busto em bronze. É a homenagem ao Poeta Cavador, cognome que lhe foi atribuído pelo escritor Tomás da Fonseca e que preservou a sua obra ao compilar o versos.

Quem olha para o busto percebe de imediato a sua origem humilde. Era um camponês e viveu entre 1845 e 1901, anos de muitas dificuldades e miséria em alguns locais do país.

Apesar de analfabeto, Manuel Alves era um repentista e muitas vezes compunha ao desafio ou em resposta a solicitações em vários lugares da freguesia da Moita. Deste modo, ficou muito popular nesta região em particular em Vale de Boi, Ferreiros e Moita.

Poeta cavador
créditos: Who Trips

O presidente da Junta de Freguesia, José Arlindo Simões, diz que o Poeta Cavador continua a ser popular. Muita gente conhece o seu percurso e tem livros publicados que estão à venda na Biblioteca da Anadia.

Poeta cavador
créditos: Who Trips

Além da compilação e dos elogios feitos pelo escritor e professor Tomás da Fonseca, foram produzidos muitos outros trabalhos académicos sobre Manuel Alves e revelam uma pessoa muito criativa.

Poeta cavador
Placa à entrada de Vale de Boi créditos: Who Trips

Logo à entrada da Moita, muito próximo da Anadia, deparamos com a Rua Poeta Cavador e, depois, ao lado da Junta de Freguesia e de um outro monumento mais recente dedicado aos combatentes, está o busto de Manuel Alves virado para a Serra do Bussaco.

Dois quilómetros à frente é Vale de Boi. Dá as boas-vindas no largo principal com a referencia à terra natal do Poeta Cavador. Numa rua estreita está a casa onde Manuel Alves nasceu.

Poeta cavador
A casa onde nasceu Manuel Alves é a primeira do lado esquerdo créditos: Who Trips

É fácil de descobrir porque tem na parede uma lápide a assinalar esse facto.
A Moita é também considerada a Aldeia do Rugby e numa das praças tem uma bola estilizada em metal.

“O Meu Grito”

Nobre e altivo Portugal,
Foste outrora o mais valente
Hoje tão pobre e doente,
Império feito hospital
Saquearam-te o metal,
Altos senhores de cartola
Partiu a doirada mola
À chave do teu dinheiro,
À porta do estrangeiro
Bates, pedindo esmola.
Tu foste crente e sadio
Nessas épocas passadas,
Hoje em manhãs de geadas,
Trémulo de fome e frio…
Esse governo vadio,
Essa vil raça mesquinha,
Vendeu-te à raça vizinha
Como inútil para a vida!
Tens a existência perdida,
Tu, já das nações rainha.
Foi um governo devasso
Que te deu a pobre enxerga;
Pôs-te um cestinho de verga
Dependurado no braço.
Pedes de pão um pedaço,
O teu leito é pobre palha;
Roubaram-te essa medalha
Da honra, da valentia…
Era um rei que então havia,
Chefe de toda a canalha.
Eu sei que o réu não és tu;
Mas os teus, no esquecimento,
Deixaram que o parlamento
Te expusesse quase nu,
Com calças de pano cru,
Sapatos velhos, já rotos,
Sem esperanças de teres outros
Sem honra, sem disciplina…
Ai do que escuta a doutrina
Dessa corja de marotos!
Foram eles que te obrigaram
A assinar uma escritura…
Esses da magistratura
Todos juntos te cercaram,
Todos a uma só voz bradaram:
“Se não quiseres assinar,
Os teu filhos de além-mar
Vão para venda ser punidos!”
Para não veres filhos vendidos,
Tiveste que te curvar!
Ó filhos de Portugal,
Gritai todos a uma voz:
“Abaixo o governo atroz!
Abaixo a hoste real!”
Limpemos a lodaçal,
O foco da epidemia,
Que de dia para dia
Nos vai cavando o abismo;
Guerra crua ao despotismo!
Guerra crua à monarquia!
Ao pobre falta-lhe o pão
Com que se alimentar,
E há-de por força pagar
A sua contribuição!
Para pior condição
Vem o senhor da fazenda
Pedir-lhe do amanho a renda,
O suor dum ano inteiro!…
O pobre não tem dinheiro,
Tem que expor tudo à venda.
Depois o imposto do selo
Cada vez mais aumentado…
Um governo debochado
Leva-nos coiro e cabelo…
O pobre não tem apelo,
Requer não é obtido;
De hidrófobo cão mordido,
São inúteis suas queixas;
Vem dos mandões as fateixas,
Lá fica o pobre despido.
Não temos tropa de linha,
Não temos cavalaria,
Não temos artilharia,
Nem sequer temos marinha!
A pátria, pobre e mesquinha,
Sem, crédito, sem dinheiro,
Dum governo traiçoeiro
De caloteira insultada,
Assim anda apregoada
Nos jornais do Estrangeiro!
Pagam-se quinze por cento,
Direitos de transmissão;
Tudo vai cair a mão
Duns homens sem sentimento.
É este o procedimento
Da vossa alta energia!
Nas bambochatas, na orgia,
Assim esgotais os cofres…
Vê Portugal, quanto sofres…
Com a santa monarquia!

O versátil Poeta Cavador faz parte do podcast semanal da Antena1, Vou Ali e Já Venho, e pode ouvir aqui.