Tem fé, ritos pagãos, museus e arquivos com história e um colégio por onde andou Aquilino Ribeiro e que marcou a vida do escritor.
No fio da história, na imaginação das lendas e no testemunho do património edificado há um ponto comum: as pedras. A pedra nas paredes da capela e do colégio, a pedra que nos purifica e a pedra, em forma de lapa, que de modo invulgar está no altar-mor da capela, por ter servido de abrigo da imagem da Senhora.
Segundo a lenda, que nos foi relatada por Ana Nunes, que trabalha no Santuário, nas invasões árabes, em 982, Almansor passou por aqui a caminho de Santiago de Compostela e destruiu o Convento de Sisimiro. Na altura, alguém terá escondido uma imagem da Senhora debaixo de um penedo.
510 anos depois a imagem foi descoberta por Joana, uma pastora muda, e fez despoletar o santuário.
Chegou a ser um dos maiores da península Ibérica, a par de Santiago de Compostela.
Foi fortemente impulsionado por jesuítas que construíram a maior parte do património que ainda se pode ver, embora algumas partes tenham sido reconstruídas. Outras mudaram de função.
São os casos da antiga cadeia e Câmara, que nos últimos anos foi adaptada a Museu, e o antigo colégio jesuíta que agora é uma casa de apoio ao peregrino.
Foi onde andou a estudar Aquilino Ribeiro. Entrou com 10 anos de idade, em 1895, e frequentou o colégio durante cinco anos.
O colégio é referência em algumas obras literárias e uma das mais marcantes é Uma Luz ao Longe.
Paulo Neto escreve que a privação terá dado origem ao inconformismo que marcou o perfil de Aquilino Ribeiro. Ana Nunes remete para outra ideia. O escritor vinha aqui “à pedra buscar força”. A ser assim, não foi o único. Ainda hoje muita gente caminha entre as pedras que rodeiam a capela e mesmo no interior do templo.
No altar-mor todos têm de praticar um ritual pagão que é muito popular: passar pela gruta, ver a imagem original no mesmo local onde foi encontrada e depois passar por um caminho estreito, entre o penedo e uma parede.
Diz o povo que só lá passa quem não tem pecados. Quem não consegue passar é porque não está bem e tem de se purificar. É uma tradição e um ritual que remete para várias origens, designadamente para uma passagem bíblica.
Nas palavras de Ana Nunes “ao passarmos por um caminho estreito e do outro lado está a luz, é a purificação. No caso da capela, é quando se entra na escuridão da gruta e logo a seguir os visitantes deparam com a luz da imagem da Senhora da Lapa. É a purificação”.
Segue-se o rito de passagem pelo caminho estreito. Para se contornar o penedo quase que temos de o abraçar e no final, numa cavidade, colocamos as mãos e é “o lavar da alma, ou seja ficamos renascidos para uma nova etapa da vida”. O penedo tem um tamanho considerável e a entrada está rodeada de dois nichos dedicados a Nossa Senhora da Lapa.
As paredes da capela estão cobertas com mosaicos do século XVII.
Não deixe de visitar o espaço ao lado onde está um ex-voto que é o sardão. Na verdade é um crocodilo. A pele original terá vindo da Índia e foi um agradecimento por um militar de Viseu há cerca de 300 anos.
Quando regressou trouxe a pele, o crocodilo foi empalhado e esteve em exposição durante muitos anos. Degradou-se de tal modo que não foi possível fazer o restauro em 2008. O que se vê é uma réplica. A pele original está no museu.
A partir deste ex-voto o povo criou mais uma lenda. Assemelhou o crocodilo à realidade local, chama-lhe o “sardão”. Um dia uma ceifeira foi atacada pelo sardão, pediu ajuda à Senhora da Lapa e o pedido foi correspondido. Mais tarde, com a ajuda de trabalhadores agrícolas o sardão foi morto e a pele foi oferecida ao santuário.
Para além destas lendas e ritos pagãos, a maior parte das pessoas que visitam o santuário é por motivos religiosos e concentram-se em três peregrinações.
São duas novenas, nove dias em que as pessoas ficam no santuário e durante o dia têm eventos religiosos e depois culminam com a peregrinação. Uma a 10 de Junho, outra a 15 de Agosto e outra no terceiro domingo de Setembro.
O santuário está classificado como Imóvel de Interesse Público.
Santuário da Lapa e da passagem estreita faz parte do programa da Antena1, Vou Ali e Já Venho, e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.
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