As quintas
Estou aqui para falar do que torna o Vale do Douro único, mostrando-lhe como é viajar pela região de vinho demarcada mais antiga do mundo. Sim, é isso, o Vale do Douro foi estabelecido como região vinícola para a produção de vinho do Porto em 1756, cerca de 20 anos antes da independência da América, e quase 100 anos antes do Premier Cru de Bordéus ter sido estabelecido por Napoleão. Isto significa que a maioria das quintas que produzem vinho e as empresas vinícolas erguem-se em edifícios do século XVIII. Grande parte tem sido bem conservada e restaurada de forma a ir ao encontro dos padrões modernos na forma de produzir vinho. O que é ainda mais interessante, é que os palácios que se situam na margem do Rio Douro e onde os proprietários das quintas residiam, estão em excelentes condições. São como museus ao ar livre, e a melhor forma de os admirar é a partir do rio.
As empresas familiares
Apesar de haver mais de 200 quintas (grandes propriedades com adega própria) e uma vasta gama de marcas DOC (Denominação de Origem Controlada) e de vinho do Porto, a grande maioria das mesmas têm se conseguido manter dentro da famílias. Algumas mantêm-se há 300 anos ou mais. Alguns bons exemplos são a família Guimarães, Ferreira, Silva Reis e Symington. Enquanto alguns palacetes têm sido transformados em boutique hotéis, outros permanecem privados e servem de destino de férias, ou até de residência permanente para alguns membros das famílias que trabalham diariamente nas vinhas.
Património Mundial
Outro aspecto que torna o Vale do Douro único é o facto de ter sido classificado Património Mundial pela UNESCO em 2001, um reconhecimento da sua longa tradição (mais de 2000 anos) em vinicultura nesta parte do Norte de Portugal, o que conduziu a uma paisagem cultural de beleza invulgar e que reflete a sua evolução tecnológica, social e económica. Além disso, o centro histórico do Porto (a porta de entrada para o Douro) e os sítios arqueológicos do Vale do Côa (ao lado do Vale do Douro) também são Património da UNESCO.
As uvas portuguesas autóctones
Nem sequer vou mencionar as novas regiões vinícolas mundiais, pois a variedade de castas de uva que lá existem vêm todas da Europa, portanto só irei compará-las às com as das regiões europeias. As variedades das castas que crescem no seio do Vale do Douro são 100% portuguesas e autóctones da região onde são cultivadas. Muitas delas, como a Tinta Barroca, Touriga Franca, ou Rabigato, são descendentes diretas de vinhas pré-históricas que se desenvolveram nestes terrenos agrícolas e têm acompanhado a presença humana há milénios.
Os Douro DOC e os vinhos do Porto são feitos exclusivamente com uvas 100% nacionais e a quantidade não falta. As variedades das castas das uvas não se limitam a quatro ou cinco como em Bordéus ou noutras regiões recentes do mundo vinícola. Só no vale do Douro podem-se contar mais de 200 variedades de castas autóctones para produzir os vinhos DOC e do Porto. Neste momento, já foram classificadas mais de 500 variedades de uvas endógenas distintas. Para uma lista completa de todas as variedades clique aqui, e para ver as variedades de uvas vermelhas clique aqui.
O terroir
Todos os que trabalham no negócio do vinho vão lhe dizer que o seu terroir (terreno agrícola) é único. Dir-lhe-ão que as vinhas têm tudo que necessitam para prosperar e que a abundância destas substâncias tornam o seu vinho superior. Mas vamos analisar o Vale do Douro. O seu solo é o mais infértil que possa imaginar: é, na sua maioria, formado por xisto, que tem menos de 5% de matéria orgânica (nalguns casos extremos do Alto Douro desce para 1%). Um solo fértil normal possui aproximadamente 40% de matéria orgânica. O terreno é extremamente montanhoso com inclinações acentuadas que podem atingir um ângulo de 45º graus entre os níveis da água e o topo das montanhas adjacentes. Não há grandes hipóteses para o uso de mão-de-obra mecanizada e, ainda hoje em dia, a maioria do trabalho nas vinhas, especialmente a vindima, é feito exclusivamente à mão.
A temperatura varia entre o frio de 4ºC a 5ºC no Inverno, e o calor pode atingir máximos acima de 40ºC no verão. Os locais dizem que o ano tem nove meses de inverno (de outubro a junho) e três meses de inferno (de julho a setembro). Chamam-lhe inferno devido às altas temperaturas e ao stress causado pela vindima. A temperatura no Vale do Douro é mais quente na parte baixa da montanha e mais fresca no topo da montanha. Esta é a razão pela qual as castas de uvas vermelhas são plantadas na parte inferior da montanha e são as primeiras colhidas na altura da vindima. Não se encontra em mais parte nenhuma do mundo vinhas plantadas desta forma e um vinho produzido da maneira como se faz no Douro. Além disto, a chuva é escassa ao longo do ano.
Vinho = Vida
O que tem de considerar é que a junção de todos estes fatores torna muito difícil as vinhas prosperarem. Elas sofrem muito e durante os seus primeiros 15 a 20 anos de vida estão a lutar pela sua sobrevivência. As raízes das vinhas têm de enterrar-se profundamente no xisto para encontrar água, pois a irrigação é proibida pelo IVDO – a instituição que rege as regras do Douro e o Vinho do Porto. As vinhas têm de lutar pelo seu espaço, pois são plantadas muito perto umas das outras a uma distância máxima de um metro e meio, e no caso das vinhas antigas que têm 50, 60 ou 70 anos, o espaço diminui para um metro, aproximadamente. Surpreendentemente, não existe competição entre as vinhas quando são plantas de forma tão próxima, por isso não espalham as suas raízes pelos lados, mas antes para debaixo do solo.
Toda esta violência e agressividade torna a sobrevivência das vinhas muito difícil ao longo do seu ciclo de vida. Isto resulta num comportamento muito eficiente na altura de darem fruto – as uvas que asseguram a propagação da sua espécie. Isto acontece devido ao facto de os recursos da vida da planta serem escassos, obrigando a uva a sobreviver num ambiente cheio de obstáculos.
Todo este processo leva a que a variedade de uvas e o vinho produzido seja único. A vinha como planta nunca cresce abundantemente, e só produz as folhas e cachos de uvas suficientes para a sua sobrevivência. O seu tronco é grosso e resistente, e as suas raízes estão profundamente imersas no fundo da montanha (algumas raízes atingem os 30 metros de profundidade). Todo este esforço colossal conduz a que as uvas tenham uma enorme concentração de nutrientes e açucares - aquele sabor distinto e encorpado que a pessoa sente quando o vinho está a ser feito - e que são essenciais para alimentar as sementes das mesmas. As uvas também são cobertas e recheadas com óleos essenciais, e a suas peles são mais grossas do que a média, de forma a prevenir a evaporação da água.
Ao perceber todo este contexto que envolve o Douro e o seu vinho, irá tirar o máximo partido da sua visita.
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