José Afonso tinha passagens regulares por Malpica do Tejo, no concelho de Castelo Branco. É uma freguesia que namora o Tejo e com fáceis acessos, por barco, a Espanha.

Malpica do Tejo
Ponte sobre o rio Pônsul créditos: andarilho.pt

O isolamento e a transição entre a Beira e o Alentejo permitem aos malpiqueiros terem traços culturais muito próprios, nomeadamente no património musical.

Malpica do Tejo
créditos: andarilho.pt

Estas particularidades não passaram despercebidas a Zeca Afonso que recolhia o cancioneiro popular junto da população.

Uma dessas pessoas foi Gracinda Diogo que guarda na memória essa relação com muito orgulho: “Gravei as cantigas com o Zeca Afonso. Fui gravar com mais gente”, mas as outras pessoas já morreram.

Malpica do Tejo
Gracinda Diogo e o filho créditos: andarilho.pt

Gracinda Diogo é o único testemunho vivo. “Juntávamo-nos, umas poucas senhoras, íamos gravar e ele fazia as cantigas como queria.” O local das gravações era “numa casa qualquer. Ele naquela altura nem se mostrava muito.”

Malpica do Tejo
Estátua de José Afonso em Malpica créditos: andarilho.pt

Ainda no testemunho de Gracinda Diogo, José Afonso deslocava-se a Malpica com alguma regularidade, “tinha cá amigos. Depois combinava o dia em que vinha, para serem avisadas as senhoras para irem gravar. Sou a única que estou viva.”

Gracinda Diogo não ficou apenas com memórias dessas gravações. Ela própria decidiu passar a escrito o cancioneiro local. “Tenho as canções escritas. Voltei a escrevê-las.”
As que José Afonso adaptou foram, além de Maria Faia, A Moda do Entrudo, Oh que Calma vai Caindo e Lá vai Jeremias.

Malpica do Tejo
créditos: andarilho.pt

A Maria Faia é sobre as campesinas de Malpica, o trabalho no campo, nomeadamente a ceifa. Era habitual trabalharem e cantarem quando faziam alguns trabalhos agrícolas.

Malpica do Tejo
créditos: andarilho.pt

A agricultura, nessa altura, na década de 60, era a única atividade económica. “Trabalhava toda a gente no campo. Havia meia dúzia de latifundiários que semeavam azeitona e outras coisas e a gente ia para lá trabalhar. Uma vez para um, outra vez para outros. Era o que se fazia. Aqui nunca houve fábricas ou indústria.”

Malpica do Tejo
créditos: andarilho.pt

Malpica é uma aldeia grande com muitas casas de xisto. No jardim onde está uma estátua de José Afonso e escritas as letras de Maria Faia e Lá vai Jeremias é onde se costuma realizar a 1 de Maio o festival dedicado a Zeca Afonso. Este ano, devido à pandemia não se realiza. Reúne habitualmente músicos que tiveram uma grande relação com o cantor e compositor e a atuação é gratuita.

Malpica do Tejo
créditos: andarilho.pt

O festival coincide com uma festa que junta portugueses e espanhóis, em particular da vizinha Herrera de Alcântara. No sábado de carnaval os portugueses vão à matança do porco e no 1º de Maio retribuem com uma festa.

Malpica do Tejo
créditos: andarilho.pt

A maioria faz a travessia de barco porque o Tejo não está muito longe e é um dos lugares de visita obrigatória para um passeio de barco ou só para contemplar a vista. É uma paisagem espetacular, dominada por mais de um quilómetro de vista do rio Tejo que nas últimas décadas, após a construção da barragem, tem muito mais água o que embeleza a vista. Gracinda Diogo diz que “do lado espanhol é mais bonito”. Antes da barragem, em algumas fases do ano, a travessia era a pé.

Malpica do Tejo
créditos: andarilho.pt

Do lado português há um miradouro e cais improvisado. Do lado espanhol há também um miradouro e o cais tem melhores estruturas.

Malpica do Tejo
créditos: andarilho.pt

Outro passeio é pelo interior da aldeia onde ainda há muitos vestígios das casas de xisto. Algumas de forma bem visível outras já rebocadas, como a de Gracinda Diogo, que preza ser malpiqueira, “de gema e com todo o gosto”. Embora lamente que “antes havia muita gente e agora não há praticamente ninguém. A mudança foi essa.”

Malpica do Tejo
créditos: andarilho.pt

Outra alteração foi na construção das casas. Antes “eram quase todas em xisto. Até a minha é em xisto. Está é rebocada. Mais tarde fizeram algumas em terra, chamamos a taipa. Xisto e barro. Nessa altura não havia cimento nem cal.”

Malpica do Tejo
Migas de peixe do rio confecionadas na Tasca Maria Faia créditos: andarilho.pt

Malpica tem pouco mais de 500 habitantes, está inserida no Parque do Tejo Internacional, há vários percursos pedestres e atividades como pesca e passeios de barco no Tejo. Na gastronomia destaca-se o prato de Migas de peixe do rio.

A Maria Faia de Malpica faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.