Observando de cima, a paisagem é tão linda que nos tira o fôlego... Imagino que há 25.000 anos atrás, já provocasse essa mesma reação aos homens do Paleolítico. Talvez por isso tenham escolhido este vale para se instalarem e para o embelezarem com a sua arte.

É verdade que nunca saberemos exatamente porque os nossos antepassados “grafitavam” a pedra. E teorias não faltam: marcação de território, motivos religiosos, superstições, expressão artística… Possivelmente, seria uma combinação de todos estes motivos, mas eu gosto de pensar que o principal era mesmo a arte e o desejo inerente ao ser humano de partilhar com os outros aquilo que vê e aquilo que vive. Afinal, ainda hoje fazemos isso.

O Museu de Foz Côa

O edifício modernista, de linhas retas, desenhado pelos arquitetos Camilo Rebelo e Tiago Pimentel, foi texturizado para parecer que existe em harmonia com a paisagem circundante de granito e xisto e o efeito foi muito bem conseguido. A sua inserção é notável e em nada diminui a beleza do local. Pelo contrário, acrescenta.

A entrada encontra-se no final de uma estreita passagem que, a principio, não te deixa ver a verdadeira extensão do museu.

Museu de Foz Côa
créditos: Travellight e H. Borges

Enquanto desces a rampa inclinada, ficas com a impressão que estás a entrar para dentro da terra e que nesse processo estás também a voltar atrás no tempo… Como se de repente descobrisses uma caverna que guarda segredos de um passado longínquo. Passas de uma luz imensa à penumbra e os teus olhos têm de se adaptar ao novo ambiente.

Lá dentro, encontramos réplicas em tamanho real dos exemplares de arte rupestre, coleções de vestígios arqueológicos, dioramas e alguns elementos interativos, que tornam toda a visita mais interessante e divertida.

Museu de Foz Côa
créditos: Travellight e H. Borges

Uma exposição temporária de obras de João Cutileiro, Gravuras recentes e Outros Riscos, foi uma boa surpresa. E pareceu-me fazer todo sentido estar ali um “herdeiro moderno” da ancestral arte rupestre.

Terminada a visita ao museu, que bom foi poder encontrar, no próprio local, um restaurante que serve a boa gastronomia regional acompanhada por excelentes vinhos do Douro Superior e usufruir da vista extraordinária da Foz do Côa e do amplo terraço sobre o Douro Vinhateiro.

Vila Nova de Foz Côa

A tarde foi reservada para conhecer Vila Nova de Foz Côa, conhecida como a “Capital da Amendoeira”. Uma vila pequena, mas bonita, com uma igreja matriz extraordinária.

A igreja situa-se no centro da vila e foi incluída na primeira lista de imóveis classificados como monumentos nacionais em 1910.

Igreja de Vila Nova de Foz Côa
créditos: Travellight e H. Borges

Foi mandada construir pelo rei D. Manuel I, em invocação a Nossa Senhora do Pranto e na sua construção colaboraram mestres biscainhos, franceses e italianos. Destaca-se pela sua fachada decorada com motivos manuelinos, pelo seu teto de madeira pintada cujo elemento central é o escudo real, e pelas suas colunas inclinadas. As colunas estão tão inclinadas, que é surpreendente como ainda conseguem suportar o edifício.

Do outro lado da praça, frente à igreja, fica um bonito Pelourinho de pedra e a Câmara Municipal.

Vila Nova de Foz Côa
créditos: Travellight e H. Borges

Para além destes monumentos e algumas capelas, Vila Nova de Foz Côa não tem grandes atrações, mas é agradável passear pela sua rua principal, ver a calçada decorada com os desenhos rupestres do Côa, espreitar as lojinhas e parar para beber um café numa das esplanadas.

Castelo Melhor

De Vila Nova de Foz Côa segui para Castelo Melhor, uma pacata aldeia rural, com casario típico de pedra e monumentos interessantes como o Castelo, a Igreja Matriz e a Capela de Santa Bárbara.

A subida até ao Castelo é bastante inclinada, mas a vista lá de cima vale a pena o esforço.

Este é um dos melhores exemplos de fortaleza medieval secundária, erguida numa das zonas mais periféricas dos reinos peninsulares.

Castelo Melhor
créditos: Travellight e H. Borges

A obra original é leonesa e remonta aos inícios do século XIII, altura a que corresponde uma intensa fortificação da linha de Riba-Côa, zona constantemente disputada pelos monarcas português e castelhano. Foi neste contexto que Afonso VII, em 1209 ou 1210, mandou construir a fortaleza, dando-lhe simultaneamente foral, numa tentativa de consolidação populacional e militar, que se veio a revelar de relativa importância nos dois séculos seguintes. Menos de um século depois, com o Tratado de Alcanices (1297), Castelo Melhor passou para a coroa portuguesa.

Hoje o edifício está praticamente em ruínas, mas pelo cartaz colocado na entrada, parece que há planos para começar a sua recuperação.

A aldeia de Castelo Melhor é uma das portas de entrada para o Parque Arqueológico do Vale do Côa e era do seu Centro de Receção que partia a minha visita guiada noturna para o vale.

Tinha pensado jantar por lá, antes da visita, mas não tive sorte. Não encontrei nada aberto, a não ser uma loja de souvenirs (de onde saí com um quilo de amêndoas deliciosas). Havia mais um café (taberna?) aberta, mas a senhora que se aproximou para me atender disse que nem uma sandes de queijo podia arranjar. Fiquei sem perceber se foi má vontade ou se não tinha mesmo nada…

O Vale ao cair da noite

Passava pouco das oito da noite quando saímos da pequena e silenciosa aldeia de Castelo Melhor e o jipe desceu por um caminho acidentado e sinuoso de terra batida, passando por campos plantados com amendoeiras e oliveiras, em direção ao rio Côa.

Senti aquela excitação de quem ia finalmente ver parte de um património que é considerado o maior museu ao ar livre do Paleolítico de todo o Mundo - classificado em 1998 como Património Cultural da Humanidade pela UNESCO.

Vale à noite
créditos: Travellight e H. Borges

O sol lançava os seus últimos raios sobre o vale, quando o jipe parou nas margens duma grande praia fluvial na margem direita do rio Côa. A partir dali seguimos a pé até ao sítio de arte rupestre da Penascosa.

A noite foi caindo e as primeiras estrelas começaram a aparecer. Em breve enchiam o céu e aumentavam o meu sentimento de assombro. Estava quente (23º C) e os insetos atacavam-me impiedosamente, mas o incómodo era pouco e passou completamente quando paramos na primeira pedra e o guia apontou o forte feixe de luz da sua lanterna para os desenhos.

Diante dos meus olhos as imagens começaram a ganhar forma. Uns sobre os outros, foram aparecendo nos traços marcados há milhares de anos, cavalos, auroques (bois selvagens, atualmente extintos) e outros animais.

Pinturas rupestres
créditos: Travellight e H. Borges

Sem o sol, "sob a luz artificial é mais fácil ver as gravuras" tinha me dito o guia, e realmente tinha razão. Conseguia ver tudo perfeitamente!

Por vezes, era difícil entender exatamente "o que estava a ver", mas bastava o guia apontar para o desenho e tudo ficava claro.

A noite, já se sabe, aumenta a fantasia e esbate a realidade. O caminho escuro, o céu estrelado, o barulho do rio a correr ao longe, os morcegos a sobrevoar… Logo dei por mim a imaginar o mundo paleolítico. Vi uma manada de auroques a descansar na margem e um homem que à luz de uma fogueira contemplava com orgulho a sua obra: um belo cavalo. A nós pode parecer que o animal tem duas cabeças, mas na verdade o artista quis transmitir o movimento que viu o equídeo fazer. Disse o guia que esta foi a primeira cena de cinema da história, e se calhar tem razão…

Pinturas rupestres
créditos: Travellight e H. Borges

Pedra a pedra, fomos descobrindo outras cenas de vidas passadas - “palavras” dos nossos antepassados que mostravam como deve ter sido fértil este vale. Havia comida em abundância e água. Parece que eles não se limitavam a caçar, também pescavam. A gravura de um peixe grande prova isso.

Foram duas horas e meia que passaram a correr.... Ficou a experiência e a lembrança de uma noite inesquecível!

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Artigo originalmente publicado no blogue The Travellight World